03 outubro 2006

A assímptota truncada



É uma belíssima figura. Fina e precisa, como toda a matemática. Uma assímptota. O zero só coexiste com o infinito. Ter zero de algo só é possivel com um infinito na outra dimensão.

Um exemplo. Se o eixo horiziontal, o do “x”, for a minha velocidade de deslocação e o eixo vertical, o do “y”, for o tempo que me demora a percorrer um metro, então será assim: Quanto maior for a minha velocidade, mais para a direita estiver no eixo horizontal, menor será o tempo que demoro a percorrer esse metro e mais baixo será o valor correspondente no eixo vertical. Entendido?

Nos limites, e é sempre nos limites que as coisas ficam interessantes, se eu tiver velocidade nula, isto é, se estiver parado, nunca mais percorro o metro: tempo infinito! Para conseguir percorrer o metro em zero segundos... seria necessária uma velocidade... infinita!!! Então, não é bonito?

Toda esta introdução tutorial tem a ver com a desgraça de a nossa vida ser uma assímptota truncada. Quanto mais avançamos na idade, menor é a probabilidade de estarmos vivos. Não tenho dados estatísticos mas imaginemos que aos 50 anos temos 90% de hipóteses de estar vivos, aos 60 80%; aos 70 50% e por aí fora. Temos, portanto, uma curva logicamente a descer! É lógico. No entanto, aos 150 anos a probabilidade é zero e zero bem fechado.

Não é como a bela curva assímptota que nunca toca o zero e que deixa sempre um espacinho livre. Espaço cada vez mais reduzido, é certo, mas nunca fechando. Se assim fosse, haveria uma probabilidade reduzidíssima de ainda cá estar com 1000 anos. Talvez só afectasse uma pessoa em toda a população mundial. Na prática, a diferença seria muito pequena ou nula. Mas, do ponto de vista psicológico, é enorme. Uma questão de limites.

Seria bonito se a nossa esperança de vida fosse uma assímptota perfeita. Aceito perfeitamente ao entrar num avião que este possa cair. Aceito perfeitamente ao montar a moto que possa não terminar o passeio. Faz parte das regras do jogo, do risco e dos imprevistos que estão em cada esquina dobrada. Agora o que me custa mesmo é que me trunquem a assímptota!

A esperança é a última coisa a morrer e a assímptota é um exemplo eloquente.

3 comentários:

APC disse...

Está de uma inspiração que é obra, este texto!
Entras muitíssimo bem, fechas em grande estilo e ainda trancas a matar. Não truncas!...
:-*

Carlos Sampaio disse...

Nucha
O facto de se dizer que a esperança é a última coisa a morrer, siginifica que só morre depois de tudo o resto que existe. Para lá de tudo o resto que existe está o infinito. Ou seja, a esperança só morre no infinito, tal como esta assímptota.

Poderão muitos mortais, menos familirizados com a análise matemática, desconhecer a assímptota e a tradução analítica do conceito. No entanto, o carácter determinístico e bem limitado da esperança de vida é sem dúvida um motivo de reflexão e motor de muita especulação filosófica de muitos, senão todos, os ditos mortais.

Se for mesmo verdade que “nos limites é que as coisas ficam interessantes”, temos um problema. É os limites estarem apenas no infinito e, consequentemente, não alcancáveis. Ficamos truncados na dimensão do “interessante”!!!

Anónimo disse...

Quando dei funções, estudei a assímptota. Mas isso vai longe.
No entanto, tu como gostas de brincar com as palavras, cá metes mais uma das tuas brincadeiras bem calculadas.
No fundo para transmitires o que te vai na alma...

Quanto > for a V < o tempo que resta.

Quando chegares ao teu tempo zero, foi porque atingiste uma velocidade infinita.

Será possível, ultrapassar o nosso tempo, ou atrasá-lo?

Será que existe um espaço intemporal?