02 agosto 2025

Estado a mais ou Estado a menos


Os recentes anúncios por parte de vários países de reconhecimento de um Estado Palestiniano parecem-se ser principalmente uma tentativa de pressão/castigo sobre Israel, que merece certamente ser forçado a mudar de atitude.

Se esse reconhecimento proporcionará um avanço consistente na pacificação da região, é outra questão. Em primeiro lugar, os defensores do “from the river to the sea…” dizem claramente que Israel não tem direito a existir e não é com esses que a paz chegará. A história está cheia de migrações na sequência da constituição dos Estados Nações, por exemplo após a queda dos impérios (vejam o Otomano, com os gregos e os arménios) e no final das guerras (vejam os milhões no centro da Europa após a II Grande Guerra). No entanto, não há mais nenhum lugar no mundo em que as feridas dessas deslocações fiquem abertas tanto tempo e com netos de refugiados a continuar a usufruir do estatuto de “refugiados”.

Certo que as mortes de civis em Gaza têm que acabar, mas decretar um Estado, a menos de alguma influência indireta sobre Israel, que dará na prática? Esse Estado que representatividade terá, que governação terá, que segurança trará? Em 2006 houve eleições na Palestina, ganhas pelo Hamas, que deu guerra civil e administração separada das duas zonas, Gaza pelo Hamas e Cisjordânia pela Fatah. Depois disso não voltou a haver eleições e não foi Israel quem o impediu.

O que fez o Hamas livre em Gaza desde a retirada completa de Israel em 2005? Preparou nova guerra. Podem decretar que o Hamas ficará agora excluído, mas quem o financia encontrará certamente um Hamas-bis que retomará a cartilha e a ação.

Na minha opinião, o fundo do conflito é haver fações árabes que não aceitam menos do que a hegemonia árabe e muçulmana na região. Todas as guerras neste conflito foram iniciadas pelos árabes: 1948, 1967, 1973 e 2023. Com o tempo, líderes responsáveis, a começar por Sadat em 1978, foram progressivamente entrando num processo de normalização e de aceitação de Israel, mas “sobra” sempre alguém que retoma a atitude agressora. Certo que Israel, tem muitas ações condenáveis na sua história, mas é óbvio que, com o seu modelo de sociedade, se tiver a sua segurança garantida, será fácil encontrar solução. Outubro 2023 provou que deixar Gaza livre durante 17 anos não foi caminho para a paz.

01 agosto 2025

Estes tempos


“[…] a nossa capacidade de integração dos imigrantes na comunidade política nacional. Devemos manter as portas abertas da nossa comunidade com moderação e dentro das regras legais que regulam a aquisição da nacionalidade, e portanto, dos direitos políticos próprios da cidadania. Também devemos exigir uma demonstração real da vontade de integração desse imigrantes na nossa comunidade nacional. A contrapartida da nossa abertura é a rejeição firme dos isolacionismos religiosos e culturais. Não podemos dar direitos políticos a minorias que recusam os nossos valores e não acatam as nossas leis. Queremos receber dignamente, isso sim, os cidadãos livres que escolheram partilhar o nosso destino coletivo e respeitar a nossa ordem jurídica”.

O texto acima é capaz de provocar alguma urticária em alguns setores políticos, culturais e sociais atuais e até ser linearmente carimbado como digno de uma extrema-direita xenófoba e racista. Ora bem, o texto não é de hoje, é de 2002 e foi proferido pelo Presidente da República Portuguesa da altura, Jorge Sampaio, que certamente não ficou na história como um inspirador de André Ventura.

A forma como o discurso não foi polémico na altura e hoje faria rasgar vestes, é sinónimo de que estamos a andar para trás e a cair em simplificações e radicalizações que não são sinónimo de bom-senso nem de inteligência.

Está subjacente que o designado multiculturalismo tem limites. Um país, uma sociedade, não é uma macedónia de legumes onde tudo se pode acrescentar livremente. Há coisas que não combinam. Por exemplo, e para não fazer muito complicado, o estatuto da mulher nalgumas sociedades não é compatível com os seus direitos constitucionais em Portugal. O eventual problema com quem chega não é a cor da pele, é o respeito pelos códigos sociais (para lá dos jurídicos, obviamente) que fazem a nossa identidade e o quadro em que queremos e decidimos viver.

Que hoje em dia, se possa ser insultado por “gente de elite” ao expressar o mesmo ponto de vista de Jorge Sampaio de 2002, é altamente preocupante para o estado da nação e da sua evolução.

29 julho 2025

O negativo na discriminação positiva

Havendo um histórico de discriminação negativa, imerecida, relativamente a um dado grupo, faz sentido que se tente compensar e procurar repor alguma justiça através de uma discriminação positiva posterior.

Isso pode ser conseguido dando prioridade a esse grupo num processo de seleção e, no limite, até exclusividade em situações pontuais. Nada contra. Agora, parece-me que relativamente ao desempenho posterior, a palavra-chave deverá ser igualdade. Função igual, exigência igual, avaliação igual, retribuição igual.

O risco e o desvio aparecem quando se insiste em continuar a considerar alguma discriminação posteriormente. Quando o selecionado, em vez de assumir o desafio e ir a jogo de igual para igual, aprendendo e evoluindo, assume uma postura de vitimização cada vez que é questionado… Quando a hierarquia vê com condescendência e tolerância q.b. os erros e deficiências, numa atitude paternalista que tende a perpetuar um estatuto de inferioridade, não sendo certamente esse o objetivo último do processo.

Este contexto pode ainda degenerar para uma arrogância de quem se sente especialmente protegido e criar uma tribo de “eternas vítimas”, hostilizando os demais. Quando chegamos aqui, a discriminação positiva falhou completamente o seu propósito.

27 julho 2025

Luís Guimarães


Para mim e para outros companheiros de estrada, Bastos Viegas foi sinónimo do primeiro grande desafio profissional enfrentado, horas de sono perdidas e inúmeras “peregrinações” a Guilhufe, Penafiel, a todas as horas e muitas vezes fora de horas.

Para a recém-nascida “Automação e Robótica” da Efacec, esse projeto foi a porta de entrada numa maioridade tecnológica, que depois por outras paragens e continentes singrou. A oportunidade foi proporcionada pelo senhor Luís Guimarães, dono e gestor da empresa, que com uma coragem e frontalidade no limite do desconcertante acreditou e nos fez acreditar.

Nas longas horas e semanas que tivemos de teste e afinação do “bebé”, ele muitas vezes se sentou ao meu lado, interessando-se, sugerindo e avançando hipóteses para a razão das arestas que iam surgindo (entre algumas nuvens de fumo dos seus cigarros 😊).

Visitei de novo a empresa umas décadas depois, diferente, mas sempre vibrante.

Num mundo tantas vezes comandado por frias e distantes formalidades, o senhor Luís Guimarães foi um Senhor. Fazem falta Pessoas destas…

21 julho 2025

Barracas, não obrigado

Supondo que uma família portuguesa se desloca para Londres e não tendo condições económicas para se instalar dignamente, resolve improvisar uma barraca num dos parques da cidade. Estão a ver essa “construção” a ser tolerada e a manter-se de pé muito tempo? Estão a ver a “opinião publicável” local insurgir-se contra a demolição e a pedir uma humanitária manutenção da mesma? Não, não estou a ver nada disso acontecer e ainda bem, porque não é aceitável nem digno. O que fariam as autoridades locais e quais os apoios sociais existentes desconheço, mas a menos de situações transitórias, cada qual é responsável por criar e manter condições de vida digna para si e para os seus.

Supondo que em Portugal uma família “tradicional” perde a sua casa e constrói uma barraca algures lá no bairro, sem condições sanitárias nem de segurança mínimas. Naturalmente que a vizinhança esperará que a mesma seja demolida e não estou a ver muita tinta “solidária” a correr por esses editoriais e demais colunas publicáveis.

Sim, é necessário haver paraquedas sociais para aliviar transitoriamente dificuldades, independentemente de credos e origens, mas sistematicamente não e barracas não. Piedades infantis ou manipulações oportunistas de última hora não são solução para nada. 

19 julho 2025

Cavalo à solta


No pico do Monge, um dos pontos culminantes da serra de Sintra, descansa o meu cavalo. Com pouco mais de 20 meses de idade acumula quase 7800 kms de caminho percorrido. Aqui não estamos muito longe do local onde em 1966 25 militares faleceram ao combaterem um brutal fogo florestal. Na altura não havia o argumento das alterações climáticas, caso ocorresse hoje, certamente que a “culpa” seria atribuída às mesmas…

Alguns estarão talvez já a dizer, elétrica é para preguiçosos… e eu explico. Esta montada tem 3 modos de andamento. Não, não se trata de passo, trote e galope. É exercício, onde que com um pouco de assistência a compensar o peso e esquecendo o motor, se pode fazer exercício a sério, haja disciplina e vontade; passeio, com uma assistência mais generosa e reforçada nas subidas, terraplanando os percursos e diversão, com a assistência no máximo pelo monte acima.

Há aqueles que numa dada fase da vida pensam em comprar um Porsche, ou sucedâneo. Eu comprei esta máquina e tenho dúvidas de que seja menos interessante de utilizar. Vai a todo o lado e sai de qualquer “buraco” ou aperto. Seja perdendo-se nos caminhos da Bioria, seja atravessando a serra de Santa Luzia, cumprimentando os garranos, seja o que for e por onde for… passa sempre.

17 julho 2025

As comichões da ética

Empresa que se preze e preocupada em passar uma bela imagem a acionistas, decisores e público em geral tem uma lista de itens a garantir na sua imagem pública.

Preocupações com diversidade e equidade, ambiente e sustentabilidade em geral, altos padrões de ética e de integridade, preocupações de responsabilidade social e outras coisas mais que tal.

Mais do que mostrar preocupação é necessária apresentar iniciativas e estruturas, comissões e portais, objetivos e métricas, tudo sem mancha de pecado.

O problema real pode aparecer com a efetiva realidade. A título de exemplo, tive conhecimento de uma situação concreta e recente. Tendo sido enviada a uma dessas comissões uma exposição com uma dezena de pontos relevando e documentado atos ocorridos não conformes com o que se espera de quem anuncia altos padrões éticos, mesmo contrários à legislação em vigor e sendo solicitado um posicionamento da mesma, a resposta foi curiosa.

Depois de um mês de reflexão, ponderação, averiguação e eventual comichão, a tal comissão respondeu que o “assunto tinha sido reencaminhado internamente, que nada mais iriam fazer e passe bem”. Pelos vistos entendendo não ser necessário posicionar-se como solicitado nem tomar ações para evitar eventuais repetições.

Impressionante como um bom “Photoshop” consegue transformar em modernaças imagens e arrogâncias de realidades dignas do período do Estado Novo.

15 julho 2025

O processo que falta


Dentro deste vergonhoso folhetim da operação Marquês, parece-me faltar um processo, que seria o da família de Carlos Santos Silva contra o próprio.

Alguém “emprestar” centenas de milhares de euros e realizar outras “liberalidades”, com tanta informalidade e ausência de seguranças, a um individuo desempregado, sem ativos relevantes, só pode significar que por demência ou outra incapacidade qualquer ele está irresponsavelmente a desbaratar o seu património.

Para isso existe uma figura legal que se chama, salvo erro, inabilitação e que visa proteger os bens de alguém que declaradamente se mostra incapaz de o fazer. Na minha opinião, e de acordo com a “narrativa” apresentada, estariam reunidas todas as condições para Santos Silva ser inabilitado pela sua própria família.

11 julho 2025

Saber ou não saber


Quando em 2017 Pedro Sanchez se lançou á reconquista do PSOE, efetuou um longo périplo pelo país, no seu automóvel, acompanhado por três figuras próximas: José Luis Ábalos, futuro todo-poderoso ministro do “Fomento”, Santos Cédran homem forte da organização do PSOE e Koldo Garcia, o motorista, e posteriormente assessor de Ábalos.

Para lá de partilharem essa volta à Espanha a promover Sanchez, essas três figuras estão a braços com a justiça, gravemente implicadas num enorme escândalo de corrupção e de outras más práticas, relacionadas com o partido e o governo. Pedro Sanchez diz angelicamente que nada sabia e que para o futuro será mais prudente na escolha dos seus colaboradores próximos.

Por cá temos um ex-primeiro ministro em tribunal e esperemos que o processo seja rápido porque de espetáculos asquerosos já estamos cheios. Está bem que ainda não foi jugado, porque o tem tentado impedir de todas as formas, mas quem cabritos vende e cabras não tem… Além de outras práticas pouco habituais a quem gasta transparentemente o que ganhou decentemente.

No caso português, o problema parece ser apenas com o líder, e todos os seus colaboradores próximos nada viram, nada sabiam. Um mundo de diferença, ou talvez não…

06 julho 2025

O que matou Diogo Jota?


Dentro do largo noticiário e “comentariado” sobre a morte dos dois irmãos, há algo que me parece ausente, que é a razão do acidente. Certamente que conhecer as causas não os traz de novo à vida, mas o “positivo” das tragédias é, depois de identificar as causas, evitar a sua repetição.

Ouvi falar em rebentamento de um pneu e tal poderia ter a consequência ocorrida, mas, que diabo, não estamos a falar de um camião de uma empresa de transportes em insolvência cujos camiões usam pneus poli, multi recauchutados. Um desportivo topo de gama de um proprietário financeiramente são pode rebentar assim um pneu sem nenhum “ajuda” externa?

Não sei, não conheço suficientemente de pneumáticos nem do histórico de manutenção do Lamborghini, mas uma coisa conheço bem, é a infame A52 naquele troço e respetivo pavimento. Este é extremamente irregular e pleno de remendos mal-amanhados, que a tornam muito desconfortável, no mínimo.

Que um carro levezinho a alta velocidade tenha levantado voo numa daquelas irregularidades é extremamente fácil e provável. Foi isso, não sei, mas, se foi, a onda de solidariedade podia enviar alguns fundos para o governo espanhol colocar um piso decente naquela autoestrada e assim evitar novas tragédias. E, saber que foi isso, seria um sinal a navegadores futuros.

29 junho 2025

Apelar à paz

Por diversas razões e em diversos cenários temos guerra no mundo. A Rússia invadir uma Ucrânia sossegada, que não tinha ambição militar, apenas pretendia viver como no mundo ocidental é diferente de neutralizar preventivamente o potencial nuclear do Irão, que tinha, e tem, propósito assumido de destruir Israel. Estabelecer analogias entre os dois casos, só mesmo para quem os EUA e o ocidente estão sempre do lado errado e não será por essa lógica que chegaremos a algum lado válido.

Certamente que devemos ser pela paz e apelar à mesma. O problema é quando os apelados são insensíveis a discursos de Miss Mundo e de secretários-gerais da ONU. Pode-se referir o belo exemplo de Ghandi, que teve sucesso, mas face a um estado minimamente de direito, que era o Império Britânico. Enviem um Ghandi uigur contestar pacificamente em Pequim e contem-me o resultado.

Para figuras como Putin, os apelos são obviamente inconsequentes. Até se deve rir da ingenuidade. Gente para quem os argumentos válidos são apenas os da força militar ou económica, só responderão face a esses mesmos argumentos. Lamentavelmente é mesmo assim. Só em sociedades democráticas e livres é que os apelos podem surtir algum efeito e, por norma, raramente são eles quem despoleta os conflitos. Sim, já estou a ouvir contestação a esta afirmação, mas vão ver objetivamente nas guerras em curso quem disparou o primeiro tiro.

Como se dizia já na antiguidade, "Se queres a paz, prepara-te para a guerra". Não sei se são necessários 2% ou 5% ou outras percentagens, mas fazer figura de pomba no meio de um bando de falcões… estes agradecem. Não é a pomba que vai converter os falcões maléficos em aves boazinhas

26 junho 2025

Se isto não é promover o Chega…

 “Peritos do Conselho da Europa, a Comissão contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) instam as autoridades portuguesas a assegurar condições de habitabilidade a longo prazo decentes e seguras às pessoas de etnia cigana” (relatório publicado a 18/6/2025).

Desculpem lá, mas qual a razão para as nossas autoridades se preocuparem especificamente com habitação digna para os ciganos? Os não ciganos que tratem e façam pela vida e respetiva habitação decente e segura por eles próprios? Por que razão cidadãos que estão há dezenas de anos e há várias gerações estabelecidos em Portugal, necessitam de discriminação positiva?

Sobre os imigrantes, poder-se-á entender ser necessário uma “ajuda” na integração, mas, mais uma vez, com peso e medida. Se há tantos residentes em Portugal a ter dificuldade em obter habitação decente e viável, faz sentido dar prioridade a quem acabou de chegar para entregar pizzas ao domicílio, baratinhas?

21 junho 2025

E se Adérito Lopes fosse trolha?

Toda violência é condenável e um ato concreto pode ter atenuantes ou agravantes conforme o contexto e as motivações em causa. Todo o cidadão tem o dever de ser protegido e de obter justiça, independentemente da sua situação social ou outra. Não há castas.

Quanto à recente agressão ao ator Adérito Lopes, parece-me haver claramente uma diferenciação difícil de justificar. Foi um ato condenável, sem a mínima dúvida, mas entre todas as agressões e crimes que infelizmente ocorrem diariamente, porque este teve direito a tanta ressonância? Se Adérito Lopes fosse um trolha a entrar num estaleiro e agredido no mesmo contexto, as reações seriam as mesmas?

Podemos dizer que sendo um ator, ligado à cultura, há um simbolismo especial. Então a agressão a Filipe Araújo, vice-presidente da CM do Porto, foi um ataque ao poder local, a merecer a mobilização solidária de todos os autarcas…?

Outra diferenciação tem a ver com a identificação do agressor. Quando se trata de um membro de uma comunidade eventualmente polémica, como africano, cigano ou imigrante, há um cuidado cirúrgico da comunicação social em omitir esse detalhe, para evitar “generalizações”. Quando se trata da extrema-direita, chega a ser noticiada a simples especulação de “com suspeitas de ligação à…”.

Que fique claro que abomino todo o tipo de iniciativas “musculadas”, independentemente da cor dos atores, mas quando há esta desproporção no tratamento dos casos, estamos perante uma diferenciação da justiça conforme as castas em jogo e, a prazo, acabamos a “beneficiar o infrator”.

17 junho 2025

De coração ou raça


Ser português não significa possuir características “raciais” especificas. Somos fruto de uma miscigenação enorme e não há portugueses “de gema”, fisicamente definidos, como noutras latitudes onde existe um tipo físico tradicional e se faz a distinção face a outros “cidadãos” que não o cumprem. Aliás, geneticamente falando, somos na “maioria” muito mais parecidos com os berberes das montanhas do Norte de África do com que os nórdicos!

Isto não significa que qualquer um dos 8 bilhões de habitantes do planeta que aterrar por cá, possa imediatamente ser considerado português, já que não há filtragem racial. Ser português haverá de implicar ter um mínimo conhecimento da cultura e história do país e identificar-se com a mesma. Haverá que o sentir e não há muitos países no mundo em que esse sentimento de pertencer a uma nação seja tão antigo como ele é em Portugal.

Ainda sobre a História de Portugal e identidade, no passado 10 de junho Ramalho Eanes foi condecorado com o grande colar da ordem de Avis, uma grande honra e distinção. Na sua génese esta ordem era militar e religiosa e combateu os muçulmanos na fundação de Portugal. Ainda ninguém se lembrou de pedir para a crismarem com outro nome, mais laico, inclusivo e menos “agressivo” face a outras religiões? E todos os que receberam a Ordem de Santiago sentem-se bem ao ver o seu nome associado ao santo “mata-mouros”?

A riqueza, e histórica temos muita, passa por não banalizar, saber procurá-la e entendê-la. Viva Portugal de coração sem raça.

16 junho 2025

Para que serve a maçonaria? (VI)

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6) As motivações e os resultados reais

Qual a motivação real dos aderentes ao movimento…? A teoria conhecida e publicitada ou a inserção numa rede e o benefício de uma solidariedade tribal?

Considerando que a organização na sua liderança é coerente e sã, cabe-lhe a ela fazer esse policiamento e garantir que quem lá está, não está pelas cunhas e “proteções”, caso contrário é todo o edifício que fica descreditado. De boas intenções está o inferno cheio e publicitar boas intenções fraternais para satisfazer ambições individualistas é indecente.

A natureza secreta e solidária da organização pode também significar que um simples individuo que “incomodou” um membro, por uma razão qualquer, se torne um alvo designado e comece a receber patadas, sem saber muito bem de onde e porquê elas chegam, sobretudo se essa solidariedade tiver um cariz de militância tribal acrítica.

Como eu disse atrás, um dos positivos originais era o fim dos privilégios de casta.

E para que serve mesmo?

Volto à questão inicial. Qual o contributo (positivo de preferência) que esta organização me traz a mim e a qualquer cidadão “profano”? Não vale a pena listar os famosos cientistas, artistas e demais famosos que calçaram as luvas brancas. O que eu queria mesmo saber é em que é que a organização hoje “contribui para a minha felicidade” e do comum dos cidadãos.

Sinceramente, se realmente estão em causa princípios universais e objetivos “altos, nobres e justos”, venham a terreiro assumi-lo e explicar o que fazem mesmo, mesmo, mesmo, para a sociedade, exterior à organização.

Esta obscuridade não é saudável. E perdoem-me os mações sãos e de boa vontade se sentem que estou a ser injusto para com eles. Não era esse o objetivo.


15 junho 2025

Para que serve a maçonaria? (V)

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5) O objetivo atual e potenciais conflitos

Aqui começamos com uma grandessíssima questão. Qual o objetivo atual da organização? Se se trata apenas do desenvolvimento intelectual e filosófico dos seus membros, será assunto privado. Ninguém é obrigado a revelar publicamente o livro que tem na mesinha de cabeceira. No entanto, se falamos de uma associação, vivemos em liberdade associativa, incluindo direitos e deveres. Se eu quiser criar uma associação columbófila ou de amigos da sueca, estas deverão ter estatutos públicos, definindo objetivos, forma de governo, etc... Uma “associação” que evita esta transparência pública e respetivas obrigações deve ser ilegal, talvez... haverá certamente muitos advogados bons conhecedores da realidade em causa que se podem pronunciar.

Agora, se ainda estamos na movida do século XIX em que existe um projeto de transformação social, aí a coisa complica-se. Vivemos em liberdade e podem ser criados partidos, movimentos cívicos e outros, mas que assumam e digam ao que vêm. Uma organização que quer intervir no nosso modelo social, a partir da sombra, parece-me conspiração. Não sei se é ilegal, mas não é bonito, nem havia “nexexidade”…

Claro que um eleito pode confessar a religião que entender, sem ser obrigado a revelá-lo nem a ser condicionado por isso…

Agora, mais uma condicional, tratando-se da pertença a uma organização com estrutura, hierarquia, juramentos e um “projeto” de sociedade, nesse caso a incompatibilidade é clara…

Pode alguém apresentar-se ao eleitorado com um dado programa público, ser eleito, tomar posse jurando a Constituição… para as 2ª, 4ª e 6ªs … e ao mesmo tempo ter promessa de lealdade a outro projeto qualquer, que o povo eleitor desconhece, para as 3ª, 5ªs e sábados… É claro que não.

Embora com menos gravidade, este potencial conflito de interesse pode existir na esfera privada. Tenho na minha equipa o António e o Manuel. O António é atual mestre da minha loja e na próxima sessão será decida a minha subida de grau… O António faz uma grande asneira… terei a mesma “força” para o criticar e eventualmente penalizar do que ao Manuel em caso idêntico, com quem não tenho nenhum relacionamento extraprofissional? E quando for necessário decidir uma promoção na empresa, não estará o António melhor colocado, sem ninguém entender porquê, se até erra mais vezes?

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14 junho 2025

Para que serve a maçonaria? (IV)

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4) E a prática?

Um dos problemas recorrentes daqueles que sentem estar no “lado correto da história” é a tentação de promover os seus valores, não pelos valores, mas pela força, pelas milícias e até pelo terror, se “necessário” for. Como dizia Afonso Costa, o PRP devia permanecer no poder para «defender o povo, mesmo contra a vontade do próprio povo».

Esta militância das “boas” causas pode ser um catalisador de “maus” efeitos. Ainda sobre a nossa falhada Primeira República, há dificuldade em dizer abertamente que foi a sua falta de sentido democrático e de respeito pelo povo e instituições que abriu a porta ao Estado Novo. Não foram uns malvados que apanharam o “povo” distraído e usurparam o poder. Foi a vacância desse poder e de credibilidade que lhes deu a oportunidade e permitiu a sua fácil aceitação.

Se hoje podemos agradecer aos movimentos liberais, incluindo os maçónicos, o modelo de sociedade são (pelo menos mais são do que todos os outros), em que vivemos, importante seria chamar o nome às coisas… e assumir e aprender.

Porquê o secretismo ?

Podemos entender que durante a Guerra Civil Espanhola um maçon em território nacionalista, assim como um Opus Deu em zona republicana tivessem interesse e necessidade em permanecerem discretos, a bem da respetiva esperança de vida. Hoje ninguém, neste nosso mundo, corre riscos dessa natureza, donde, qual o interesse ou a necessidade de ficar escondido? Nas minhas contas, quem não deve, não teme e quem não teme não se esconde.

Será mesmo altamente recomendável que não se escondam…? 

Depende…  ver a seguir



13 junho 2025

Para que serve a maçonaria? (III)

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3) Visibilidade

No radar do mundo que eu conheço, a organização ganha relevância nas grandes transformações da Europa no século XIX, iniciadas pela revolução francesa nos finais do XVIII. A passagem do absolutismo para o liberalismo, o poder constitucional democrático contra o real divino, a separação de poderes, o afastamento da igreja da governação do país e da organização da sociedade civil, e uma certa (já lá vamos ao detalhe) universalização dos direitos do homem (pelo menos dos considerados cidadãos). O fim dos privilégios de casta hereditários.

Pode-se dizer que aqui a maçonaria esteve do lado certo da história, no sentido em que os valores defendidos foram os que se consolidaram e o que na altura era fraturante hoje é praticamente consensual.

Sobre este aspeto e os fundamentos da maçonaria especulativa, para lá das questões básicas (e consensuais) da liberdade, igualdade e fraternidade, há duas coisas que me soam dissonantes. Uma é aquela coisa de que não há um Deus, que tenha criado o mundo, mas um ente superior, arquiteto, GADU – Grande arquiteto do universo - que o projetou… para a construção do mesmo, cá estão os pedreiros. Isto evoca-me um pouco a famosa reflexão do “Eu não acredito em bruxas, mas….”

O outro aspeto é a misoginia e o não reconhecimento da igualdade universal. Que no século XIX houvesse dificuldade em reconhecer direitos iguais à mulher, é discutível; que a nossa Primeira República, fortemente maçónica, recusasse o direito de voto às mulheres por receio de serem influenciadas pelo clero, é oportunismo; que no século XXI a principal obediência em Portugal continue fechada às mulheres é incompreensível e injustificável. Parece mais coisa de um “old fashioned british club” do que de uma organização que se reclama de progressista.

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12 junho 2025

Para que serve a maçonaria? (II)

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2) As raízes - operativas

As pessoas e as organizações não são apenas o fruto do meio onde foram criados, mas este tem sempre alguma importância. Neste caso, na sua génese, a maçonaria é uma associação, uma espécie de ordem profissional ou sindicato de pedreiros. Tem um caráter corporativo, de proteção de uma classe/profissão, mas parece-me que com pouco ou nada de filosófico ou universal. É a chamada fase operativa de onde ficou o nome e de onde foram importados os símbolos ligados ao talhar a pedra, aplicados posteriormente aos códigos e rituais adotados.

Terá evoluído posteriormente, com a entrada de não artistas pedreiros e mudança de objetivos. Para dourar a pílula parece ser referida alguma ligação e transmissão, via templários, dos saberes de Salomão e do seu famoso templo… Enfim, o quê exatamente não sei e provavelmente os pedreiros-livres originais também ignorariam.  Talvez seja um segredo tão grande que ninguém o conhece,

Salomão e templários são sempre excelente tempero para receitas esotéricas.

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11 junho 2025

Para que serve a maçonaria? (I)

Pode-se perguntar?

Tenho a ligeira sensação de que apenas o avançar deste título faz soar alarmes, põe pirilampos a piscar e, enfim, coloca em prontidão um sistema capaz de julgar e condenar profanações de terreno sagrado…

Mas, se é possível questionar o que significa para a sociedade o Opus Dei, as Misericórdias, os Rotários, as testemunhas de Jeová… porque esta irmandade há-de ser tabu? Como dizia o saudoso Jó Soares, perguntar não ofende…

Correndo o risco de eventualmente enfrentar um julgamento secreto, sem direito a defesa, de foro incógnito e com possível condenação a degredo, masmorra ou cadafalso, avanço.

Ao fim e ao cabo, ser condenado por refletir e partilhar livremente as suas opiniões não é cadastro, é currículo e é liberdade… e a liberdade é um valor fundamental neste contexto, certo?

Não pretendo apresentar uma tese, não estudei para tanto, e o próprio caráter discreto da associação leva a que um estrangeiro, precise de avançar com hipóteses, suposições e muitos “ses”… O espaço fica aberto para complementos e correções às minhas reflexões e questões.

E paz na Terra aos homens (e mulheres) de boa vontade.

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10 junho 2025

Luis Vaz


 Ao desconcerto do mundo


Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que só para mim
Anda o mundo concertado.

Sempre atual este Luís Vaz, para sempre vivo este Portugal

04 junho 2025

Foi assim tão mau?


Assisti ao discurso de apresentação da candidatura de Gouveia e Melo e, confesso, não o achei tão pobre e infeliz como o vejo a ser classificado nas tribunas dos comentaristas oficiais. Foi lato e excessivamente abrangente, tentando bater a todas as portas e a satisfazer todos os clientes? Sim, ao fim e ao cabo é suposto o PR ser presidente de todos os portugueses, mas não lhe encontrei contradições ou incompatibilidades. Comparando com as apresentações e discursos dos demais candidatos atuais e passados custa-me reconhecer nestes uma mensagem particularmente mais inspirada e focada.

Do que vi, preocupou-me mais a plateia, especialmente nas primeiras linhas. Essas sim eram muito pouco inspiradoras. Talvez que lá para trás houvesse gente dinâmica, arejada e potenciadores de mudança, mas os lugares da frente tinham um grande cheiro a mofo e a outros perfumes pouco agradáveis…

01 junho 2025

Ainda o sistema no SNS


Sobre os escândalos com as cobranças abusivas feitas por alguns médicos no SNS, fala-se de problemas e necessidade de correção no “sistema”.

Toda a gente que já lidou com situações em que a pessoa que não consegue responder às necessidades em horário normal é premiada com remuneração majorada em horas extras, sabe que há um risco enorme de ela procurar criar e manter condições para maximizar e aproveitar essa oportunidade. Também qualquer um com simples bom senso sabe que alguém registar os seus créditos sem validação terceira/hierárquica é uma porta escancarada para a falta de escrúpulos.

Para lá das correções necessárias, certamente, no “sistema”, vejo outro problema “sistemático”. As pornográficas folhas de salários desses médicos não foram vistas com ninguém com “olhos de ver”, independentemente do “sistema”? Gerir não é apenas aplicar regras definidas e enquanto elas forem cumpridas está tudo bem. Não! Gerir é estar atento e ter o “radar” ligado para escrutinar o que se passa e o que merece intervenção. A inação com estas situações não se desculpa pelas deficiências do “sistema”. É incompetência ou conivência.

28 maio 2025

Mais um engodo




Quando em 2022 foi necessário substituir Marta Temido, muita gente do sector achava que Fernando Araújo daria um excelente ministro da saúde. Tranquilo na sua maioria absoluta, o PS preferiu um apparatchik, na figura de Manuel Piçarro.

Para as últimas legislativas, na necessidade de captar votos e mostrar “capacidade” de fazer algo diferente, Fernando Araújo foi nada menos do que o cabeça de lista pelo Porto, apresentado pelo PS como se tivesse recrutado o Max Verstappen do SNS…

Escassas semanas depois, o ás de trunfo da saúde decide surpreendentemente que será mais útil no S. João, hospital, do que em S. Bento, Parlamento, aparentemente na sequência de uma “reflexão”… Não podia ter refletido antes de se ter entusiasticamente envolvido na campanha eleitoral? Será que ao PS, com a redução do grupo parlamentar, lhe faltam lugares para apparatchicks?

Um deputado poderia e deveria ser mais do que figura de corpo presente e o Parlamento seria valorizado se por lá houvesse gente que sabe mesmo de alguma coisa e fez algo na vida, para lá de lutas e tricas partidárias.

Uma coisa é certa, estas deserções precoces de cabeças de lista prestigiantes, cheiram a básico engodo para pescar eleitorado e não ajudam nada a credibilizar quem as organiza e quem nelas participa.

Atualizado em 30/5 com a publicação entretanto saída no Público

22 maio 2025

Camilo Castelo Branco




Celebrou-se recentemente o segundo centenário do nascimento do escritor, falou-se muito sobre isso e, por acaso, vi na mesma altura a série “Ferreirinha”, onde a sua história corre em paralelo, apesar de um pouco romanceada e mesmo branqueada. Por exemplo, a cegueira não foi devida ao período do cárcere e respetiva falta de luz…

No que por estes tempos li e ouvi sobre o autor, entendi que ele é considerado uma das figuras maiores da nossa literatura, certo, para muitos taco-a-taco com o grande Eça de Queiroz, para alguns mesmo acima.

Ora bem, de Eça li tudo, ou quase, do Camilo apenas encontrei perdida na minha biblioteca uma pequenina edição do “Amor de Perdição”, resultado de uma compra “obrigatória”, numa visita à Lello. Decidi partir à exploração do autor, considerando ser uma vergonha o desinteresse que lhe tinha dedicado.

Ao romance de referência já existente juntei “Maria da Fonte”, uma crónica sarcástica e mordaz sobre os acontecimentos de 1846 e sequente guerra da Patuleia, a partir das memórias do famoso Padre Casimiro, e de todas as incoerências e caricatos daquele período. Acrescentei as “Memórias do Carcere”, um bom retrato da sociedade da época e respetivos crimes e castigos e a “Queda de um Anjo”, a irónica típica novela do puro rural que chega à capital para ser amolecido e corrompido pela mesma.

Camilo indubitavelmente sabe escrever, disso não há dúvida, há ali elegância, não há arestas nem coisas que arranham os ouvidos. Agora, duas coisas menos bem para mim.

Para a caraterização de um personagem ou de uma ação existem adjetivos que bastem na língua portuguesa. Outra forma é por comparação com outrem, em analogia. Ele fez-se “sicrano”, ela agiu tal “beltrana”…. Camilo usa e abusa desta segunda via, com um enorme universo de sicranos e beltranos, clássicos, históricos e mesmo contemporâneos, alguns famosos apenas naquela época. Perde-se um pouco a leitura para quem não conhecer a galeria completa.

A outra questão é que Camilo salta muito para dentro da narrativa, não como um narrador personagem, mas como ele mesmo, frequentemente ironizando o desempenho dos seus personagens e até interpelando os leitores. É um pouco como se víssemos uma peça de teatro em que o encenador para a cena e sobe ao palco, para comentar o quadro, em nome próprio. Como se houvesse uma fronteira pouco clara entre o cronista, que opina, e o romancista que é suposto mergulhar-nos numa história e deixar-nos vivê-la, sem apartes nem interrupções.

Em resumo, a partir desta amostra, continuo claramente a votar em Eça de Queiroz. Numa particularidade Camilo passará à frente, que é na ligação ao país fora da capital. Apesar do seu cosmopolitismo e do castiço da “Cidade e as Serras”, Eça escreve “sentado” em Lisboa. Apesar da sua tentação de comentar e de se apresentar ele mesmo superiormente nas suas histórias, Camilo parece-me indubitavelmente mais próximo do mundo rural, das suas rudezas, grandezas e asperezas. Aqui deu-me vontade de saltar para o Miguel Torga, mas, por hoje fechamos assim.

Nota: Foto refeita já que a anterior foi considerada não angelical pelo FB e a publicação censurada :) 

21 maio 2025

Além Tejo, Alentejo


Formulou muito bem Orlando Ribeiro, que existem dois “portugais”, um Mediterrâneo e outro Atlântico. Para quem se interessa por entender o que é este país, o seu livro é obrigatório, mesmo.

Essa fronteira, que ouvimos na meteorologia como o sistema Montejunto-Estrela, teve no verão quente de 1975 um posto fronteiriço em Rio Maior, equipado com as famosas mocas, enfim… não faltam exemplos. Curiosamente esta clivagem nunca pôs em causa a unidade identitária do país nem levantou sérias veleidades separatistas.

O resultado destas últimas eleições é mais um exemplo quase perfeito dessa divisão do país. A particularidade é que este recorte eleitoral não é inédito na forma. No passado foi igual, com diferença apenas na cor. O sul do Tejo era vermelho comunista e agora é extrema-direita (populista).

Se eu fosso sociólogo atirava-me de cabeça a tentar entender como o Alentejo revolucionário abandonou os valores comunistas, para abraçar este populismo grosseiro. Os extremos tocam-se? Sim, um pouco, mas não será assim tão simples.

Durante anos o Alentejo foi para a esquerda uma espécie de puro e último reduto da “revolução”, objeto de devoção quase religiosa. Quando Henrique Raposo escreveu sobre a região, referindo as elevadas taxas de suicídios, não houve livros queimados na praça pública, mas pouco menos, tamanha foi a indignação da esquerda.

Enfim, não sei para mais e não quero entrar no terreno da especulação pura, mas gostava muito de entender o que existe neste Portugal mediterrâneo que um dia é comunista e no seguinte, dizem os ainda comunistas, fascista. Um mistério…?

20 maio 2025

Habituem-se…?

 

Nestas eleições vimos uma preocupante subida de um populismo irresponsável, cuja força, no entanto, não é a ideologia. Esta pouco é escrutinada e muitos preferem colocar simplesmente a etiqueta de “extrema-direita” (como antes se “lutava” colando etiquetas de “fascista” ou “neoliberal”…). Seria mais eficaz pôr a nu a sua inconsequência e falta de qualidade dos seus quadros do que infantilizar o eleitorado,

Quanto à queda do PS, não resisti em revisitar uma famosa entrevista de António Costa à revista Visão, regiamente instalado em cima da sua maioria absoluta em dezembro de 2022. Para lá de várias mensagens sobranceiras e arrogantes, Costa proclamava: Habituem-se vamos cá estar assim por quatro anos, independentemente de casos e casinhos que não interessam verdadeiramente ao “país real”. Ainda não passaram 3 anos sobre essa data e o país real mostrou não se habituar.

É evidente que o perfil do Pedro Nuno Santos não ajudou. Se o PS foi importante na fundação da nossa democracia, não o foi com lideranças deste perfil e nunca em irmandade com partidos de vocação totalitária.

O Chega tem/teve um eficiente papel destrutivo, mais por demérito dos outros, que se puseram a jeito, do que por mérito próprio. Papel eventualmente positivo, correspondente à responsabilidade que a sua nova dimensão exigiria, é difícil de o imaginar neste momento.

Estas eleições mostraram que o eleitorado não se habitua a tudo, em parte felizmente. Será o momento de os intervenientes responsáveis refletirem que é preciso mudar algo seriamente, senão serão mudados eles e o resultado, para o país real, pode não ser positivo.


16 maio 2025

Refletindo


Enquanto se pode…

 

Este texto corre o risco de ser um dos mais efémeros do blogue, uma vez que pelas 20h e picos do próximo domingo, a realidade real então conhecida poderá destruir todas as bases sobre as quais estas reflexões se desenvolveram.

Pelo que parece, o próximo Parlamento não deverá será muito diferente do que está de saída e isso não deixa de ser surpreendente…

Para começar, o mistério da manutenção da dimensão do Chega. Por muito que o discurso de André Ventura possa cativar descontentes, desta sessão legislativa que termina fica a irrelevância dos outros 49 outros deputados, a heterogeneidade, falta de qualidade e até de honestidade de alguns e de construtivo pouco ou nada. O Chega está a atingir uma fase em que ou consolida ou esvazia. Se se conseguir consolidar apesar de todos estes vazios, é preocupante.

Por outro lado, o PS de Pedro Nuno Santos não descola, pelo contrário, e enquanto tiver este líder deve ficar reduzido ao eleitorado enquistado. Quando o ouvimos falar, por muito que tente disfarçar, está lá o menino do Porsche e do papá rico, o “enfant terrible” que resolve o problema da divida pondo as pernas dos banqueiros alemães em tremeliques, o dos 3,2 mil milhões da TAP e do despedimento por whatsapp e aquele que decide mandar fazer aeroportos como quem manda vir uma sobremesa... Tudo isto não se lhe descola e até faz esquecer a polémica herança socrática-costista do partido. Protesta e avisa para os perigos dos outros, mas de um candidato a líder exige-se mais. 

Luís Montenegro deveria estar a pagar as trapalhadas com a sua empresa, especialmente a forma como (não) comunicou o que devia e como devia. Não é isto que acontece, talvez na perspectiva do mal menor, mas não é certamente o contexto ideal para liderar efetivamente o país.

Por último, os comunistas, tanto os ortodoxos como os burgueses, continuarão a cair, o que faz sentido. Por muitas bondosas e humanas que sejam as suas intenções teóricas, “toda a gente” sabe ou pode saber que as práticas propostas não funcionaram e nunca funcionarão.

A IL corresponde a uma proposta efetivamente diferente das correntes habituais, mas num país de funcionários e pensionistas, dificilmente subirá muito alto.

A ver o que o domingo nos conta… mas dava jeito que mudasse alguma coisa

13 maio 2025

Glosa Crua, 20 - Tempo, 0


 Aqui no Glosa Crua não é muito habitual marcar efemérides, mas há sempre espaço para exceções.

 O blogue faz hoje 20 anos.

12 maio 2025

O major Tomé e o general André

Nos tempos em que os extremismos não estavam muito na moda, havia um deputado único de extrema-esquerda no Parlamento, da UDP, um dos percussores do Bloco de Esquerda. Inicialmente Acácio Barreiros, que acabaria por migrar para o PS, e depois o major Tomé. Recordo-me de uma reflexão na altura, de ser positivo ter um deputado com este perfil, para maior amplitude das discussões, mas que um chegava porque uma eventual aplicação prática dos seus propósitos não levaria o país a bom destino.

Hoje os extremismos estão mais normalizados, até já os vimos a condicionar fortemente um programa de governo, e em 2019 apareceu o “major Tomé” da direita, André Ventura, que enquanto deputado único acabava por ter um papel algo semelhante aos dos seus predecessores do outro extremo da sala.

A grande diferença é que o Chega foi crescendo, mais por demérito dos outros do que por mérito próprio, e chegou aos 50 deputados. O que não mudou é que apesar de estarem 49 pessoas atrás do líder, não conseguimos deixar de ver um partido mono personalidade com um general André que não sabe muito bem o que pode fazer com as suas tropas, para lá de o seguirem no “ser contra”… no que der jeito ser contra.

Uma das grandes incógnitas das próximas eleições será a dimensão da representação parlamentar do Chega. Tendo já ficado provado de que não possui quadros nem consistência para ser parte ativa e responsável nas soluções de governação, serão deputados perdidos, dado que o general André sozinho chega e sobra para a função que o partido tem desempenhado.

30 abril 2025

Faça-se luz


A eletricidade é uma coisa fantástica, viaja à velocidade da luz, mas a energia não se acumula, é necessário sincronismo absoluto entre a produção e o consumo. Quando alguém liga um interruptor em casa, algures uma central de produção estará instantaneamente a responder e a entregar esses watts… Por isso, a gestão das redes e do parque produtor é um desafio muito exigente. Juntando a variabilidade da produção solar ou eólica e a inflexibilidade de regime de algumas centrais como as nucleares, mais complexa é a gestão.

Relativamente ao famoso apagão desta semana, mais do que o disse que disse, o fez não fez a lojinha ou como o viveu aquele dia o senhor António ou a dona Maria, parece-me fundamental esclarecer o seguinte:

Quando Espanha diz que desapareceram “subitamente” 60% da produção/consumo de energia, isto não é uma causa primária, mas a consequência de outra coisa, que foi…?

As redes elétricas têm sistemas de deslastre, que devem funcionar à velocidade da luz, ou quase, para evitar um colapso. Porque falharam aqui?

Aparentemente teremos apenas duas centrais que podem arrancar autónomas, todas as outras só “pegam de empurrão”. Porque apenas duas e porque foi necessário esperar seis horas para carregar no botão? Havia um plano de contingência preparado?

Pilotar um avião em modo automático e em céus tranquilos é muito fácil. Será que “estamos preparados” para enfrentar tempestades e imprevistos? Diria que não…

25 abril 2025

51 e 50 anos


Que se pode dizer 51 anos depois, para lá de fazer evocações do tipo como é bela a Primavera, quando as andorinhas retornam aos ninhos? O 25 de Abril cumpriu muitas das expetativas e esperanças criadas e deixou outras por cumprir. Cada qual tem a liberdade de evocar o que acha que podia ter sido e acabou não ser… Ao fim e ao cabo, haverá sempre coisas por fazer e é de saudar ser possível haver pluralismos nessas buscas…

Hoje apetece-me evocar os 50 anos das eleições de 1975. Nunca se viu, e provavelmente nunca se verá, tamanha motivação e empenho cívico como nesta participação de 91,7% dos eleitores inscritos. Tanta gente que esperou em intermináveis filas e não quis desperdiçar a oportunidade de expressar a sua palavra sobre o futuro do país. Sobre o respeito que certas “forças” manifestaram sobre essa assembleia tão esmagadoramente democrática, a discussão é outra.

Aliás, não esqueço de, ao visitar o Museu do Aljube, ter lido na legenda da ilustração desse momento que “Os resultados desiludiram os que defendiam um processo revolucionário avançado”… povo retrógrado este!

Das minhas queixas sobre o que falta hoje neste país, X ou Y anos depois de uma data qualquer, o que falta mesmo é coragem. Coragem de apresentar e defender frontal e honestamente reflexões coerentes e sãs. Coragem para pensar livremente e assumir os riscos inerentes. Coragem para distinguir humildade de subserviência. Coragem para dizer em alta voz… “o rei vai nu” quando ele se apresenta andrajosamente. Coragem para assumir aquilo em que se acredita.

17 abril 2025

Incoporated States of America


A imagem dos representantes das grandes corporações americanas logo atrás de D. Trump na sua tomada de posse ficará para a história. Não necessariamente pela proximidade do mundo dos negócios à política e ao poder, alguém sempre pagou os milhões das campanhas eleitorais, mas sim pela visibilidade dos mesmos. O segredo é muitas vezes a alma do negócio e as influências desenvolvidas nos bastidores são frequentemente mais eficazes.

Também a linguagem arrogante e grosseira de Trump não será certamente uma estreia absoluta. As famosas gravações da Casa Branca, divulgadas durante o processo Watergate, mostraram um presidente Nixon bastante menos elegante verbalmente do que se imaginaria. A diferença aqui é, mais uma vez, o assumir publicamente essa postura.

Defender interesses nacionais com medidas protecionistas, mais ou menos camufladas, quando tal é considerado útil, também não é uma novidade absoluta, mas a diferença aqui não se fica apenas pelo estilo, é a dimensão e a imprevisibilidade.

Taxas aduaneiras altas são sinónimo de países que não conseguem ter uma economia competitiva em terreno aberto e quem as paga é quem importa. Os EUA pertencem agora a esse clube? Depois, e nomeadamente para bens industriais, que parecem ser o foco principal de Trump, não se ganha dimensão e competitividade de um dia para o outro. É necessário investimento e desenvolvimento de conhecimento, coisas que nunca avançam com regras a mudarem todos os dias. Donald Trump está a comportar-se como um caprichoso e arrogante dirigente de um país que falha e não encontra o bom remédio dentro de portas, como lhe compete.

Para a dimensão do país, a aplicação destas medidas provocaria um impacto dramático na economia mundial… e na própria. Na prática nem sabemos se irá acontecer mesmo assim, ou se é apenas bluff e tática negocial. De todas as formas jogar ao poker nesta escala, isso sim, é inédito.

12 abril 2025

Controlar submarinos e aviões


Há algumas décadas atrás discutia-se e negociava-se a compra de submarinos para a Marinha Portuguesa (o tal negócio que depois ficou famoso…) Faziam parte do pacote negocial as chamadas contrapartidas, ou seja, a parte do negócio a ser feito por empresas locais e outras repercussões económicas para o país comprador.

Um dos consórcios concorrentes, o francês e, por acaso, o que não ganhou, sugeriu que construíssemos na Efacec Automação e Robótica parte do simulador de pilotagem do submarino, utilizado para a formação dos tripulantes. Assim, fui visitar a escola de submarinos francesa em Toulon, onde pude ver vários simuladores, reproduzindo o posto de pilotagem de diversas gerações de submarinos (desculpem-me os submarinistas se o vocabulário não está a ser rigoroso).

Havia nitidamente três gerações e ambientes. A primeira, aí dos anos 60, muito analógica, com mostradores de ponteiros e tudo muito espartano. A segunda que situaria a partir dos 70, já com alguma eletrónica e sobretudo enormes painéis de interruptores retro-iluminados que, quando ocorria um problema, pareciam uma árvore de Natal (monocromática, a vermelho…) de tantas coisas a piscar em simultâneo. Finalmente a última geração, já informatizada, onde a informação era tratada e o fundamental corria bem visível num monitor, percebendo-se mais facilmente o que estava a ocorrer.

Lembrei-me disto recentemente ao “pilotar” um enorme Boeing 777. Apesar de ser um simulador estático, conseguia-se sentir um efeito de imersão e a sensação de que dirigir algo tão complexo pode ser tão simples… quando a rota está lançada e nada de imprevisto acontece. O problema estará sempre nos imprevistos e o grande desafio é, de facto, prever os imprevistos…   

04 abril 2025

Um deputado perto de si

Agora que se vão estabilizando e conhecendo as listas de candidatos às próximas legislativas, gostaria de ver os resultados de um certo tipo de sondagem.

Em cada círculo eleitoral, quantos eleitores conhecem algum dos “seus” candidatos a partir do 3º na lista, sendo que, por exemplo em Lisboa e Porto, para os maiores partidos, falamos de um total de eleitos acima da dúzia.

Depois, para os “famosos” do topo da lista, quantos os associam a algum tipo de ação de defesa e promoção da “terra”? Excluamos os autarcas a atingir o limite de mandatos e que partem em transumância para S. Bento…

Certamente que a governabilidade do país não é compatível com individualismos e caciquismos tribais em cada esquina, mas daí a os eleitores votarem em simples funcionários dos partidos ou famosos cangurus

29 março 2025

Salafismo no BE


Quando os canhões da I Grande Guerra se calaram, o mundo muçulmano sunita entrou num período de crise e de choque. O Império Otomano, seu bastião, tinha lutado do lado dos vencidos e a outrora poderosa força que dominara todo o Médio Oriente e grande parte do Norte de África, já enfraquecida antes do conflito, desmorona-se e desaparece.

Na sua sede e origem, a atual Turquia, Kemal Atartuk vai criar um novo Estado, muçulmano certo, que o digam os ortodoxos gregos e arménios que por lá andavam, mas laico, com a religião nas mesquitas e fora de escolas, tribunais e parlamento.

Ao mesmo tempo é extinto o califado, desaparecendo o Califa, o líder religioso global e reconhecido sucessor de Maomé. Imaginem que, se na unificação da Itália, em vez de o Papa passar a administrar apenas um bairro de Roma, tivesse desaparecido de vez a função. Um grande choque seria, não?

Neste processo de desagregação do mundo muçulmano, surgem reflexões do tipo: Se no passado, na origem, eramos poderosos e depois enfraquecemos, a solução passa por regressar à “pureza original”. A isto se chamará salafismo, palavra relacionada com origem e raiz, sendo o movimento mais impactante, ainda hoje, a Irmandade Muçulmana, nascida no Egito.

Como é óbvio estas visões retrogradas e anacrónicas não trouxeram muito brilhantismo e sucesso ao Islão.

Contextos e dimensões à parte, a opção do Bloco de Esquerda em ir chamar os seus “fundadores”, parece ser um reflexo com a mesma inspiração. Quanto ao resultado, logo se verá, mas as estratégias de “ó tempo volta para trás”, nunca trouxeram grande progresso.

25 março 2025

A angústia do deputado face à Camara Municipal

Tempos houve em que o Presidente da Câmara Municipal era uma personalidade local e com pouca projeção nacional. Posteriormente os partidos descobriram que apresentarem uma figura pública “conhecida”, mesmo caída, com ou sem paraquedas, numa autarquia qualquer podia ser um “vantagem”…

Assim vemos serem apresentados/sugeridos para autarquias relevantes, personalidades “notórias”, que, naturalmente até já estão/passam no Parlamento. A atual antecipação das legislativas e a sua proximidade com as próximas autárquicas coloca um problema angustiante a estas personalidades, presumindo, naturalmente, que não irão fazer campanha simultânea para o Parlamento e para uma Câmara qualquer. Já bastaram os deputados eleitos o ano passado que sem aquecerem sequer o lugar em S. Bento, saíram logo a seguir para se apresentarem às Europeias….

Assim, que fazer? Apresentarem-se nas legislativas e deixarem em branco a opção que lhes estava prevista para as autárquicas? Passarem em branco as legislativas e irem apenas às autárquicas, correndo o risco de perderem “pau e bola”?

Não sei, mas o que não gostaria de ver é deputados eleitos a largarem S Bento no dia seguinte à tomada de posse para partirem em campanha para as autárquicas. A vida é feita de opções, não é ?


21 março 2025

Ainda a Vendeia


A cerca de 50 km a sul de Nantes, há uma placa informativa na autoestrada anunciando “Memorial da Vendeia”. A primeira vez que a vi não tinha a mínima ideia do contexto e após informação e posterior visita do local ficou-me como um dos episódios mais dramáticos e representativos daquele período de liberdade terrifica, dois conceitos que infelizmente se apresentam muitas vezes em conjunto.

O tema já foi objeto de publicação anterior, aqui, e posteriormente li a obra acima representada, verdadeiramente (bem) desenvolvida e documentada sobre o tema. Não é objetivo hoje refazer o histórico dessa guerra e guerrilha, da tentativa de genocídio sobre toda a população civil da zona rebelde e demais as barbaridades desse período de terror absoluto, sem o mínimo de respeito pelos “direitos universais do homem”, nem mesmo o direito a viver para aqueles cujo sangue fosse declarado “impuro” (ver a letra da Marselhesa).

Há aqui um fenómeno daqueles que, acreditando tão inequivocamente estarem do lado “certo” da história, não hesitam em enviar para as masmorras ou para o cadafalso, todos os que se considerem estar do lado errado. Em Nantes, chegaram a afogar sumariamente no rio os inimigos do regime, como suposta medida sanitária na sequência da saturação das prisões.

Uma questão que levanta muitas interrogações é como, séculos depois, com todos os elementos para uma visão clara de toda a barbaridade, ainda haja gente “inteligente” que consegue expressar simpatia, compreensão e benevolência para com “Robespierres” e outros que tais. É um verdadeiro mistério da natureza e da irracionalidade humana.

Numa dada passagem do livro, o autor lança um repto se este totalitarismo ideológico jacobino não foi a matriz inspiradora do que a seguir se viu na Europa com os regimes ditatoriais brutais, nomeadamente no século XX. Pode não ter sido inspirador diretamente, poderão apenas terem génese na mesma “doença do poder”, mas as semelhanças são bastantes.

Efetivamente há atualmente órfãos de Estaline e órfãos de Robespierre e com muitos a partilharem as duas orfandades… Qual será a cura, não sei, racionalidade e humanidade não parecem ser.


09 março 2025

Uma moção para ti, uma comissão para mim


Se a empresa de Montenegro vendia consultadoria e com sucesso, estaria suportada por um especialista que só podia ser ele. Quando ele assume responsabilidades políticas esse conhecimento não se passa, como num restaurante se pode passar a terceiros o avental de quem está a lavar pratos. Seria previsível que os serviços deixassem de ser prestados pela indisponibilidade do prestador. Se a empresa continua a faturar e fortemente, das duas uma: ou Montenegro continua a intervir direta ou indiretamente e está mal; ou não há propriamente prestação e a natureza da faturação é… nublosa.

Duma forma ou de outra, não estou a ver uma saída limpa para o caminho feito por estes euros e a questão está toda aqui.

Os nossos brilhantes líderes políticos? Empenham-se na gritaria e em maximizar o retorno do caso. A minha moção de censura é maior do que a tua; a minha comissão de inquérito durará mais tempo do que a tua moção; ameaças censura, mostra (des)confiança… Um espetáculo triste de tacticismo e palpita-me que não vai encerrar tão cedo. Depois, queixem-se … 

06 março 2025

Camarada Trump, amigo; o povo está contigo!

Constitui para mim um mistério como gente com formação, informação e discernimento conseguiu, e alguns ainda conseguem, terem benevolência, compreensão e apoiarem sistemas comunistas que, apesar de algumas boas intenções na sua génese e nessa época, resultaram em implementações miseráveis e muitas delas criminosas em grande escala.

Duplo mistério é como esses supostos iluminados ainda têm simpatia com Putins, que apesar de partilharem a geografia e alguns métodos do famoso e tenebroso pai dos povos, não tem nada de nada em comum com as teorias de Karl Marx.

Onde já não há palavras é para caraterizar o alinhamento destes EUA com os criminosos de Moscovo. Então os EUA não eram o inimigo visceral de todo os comunistas? Como ficam os órfãos de Estaline neste cenário de verdadeiro curto-circuito mental? Seguem Putin e aplaudem Trump? Iremos ver o atual presidente dos EUA discursar na próxima Festa do Avante?

Este alinhamento não lembra ao diabo e deve ser também um curto-circuito mental para os herdeiros do senador McCarthy, o tal que tanto investigou e perseguiu os perigosos comunistas infiltrados nos EUA.

É óbvio que este mundo se rege muito mais por interesses do que por princípios e os EUA já apoiaram bastantes regimes pouco saudáveis para as suas populações e respetivos direitos e liberdades. No entanto alguns princípios, mesmo que teóricos, precisam de existir, que definam a identidade das nações. Não posso acreditar que uma parte significativa da população americana se identifique com estas opções.


28 fevereiro 2025

País de porteiros em família

Já vivi num país, que não primava pela eficácia nem pela meritocracia, uma coisa vai com a outra, e onde, para funções pouco exigentes e qualificadas, o mais recomendado era contratar alguém primo ou familiar de quem já lá estava. Como praticamente qualquer um servia, ficava garantido algum compromisso, quanto mais não fosse pela fidelidade a quem o tinha contratado.

Também se tornava prático. Em vez de procurar abertamente quem poderia melhor servir, bastava dizer “Ó António, não tens por acaso um primo ou sobrinho que queira ser aqui porteiro”. E o António tinha e arranjava.

Conforme a cultura, ou respetiva ausência, o nível do recrutamento endogâmico podia subir e, especialmente para entidades não solicitadas a concorrência, nem por ela ameaçadas, era prático generalizar o critério. Só vantagens. Por um lado, o António beneficiava de uma tribo de protetores devedores, prontos a retribuírem-lhe o favor. Por outro lado, era tudo boa gente, bem previsível e comportada, retirando da equação, naturalmente, competência, desempenho e respetivas consequências.

O trabalho de seleção era também muito simplificado e querer reduzir a carga de trabalho não há quem não queira…. Grande trabalheira seria ter que ir à procura de alguém pela competência. Ainda por cima, como dizia há uns anos atrás um especialista no tema: “Os independentes são muito imprevisíveis…”

Sobretudo nada de surpresas. Imaginem que aparecia alguém mesmo competente que ridicularizasse o desempenho da família instalada na corte… !?

Quando olho para a lista de representantes, nomeados e demais escolhidos para coisa pública ou para-pública e respetivo CV, fico com a muito forte impressão que é tudo muito coisa de primos e irmãos. Basta isso, para todos ficarem felizes e contentes… todos ? Depende do universo e da ambição.