06 novembro 2006

Sem mais

Ao Rui não se podia pedir prazos nem horários. Também não se lhe podia pedir ligeireza nem que deixasse coisas por acabar. Meticulosamente descascava todos os bits e ia ao fundo de tudo, sempre em busca da perfeição. Com tempo e com segurança. No pior dos casos ficava em suspenso à espera para fazer o download da próxima versão da NDC, que iria trazer o bug corrigido. Havia sempre uma próxima versão.

O Rui contava a sua história, sistematicamente, com todos os pormenores. Qual o efeito do último “download químico” e o que se seguiria. Os meses em suspenso passaram a anos. Com o tempo a avançar, acreditamos que o Rui ia ser capaz de tudo descascar, persistente e determinado, como nos tinha habituado. Que o tempo jogava a favor dele e que haveria um download final que resultaria. E ele explicava tudo calma e sistematicamente até a tosse o interromper. Ainda tinha tempo para perguntar pelos problemas dos outros. Nunca mudou nada na postura nem no tom da voz. Acho que continuava sempre a acreditar no próximo download.

Mas não houve mais.

6 comentários:

APC disse...

Quero que saibas que te li. E que está lindo!!! Só que vou ficar sossegadinha...

Anónimo disse...

A saudade existe ou somos nós ( os que sentem saudades!) que a criamos dentro de nós?

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O que são os sentimentos? De onde nascem? Do nosso egoísmo?
O que fazemos com eles?

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Parece que neste 'nosso' mundo actual, os sentimentos só existem na nossa, chamada, vida privada.
Não existem sentimentos entre pessoas que estão 8,9,10,11,12 ... horas por dia a trabalhar em conjunto ?
Pessoas que partilham conhecimento, aprendizagem, stress, alegria, problemas, soluções, tristezas, cansaços ...
O que partilhamos quando trabalhamos em equipa ?

PS : Não tenham dúvidas, o Rui podia parecer um ‘solitário’ no que diz respeito a horários, etc.. , mas trabalhava em equipa !

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' ... o que eu mais tenho medo é de um dia não ter forças para ultrapassar mais uma crise
e com isso desiludir as pessoas que amo ...'

- Rui, não desiludis-te ninguém! - ......

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Obrigada Carlos por me ter dado a oportunidade de ter escrito estas frases e tentar partilhar alguns .... sentimentos !

Carlos Sampaio disse...

Existem empresas em que se procura promover um melhor relacionamento entre colaboradores através de aventuras inventadas e brincadeiras. Isso tem um nome pomposo e cobra-se caro. Por outro lado, também sempre achei que misturar vida profissional com vida privada não era muito salutar e quase sinónimo de não ter “vida” fora da profissional. Nunca me passou pela cabeça convidar um colega de trabalho para um jantar em família!

Em vez de “brincadeiras”, vivemos coisas sérias e duras, especialmente quando deslocados. Nessas alturas, os tempos “livres”, em que quase só sobravam os de viagem e os em frente a uma mesa de refeição, eram passados principalmente a falar de trabalho e alguns trocados sobre a situação geral do país em que estávamos. Pouco falávamos das nossas coisas pessoais (pelo menos comigo...!). Mesmo falando muito mais a brincar do que a sério, essa vivência desenvolveu relações fortes e um conhecimento mútuo profundo e, porque não dize-lo, uma espécie de família. E o Rui foi um familiar chegado.

Anónimo disse...

"Nunca me passou pela cabeça convidar um colega de trabalho para um jantar em família!"

"Mesmo falando muito mais a brincar do que a sério, essa vivência desenvolveu relações fortes e um conhecimento mútuo profundo e, porque não dize-lo, uma espécie de família.
E o Rui foi um familiar chegado."

Afinal há jantares com colegas de trabalho que são jantares em família!


Desculpe o comentário ! Não consegui deixar de o fazer !

Carlos Sampaio disse...

"Afinal há jantares com colegas de trabalho que são jantares em família!"

Essa dava pano para muitas mangas...

No entanto, não são jantares "em casa de família". São num restaurante ou num hotel algures no planeta. Família de ciganos?!?

Maria Joao Morgado disse...

Os colegas com que estamos em 'obra' não são família, mas são com toda a certeza uma espécie de amigos. Não são precisas grandes conversas pessoais para criarmos laços. Muitos dias, muitas horas, muita vivência que nos liga.
São pessoas de quem gostamos e a quem queremos bem!
Um beijinho