02 novembro 2025

Temos guerra ?


Ali pelas dunas e beira-mar entre a Apúlia e A Ver-o-mar não faltam sinais destes, que algo me frustram, ao ver os caminhantes a disfrutar de belas vistas e eu resignado a pedalar pelo empedrado da estrada.

Certo que estes passadiços são estreitos, é efetivamente impossível serem partilhados entre caminhantes e "pedalantes" e, em geral, esse convívio nem sempre é pacifico, mesmo quando a largura é maior. Pela minha parte nessas situações a interpelação é mais “com licença”, seguida de “obrigado” do que cheguem para lá e deixem-me passar que vou a abrir. Talvez estes últimos se queiram vingar das tangentes ou dos “ganchos” que os automóveis lhes fazem na estrada, mostrando que naquela "selva" são eles os alfa ….

Seja por lazer, exercício ou para casa-trabalho a bicicleta é uma excelente opção em muitos contextos e agora com a banalização das elétricas os horizontes alargam. Não sei se falta regulamentação ou apenas informação sobre a mesma, mas que estes convívios podiam ser melhorados e mais civilizados, podiam. E, às vezes, nem são necessárias muitas leis e respetiva polícia quando o bom-senso e o respeito tomam o lugar devido.

01 novembro 2025

PS inseguro, positivo para Seguro


Assim como as criancinhas que são obrigadas a comer a sopa toda antes de poderem sair da mesa, a cúpula do PS também se viu obrigada a engolir a candidatura de AJ Seguro antes de poder avançar com a sua vida. Há algumas caretas e JL Carneiro até decretou tolerância de voto para quem se sentir especialmente agoniado com a ementa.

Não penso, no entanto, que tais hesitações no palácio do Rato sejam uma desvantagem para o candidato presidencial. No histórico PS haverá muita gente disponível para votar Seguro e que teria alguma rejeição se o visse apoiado entusiasta e convictamente por Augusto Santos Silva e outros mais dessa cepa. Ver essa fação a fazer caretas é fator positivo e credibilizador.

As autárquicas de Lisboa em que 2 + 2 deram 3 em vez de 5 ou sequer 4, provaram que a “Frente de esquerda” juntando PS e extrema-esquerda pré-eleitoralmente não tem coerência nem recolhe entusiasmos numa grande franja do eleitorado. Não é aí que o PS pode ir buscar "a força". Frentismo é uma especialidade dos comunistas, mas mais na base de domesticar e anular “aliados” do que alargar a base popular de apoio.

Em resumo, a candidatura de Seguro e o resultado que daí virá poderá provocar uma redefinição de forças e proporcionar uma regeneração do partido, já que internamente a partir da cúpula não parece viável. A democracia e o regime democrático agradeceriam. A ver vamos…

30 outubro 2025

Sobre o Estado Novo


O Estado Novo foi um longo período da nossa história recente e de cujo balanço não teremos muitos motivos para orgulho. Como convém que certas histórias não se repitam, não basta pronunciar um “vade retro Satanás” sem procurar ir a algum detalhe. Aliás, um dos grandes defeitos na “narrativa” oficial sobre a sua origem é desvalorizar a enorme responsabilidade da I República, cuja prática e “ética” (?!) estendeu o tapete vermelho para a chegada e aceitação de um regime autoritário.

O livro acima representado é uma excelente viagem por esses tempos, onde ano a ano se faz um resumo da conjuntura histórica, uma seleção de excertos de discursos e outros textos e uma nota de contextualização dos mesmos. Muito interessante e revelador de alguns matizes nos pensamentos e ações dos vários atores deste período histórico.

Confesso que para lá dos bem conhecidos males do regime, autoritarismo, repressão, política africana irrealista, há algo que me parece relevante assinalar. É a falta de real ambição para o país. O promover o “pequenino”, baixar expectativas, sucessos houve muitos, no passado. Tão gloriosos foram que nos contentamos por ter um presente cuja glória, pequena como convém a um regime que defende a frugalidade a todos os níveis, fica na memória desse passado. O importante é não estragar nada, o fundamental é manter a ordem e respeitar… o passado. Grandes e novos desafios para o futuro não parecem ser prioridade.

Certo que se pode referir as obras públicas que ficaram, um importante crescimento económico na sua fase final, mas o tom geral é o de um regime bolorento e tacanho na sua visão do país, não se frutando a meios para garantir essa “estabilidade”.

Curiosida uma citação de Humberto Delgado em 1933. “Que tristeza! Eu julgava o Parlamento uma assembleia de homens e fui deparar com uma súcia de garotos dizendo piadas de sol uns aos outros, num barulho indecente próprio de praça de touros ou de taberna.”.  Tão modernos estes antigos ou tão envelhecidos os atuais modernos… talvez que em 1933 a missão de “estabilização” das instituições ainda não estivesse suficientemente avançada.

24 outubro 2025

A rua da burca


Portugal legislou algo que implica a proibição da utilização da burca em espaços públicos e “naturalmente” é tema para muita discussão, opinião e polémica. Cruzaram-se várias dimensões. A primeira será a sua “estranheza” face à nossa realidade. Para viver numa dada sociedade é necessário respeitar um certo número de “códigos” e práticas, que fazem a harmonia social e com o qual essa sociedade se identifica.  Não é xenofobia! Cuspir para o chão, arrotar em público, atirar piropos a mulheres que passam na rua, andar em tronco nu ou atravessar a rua fora da passadeira são pequenas coisas naturais e aceites em certos contextos e proibidas ou no mínimo mal vistas noutros. A visão de uma mulher “embrulhada” na rua não pertence certamente à nossa paisagem social.

A outra dimensão é a confessional e eventual conflito com as crenças de cada um. Aqui o Parlamento pode estar a colocar a foice em seara alheia, mas, no fundo, a burca não é uma “necessidade” da prática religiosa. Na origem o Corão impõe a necessidade de a mulher se apresentar publicamente com recato, sendo que a definição de recato evoluiu. Ainda há poucas décadas, por estes lados, uma mulher não devia sair à rua sem cobrir o cabelo… isso evoluiu.

Em resumo, era do interesse do Islão e dos muçulmanos procurar alguma atualização e contextualização dos seus princípios para poderem viver em harmonia nas sociedades ocidentais atuais. A burca é um anacronismo que devia ser banido. Se devem ser os Parlamentos a promover essa evolução é outra questão, mas que está mais do que na hora de fazer algo, está!

21 outubro 2025

Não foi politico !?

 

Diz o Engenheiro ( ?) Carlos Moedas que o acidente no elevador da Glória se deveu a causas técnicas e não políticas. Fiquei baralhado. Efetivamente o cabo e os freios são componentes técnicos (ainda bem que não são políticos…).

Fui ler o relatório do GPIAAF (aqui). Efetivamente do que se sabe, para já, não se pode indicar que por trás da desgraça tenha estado uma ação ou diretiva política direta, do tipo extinguir/reestruturar um serviço ou redução de orçamento. As não conformidades que de uma forma ou outra ajudaram/proporcionaram este desfecho são mais do domínio passivo do que ativo.

Falhas nos procedimentos internos, ausência de supervisão por entidades externas e muita ligeireza. Fazia-se como sempre se fez, sem se pensar muito em avaliar se é preciso fazer diferente.

Mais do que o erro “administrativo” na aquisição do cabo e na não detecção do erro, chocaram outras coisas.

Toda a gente que quisesse saber sabia que os travões não travavam suficientemente para serem redundantes a uma rotura do cabo e… tenhamos esperança de que este nunca rompa. Ninguém sabia/sabe ao certo o peso real das cabinas! Cito: “Há também indícios de que o peso das cabinas aumentou de forma não negligenciável desde o momento da eletrificação, existindo indicações díspares quanto ao peso atual, consoante os documentos: 14, 18 e 19 toneladas, cujo valor exacto é desconhecido da CCFL”. Lê-se e não se acredita. Outros pequenos/grandes exemplos de irresponsabilidade e de vazios nos procedimentos não faltam.

Mesmo o mantra dos sindicatos, apontando de imediato como causa a externalização dos serviços de manutenção não cola. A empresa externa disponibilizava recursos básicos que eram supervisionados muito proximamente pelos experientes técnicos da casa.

 As responsabilidades políticas e de gestão estarão mais no que não fizeram do que no que eventualmente fizeram. Os responsáveis têm também a missão de questionar e promover as mudanças necessárias. Esta situação de passividade otimista… é da responsabilidade de alguém.


20 outubro 2025

O PS desgeringonçou… ?


Dois fatos recentes poderão eventualmente prenunciar que o PS poderá estar em fase de desgeringonçar…

O primeiro é o resultado das autárquicas em Lisboa. A frente da chamada esquerda somou menos do que a soma das partes. De facto, para as eleições autárquicas não há geringonças pós-eleitorais. Têm que ser assumido antes e a ficção de um alinhamento largo de “esquerda” entre o PS e os radicais à sua esquerda provou, para muitos eleitores, ser isso mesmo, uma ficção. Resta uma curiosidade: se em 2015 a geringonça fosse anunciada antes das eleições, os resultados seriam idênticos?

O segundo facto é o apoio manifestado à candidatura presidencial de António José Seguro. Uma decisão naturalmente lógica, mas o tempo que demorou, as posições de certos cortesões do Rato e a ambiguidade da “flexibilidade” no apoio tolerado deixam muita expetativa. Foi um apoio decidido assim como quem arranca um dente e a ver vamos como o PS no seu fundo vai digerir este dilema. Quem se vai impor? O “partido invisível” dentro do PS que abomina Seguro ou um outro PS mais popular (perto do povo) e genuíno?

A bem do nosso regime democrático e do papel que o PS aí pode e deve desempenar é relevante o resultado. Eu cá tenho a minha preferência…

17 outubro 2025

Paz? Talvez…


O processo atualmente em curso na Palestina merece ser saudado e parabenizados todos os que o proporcionaram. Não sabemos, naturalmente, se se a paz será duradoura, mas a libertação dos reféns, pelo menos dos vivos, esvazia os argumentos de Israel para continuar a massacrar a população de Gaza e abre numa nova fase.

Enquanto houver um grupo com vontade de se afirmar aos tiros e alguém que lhe dê as armas, a guerra continuará. Em Gaza não faltará gente com vontade de fazer falar as armas, independentemente se estão enquadrados numa estrutura Hamas, Hamas-bis ou mesmo sem estrutura.

No entanto, aquele território, por si, não tem condições para se armar sozinho. Haver ou não guerra depende mais do que vão fazer os apoiantes e financiadores externos da “causa”. Não sei até que ponto eles foram envolvidos e comprometidos no atual processo, mas o futuro e a paz em Gaza não serão decididos em Gaza.


Atualizado em 19/10 com publicação no Público


14 outubro 2025

O terceiro partido


Das 308 câmaras municipais, PS + PSD ganharam 264, cerca de 85%. Afinal o “bipartidarismo” não morreu? É diferente a dinâmica das autárquicas e mais complexa do que nas legislativas. Não há um candidato a líder de governo, há 308 candidatos a presidente de Câmara (sem falar aqui nas freguesias) e a eventual confiança ou rejeição que o líder de Lisboa provoca pode ser bem diferente da que o candidato local gera.

Duas curiosidades. Ricardo Leão em Loures foi quase um proscrito pela corte instalada no largo do Rato e limpou as eleições em Loures. Eduardo Teixeira, várias vezes candidato pelo PSD à câmara de Viana do Castelo e derrotado, não foi por aparecer em cartazes com André Ventura ao lado que convenceu mais os eleitores.

O que me parece também ser de assinalar é que a terceira força foram os “outros”, os independentes, apesar de não haver surpresas espetaculares ao nível de Rui Moreira quando ganhou pela primeira vez o Porto. Parece-me que uma grande parte destes “outros” são gente com carreira nos partidos que resolveram fazerem-se ao largo por conta própria. Não há verdadeiramente muita gente nova vinda da “sociedade civil” que se apresenta diretamente por conta e risco na política local. São os partidos a perderem a mão nas suas “tropas”, por boas ou más razões.

Os partidos estabelecidos há mais tempo têm um acervo de autarcas com notoriedade e provas dadas (melhores ou piores) que lhes dá mais resiliência e resistência à mudança, mas as lideranças partidárias tinham interesse em entender as causas profundas destas deserções e corrigir o que houver a corrigir enquanto houver tempo.

09 outubro 2025

Olhando o Islão (XI e final)


11) Quo vadis Islão

Como é óbvio, a larga maioria dos muçulmanos não são violentos e gostariam apenas de viver a sua religião em paz com eles e com o mundo, mas há um contexto problemático:

a)       Na sua génese, a religião, que simultaneamente cria um Estado, é muito regulamentar e algumas regras necessitam de revisão com as evoluções sociais

b)       A ausência de uma figura ou instituição globalmente reconhecida que lidere e contextualize e adapte as regras aos novos tempos

c)       A existência dos salafistas, sempre prontos a assinalar falta, a mobilizar as massas e a desafiar o poder cada vez que há um cheiro de mudança

Alguns exemplos simples

Há 14 séculos, uma mulher fazer-se sozinha à estrada de Meca para Medina corria sérios riscos de acabar mal. Nesse contexto, por essa razão, faria sentido decretar que uma mulher não devia viajar sozinha. Hoje, se essa regra for aplicada sem contextualização, acontece o seguinte. Uma muçulmana quer deslocar-se do Porto a Lisboa para encontrar amigos, visitar uma exposição ou assistir a um espetáculo e

·       Ou vai na mesma sozinha e não cumpre os preceitos da sua religião, problema de consciência

·       Ou é obrigada a arranjar uma companhia masculina, humilhante

·       Ou desiste de viajar, frustrante.

Não há saída digna, além de existirem vários outros pontos do Corão onde é explicitada a inferioridade da mulher face ao homem, o que não é destes tempos atuais.

Há 14 séculos a escravatura era algo de perfeitamente comum naquela sociedade (sim, não nasceu com os europeus no Atlântico, mas isso não é tema aqui). No Corão, há um conjunto de definições e regras relativas a este estatuto, perfeitamente natural e aceite na época. Quando uns séculos mais tarde, alguém diz que a escravatura deve ser abolida, isso vai encontrar resistência. Se no livro sagrado ela é permitida e regulamentada, com que direito vamos mudar isso? Entre os males e os bens da colonização europeia, é ela que irá forçar essa abolição. Na Mauritânia, ali abaixo de Marrocos, ela foi oficialmente abolida apenas em 1981. A prática parece ser outra coisa.

Qual a saída, não sei. Na Europa vivemos um processo de disrupção e da separação da Igreja das estruturas do Estado a partir do século XIX. Envolveu revoluções e algumas ações nem sempre razoáveis e justas, mas funcionou.

O Islão necessita de resolver dois problemas interligados. Um é a revisão/atualização de aspetos regulamentares anacrónicos e ter liderança reconhecida para isso. Uma referência a Marrocos. O rei, que é respeitado e reconhecido, é simultaneamente o “Comandante dos crentes”, o que permite alguma legitimação da legislação que toque aspetos religiosos.

O outro aspeto é o islamismo ou a religião usada como ferramenta política. Não tenhamos dúvidas. A larga maioria dos que buscam o poder, usarão todas as ferramentas disponíveis para alcançar os seus objetivos. Enquanto a alavanca da religião funcionar, não faltará quem a utilizará. Como se resolve isto e se anula… não sei !!

E lamento não poder concluir de forma mais assertiva.

Começou aqui ... e acabou.

08 outubro 2025

Inspirados por Sadat


A famosa flotilha de Gaza parece ter ajustado e apontado o calendário para chegar ao real destino, ponto de interseção, na data do Yom Kippur, o dia mais sagrado do judaísmo, algo equivalente ao Natal dos cristãos. Há um precedente. Em 1973 Anwar Al Sadat, presidente do Egito, lançou a última guerra do seu país contra Israel nesta data e estes, mal informados ou com excesso de confiança, decidiram não “estragar” os festejos dos seus soldados em larga escala e sofreram um rude golpe inicial.

No final o Egito perdeu a guerra, mas de forma mais honrada do que a da humilhação da anterior guerra dos seis dias. Na altura era uma guerra de soldados e de tanques. Não de bombardeamentos a civis nem de pseudo-hospitais como bases militares

Em 1977 Sadat visitava Israel, houve os acordos de Camp David em 1978 e finalmente o tratado de paz em 1979. Foi o primeiro passo para a pacificação entre as várias nações da região, chegando posteriormente mesmo à OLP de Arafat em Oslo, em 1993.

Em 1981 Sadat morre assassinado por jihadistas que não lhe perdoaram a paz. Yitzhak Rabin também pagaria com a vida a sua opção pela paz.

Se alguém pensou em Sadat e no Yom Kippur de 1973, será importante que pense também no que se seguiu. Os herdeiros dos assassinos de Sadat e de Rabin não devem ser desculpados, tolerados … nem financiados. 

06 outubro 2025

Funda, mas não sangra

Há uns anos, numa praia, assisti a uma cena algo caricata. Uma criança tinha-se ferido num dedo e, desatado o berreiro, lá veio a comitiva de mamã e titis para averiguar e ajudar. Ouvi um diálogo curioso:

- Ai que golpe tão profundo que fizeste!

Alguém questionava: - E sangra?

Sendo a resposta: - Não sangra, mas é muito fundo!!

Lembrei-me disto a propósito de os ativistas da flotilha libertados se queixarem de ter havido espancamentos. Ora bem, um espancamento deixa sinais, nomeadamente, pelo menos, uma nodoazita negra. Se existisse um ativista assim marcado, já a imagem teria corrido este mundo e o outro. Terá sido assim tipo ferida funda, mas que não sangra. Digamos que para quem considera Israel um Estado assassino, até podem considerar que regressaram bem de saúde e em aparente boa forma.

Afirmações que estão ao mesmo nível das afirmações da ativista Ana Alcade, a “Barbie Gaza”, segundo a qual o Hamas não violou mulheres israelitas durante o ataque do 7 de outubro. Tudo gente séria.

Espero um dia saber donde vieram os fundos para esta viagem…

05 outubro 2025

Viva a República ?

 Certamente que o modelo republicano, em que o chefe de Estado é eleito pelo povo, é potencialmente mais justo do que uma transição hereditária, se bem que podemos sempre ter uns eleitos totós e uns príncipes finos.  A república não é por si garantia de um regime justo e de pleno direito. Não compro a suposta supremacia da “ética republicana”. Num ranking de mérito ético, tenho dificuldade em colocar François Miterrand à frente de Isabel II, por exemplo. Não faltam monarquias com sociedades livres e justas e repúblicas ditatoriais e repressivas. Não é o modelo que tudo resolve.

Quanto a Portugal, entendo que a verdadeira revolução disruptiva foi a de 1820, que abriu caminho ao esvaziamento do poder “divino” e da arbitrariedade dos monarcas. Em 1910, matar o rei para proclamar uma república incompetente e violenta, que falhou completamente e que abriu a porta ao estabelecimento do Estado Novo, desculpem, mas não a valorizo muito…

04 outubro 2025

O comércio das boas causas

Há uma coisa que me repugna fortemente. É ver evocada uma boa causa, justa e solidária, quando a agenda e os objetivos reais são outros. É o caso desta famosa flotilha e da sua suposta missão humanitária. É evidente que se o objetivo fosse mesmo humanitário, as ações teriam sido outras. Qual o sentido de enviar uns barquitos ao longo de toooodo o Mediterrâneo, sabendo obviamente que nunca lá iriam chegar?  Também ainda estamos para ver qual a natureza e dimensão dessa ajuda embarcada.

O objetivo era chegar onde chegaram. Publicitar e sensibilizar a opinião pública para a guerra de Gaza. Têm todo o direito de o fazer, mas chamem os bois pelos nomes. Já agora, atirar os telefones para o mar… porquê? Que segredos continham? O caricato de mandar borda-fora as facas da manteiga também não se entende, mas não serão tão nocivas para o ambiente.

Fico na expetativa de ver uma nova flotilha organizada na direção da Crimeia, ilegalmente ocupada, para protestar contras as atrocidades cometidas pelos russos na Ucrânia… mas não a iremos ver. Não estaria alinhada com a agenda políticas destes ativistas e, se de lá se aproximassem, a abordagem e o tratamento recebido seria certamente bastante mais violento do que o agora aplicado pelos malvados israelitas.

03 outubro 2025

Olhando o Islão (X)


10) Os petrodólares

Após o fim do califado, deixou de existir um líder global do mundo muçulmano. Tentativas de ocupar o lugar não faltaram. Gamal Nasser, a partir do Egito, sonhou com um “pan-arabismo” que voltasse a reunir todos aqueles povos. O rei Hussein da Jordânia, invocando que a sua ascendência chegava a Maomé, também com isso sonhou. Penso que terá sido por essa ambição que a Jordânia permaneceu na Cisjordânia, após a guerra da independência de Israel, orgulhosamente controlando o Jerusalém histórico e impedindo a formação na altura do tal Estado Palestiniano, de que tanto se tem falado depois.

No centro da península arábica, entretanto tornada saudita, estão os locais originais da religião. Meca, a Meca, e Medina, a cidade de onde a expansão começou e onde está sepultado Maomé. Os sauditas têm pretensões a exercerem algum tipo de liderança sobre toda a comunidade muçulmana.

Após a guerra do Yom Kippur de 1973 e do choque petrolífero, as receitas do ouro negro disparam. Os sauditas estão ricos e têm os meios de tentar concretizar as suas pretensões. Como habitualmente compram tudo feito, vão imprimir a cartilhas da Irmandade Muçulmana, que não anda muito longe do seu credo rigoroso wahabita, vão construir escolas/madraças e pagar professores/imanes para isso ensinaram.

Portanto... temos um terreno fértil que são as desilusões pós-independências; temos as sementes na ideologia salafista e acrescenta-se a irrigação com os petrodólares. Estão criadas as condições para o desabrochar das radicalizações.

Convém referir que as relações da Irmandade com as monarquias do golfo, não são continuamente estáveis. Há alturas em que o poder sente que ela tem demasiada influência e ambição, os ameaçam e zangam-se. Neste momento com o Qatar está tudo bem e com os sauditas está tudo mal… amanhã, logo se vê.

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02 outubro 2025

Entre a vida e o evangelho

Ernest Renan foi uma das grandes figuras da filosofia e teologia do século XIX. Não diria dos mais relevantes porque a minha bagagem no domínio não chega para estabelecer superlativos. De todas as formas, vale a pena ler o que ele escreveu.

O livro acima representado, “Vida de Jesus” é uma visão de historiador, a partir da análise crítica dos evangelhos e de outras fontes contemporâneas, procurando estruturar e descrever a vida de um dos personagens mais marcantes da história da humanidade.

Uns séculos antes, o livro estaria na fogueira e o seu autor provavelmente também. Isto porque a realidade eventualmente não coincide com o que os cânones oficiais em concílios posteriores consagraram.

Acho que o livro é potencialmente mais disruptivo e polémico para os crentes do que, por exemplo, o cá famoso livro de J. Saramago, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Por muito provocativo que seja, este é um livro de ficção e porque, desculpem lá alguns, Saramago põe uma narrativa diferente da oficial na boca de Cristo, mas, de certa forma, não belisca o seu estatuto divino. É divino, na mesma, mas de forma diferente.

O livro de Renan é científico e cru. Ele humaniza Cristo, mas isso acaba, por efeito colateral, por desumanizar a religião. Acredito que toda a religião, e respetiva fé, necessitam de uma dimensão “fantástica” e algo para lá da racionalidade objetiva. O livro desmonta uma boa parte dessa “fantasia” …

A génese das religiões, e especialmente com a dimensão que esta irá alcançar, é um tema fascinante. Apesar da minha reduzida bagagem, parece-me que este livro será... obrigatório. Fica feito o aviso aos crentes.

 

 

01 outubro 2025

Olhando o Islão (IX)


9) O pós-colonialismo

Após o final do império Otomano, a região vai desmembrar-se em vários Estados, mais ou menos homogéneos, mais ou menos patrocinados pelo Ocidente. Já em 1916 o acordo Sykes-Picot (UK – França) definia a futura repartição da herança Otomana entre os dois países. Grosso modo Damasco para os Franceses e Bagdad para os britânicos… mais uns trocos.

A colonização europeia do Médio Oriente será efetiva apenas entre as duas guerras. No final da II, as independências chegam, incluindo para o Norte de África. Este novo estatuto é saudado e gerador de muitas expetativas. Agora que somos nós que mandamos em nós, sem interferenciais culturais e religiosas externas… agora é que vai ser!

Uma geração depois torna-se óbvio que não foi grande o sucesso. Não é aqui o espaço para desenvolver a análise das razões, mas o facto é que os resultados são dececionantes.

Os novos regimes, muitos deles autoritários e com forte dominância de uniformes militares, são muçulmanos, naturalmente, mas “non troppo”. Do ponto de vista social e especialmente do estatuto da mulher são até mais tolerantes do que se verá mais tarde.

À vista do que corre mal, virão os salafistas dizer “isto corre mal porque os nossos dirigentes não são muçulmanos rigorosos, como deveriam ser”. Este desafio vai correr mal para muitos, ver acima Nasser e Qutb.

Esta pressão política religiosa terá como resposta um maior rigor nas práticas, buscando assim os regimes protegerem-se contra as acusações de serem “fracos muçulmanos”. Em sentido contrário, claramente, a todas as tentativas de modernização.

Um pequeno exemplo. Após a independência a Argélia mantém o fim de semana ocidental, sábado e domingo; em 1976 sobre a pressão islâmica passam a quinta-sexta-feira; em 2009, por pressões de competitividade num mundo, apesar de tudo mais globalizado, passaram a um meio termo de sexta-feira e sábado. Um bom exemplo destas evoluções e involuções.

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29 setembro 2025

Um filme para os generais (e não só)

 

Não faltam relatos, documentários e produções mais ou menos hollywoodescas sobre tragédias, misérias, covardias e heroísmos em cenários de guerra. Este livro vai muito para lá disso. Aliás, parece que as adaptações cinematográficas, mesmo uma recente de 2022, não conseguem atingir a profundidade e sensibilidade da narrativa escrita.

Como pano de fundo, temos a I Grande Guerra. Se todas as guerras podem ser consideradas estúpidas, esta, na minha opinião, consegue uma espécie de recorde de absurdo. Começou sem grande causa, como se fosse anunciada uma partida de póquer e todos decidem ir a jogo, um “jogo” em que milhares de soldados são chacinados, vítimas de estratégias impotentes, quando por vezes estava simplesmente em causa avançar umas centenas de metros, que se voltavam a perder rapidamente.

O livro em causa faz-nos “viver” várias dimensões da brutalidade, desumanidade e das feridas dilacerantes, físicas e psicológicas, sofridas por uma geração arrancada a uma juventude e ao que tinha direito. Brutalidade insana, deste a linha da frente às enfermarias de retaguarda. Uma deriva lenta e irreversível para outro mundo com outros códigos e valores e um conflito interno nessa transição. Mesmo antes de morrer, os jovens soldados já se vêm de certa forma mortos e estranhos ao mundo de onde saíram e onde, mesmo que improvavelmente sobrevivam, nunca mais poderão regressar. Há valores humanos ameaçados, mas não propriamente heróis.

É um livro pleno de interrogações que deviam ser dirigidas e respondidas por todos os fazedores de guerras. Lido, merece ser lido por todos.


28 setembro 2025

Olhando o Islão (VIII)


8) Chega o salafismo

Quando os otomanos perceberam que estavam a entrar em decadência, nomeadamente face a uma Europa “Iluminada”, eles vão tentar adotar as modas e as técnicas que os poderão ajudar a não ficar para trás. São ricos, compram os frutos, mas não plantam as árvores. Nas causas, múltiplas, da decadência do império otomano, creio existir fundamentalmente um défice na geração de conhecimento e, também, um esquema de enriquecimento piramidal. Novas conquistas para alimentar as anteriores. Quando o ciclo para…

Nas cinzas da derrota, Mustafa Kamel Atartuk cria um novo Estado, Turquia, muçulmano é certo, mas onde a religião não entra em escola, tribunal ou parlamento…

Do lado oposto da barricada, há quem pense de outra forma. No passado, éramos poderosos e bem-sucedidos; quando nos afastamos dessa pureza original e tentamos copiar os infiéis, pioramos. A solução passa por “ò tempo volta para trás” … voltar a viver como o profeta Maomé vivia… isto é o salafismo, voltar às origens.

Dentro desta movida, vai ser, e é hoje ainda, muito relevante a Irmandade Muçulmana. Criada em 1928 no Egito por Hassan Al Banna. Ela vai desenvolver e concretizar essa doutrina de… O Islão é a solução; é preciso islamizar o individuo e a sociedade, é preciso lutar por isso, se a lutar tiver que ser violenta, que seja, se se morrer nessa luta, está certo.

Al Banna acreditava na pureza do rigor religioso, com uma profunda rejeição da cultura ocidental. No mundo árabe, eles serão durante um século também uma força política de oposição aos regimes pós-coloniais, não suficientemente islâmicos no seu ponto de vista. Essa ameaça leva-os a serem perseguidos e Nasser, no seu Egipto natal, não hesita em condenar e executar Qutb, um dos principais teóricos e ativista do movimento.

Um século depois, é curioso fazer um ponto de situação e dos seus aderentes, presentes.

Sudão - o criminoso Omar Al Bashid de toda a barbaridade no Darfur

Marrocos - o partido PJD, grande vencedor das eleições de 2011 após as “primaveras”

Tunísia – Ennahda no governo após eleições pós “primaveras”

Egito – Mohamed Morsi, eleito presidente após “primaveras”

Turquia – Erdogan, partido AKP ? (não confirmo nem desminto)

Arábia Saudita e Qatar --- tem dias

Palestina - Hamas

França – Muçulmanos de França (ex UOIF)

Se bem que depois das “Primaveras” o movimento tenha tido bastante sucesso democrático, a prática ficou longe das expetativas e a seguir viram o seu poder institucional diminuir.

Sobre a Europa, de notar que as comunidades muçulmanas emigradas tendem a ficar agrupadas (e agarradas) à origem … os marroquinos de um lado, os argelinos de outro, depois os turcos, etc.

Tarik Ramadan, neto do fundador Hassan al Banna, foi uma figura muito popular deste movimento em França por apresentar um discurso diferente, especialmente dirigido aos jovens. Vocês são franceses e, simultaneamente, muçulmanos e devem poder viver plenamente a vossa religião no vosso país. Esta mensagem tem duas leituras. Por um lado, uma mensagem de integração, por outro lado, as instituições francesas devem-se adaptar para vos permitir viver a vossa religião sem limitações. Em todas as polémicas sobre o uso/proibição do véu, presença de presépios de Natal em espaço público, burkinis nas piscinas, etc, há a assinatura e uma intervenção muito ativa deste movimento. De há uns anos para cá, Tarik Ramadan caiu em desgraça e risco judicial, devido a umas relações extraconjugais não consentidas…

Sendo a cartilha fundadora da Irmandade fortemente salafista, mesmo sem descartar a violência, os discursos externos atuais são bastante mais macios, mas há testemunhos de dissidentes que apontam para importantes discrepâncias entre as convicções internas e as mensagens públicas. O tema é tão potencialmente sensível que o ministério do Interior francês se deu ao trabalho de realizar um estudo específico sobre as formas dissimulados como os islamistas tentam subverter valores fundamentais da república. Ver aqui.

Uma curiosidade. Em 2003, N. Sarkosy cria o CFCM (Conselho Francês do Culto Muçulmano), uma associação supostamente representativa do Islão no país, com a qual o poder político pudesse reunir, discutir e tomar decisões relativamente à tal adaptação da sociedade e das instituições à religião. As disputas internas pelo poder foram mais fortes do que as ações concretas desenvolvidas, nunca conseguiu grande peso e hoje existe, mas em estado vegetativo.

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Noticias da flotilha


Quatro semanas passadas, sendo duas a duração anunciada da viagem de Barcelona a Gaza, atualizo a informação.

Depois de Barcelona, Barcelona, Menorca, Túnis e Bizerte, Portopalo (sul da Sicila), pararam em Kufounisi (pequena ilha ao sul de Creta). Parece que o “Family” navio almirante, por aí ficou. A flotilha, aparentemente agora liderada pelo Alma Explorer navega para sudeste e não irá para Chipre, como sugeriu o governo italiano.

Quanto à composição da flotilha e dos navios que aparecem a navegar em conjunto, nunca vi mais de 8 a 10 e, nesta altura, com a paragem do Family estarão pelos 8, os da imagem, um pouco longe dos anunciados 50…

25 setembro 2025

Reconhecimento, ficções e realidades




Por estes dias, Portugal e mais alguns países reconheceram o Estado da Palestina. Parece ser principalmente um sinal para Israel pelo que se passa em Gaza. Independentemente da justeza e da necessidade de pressionar Israel, pode-se questionar se é eficaz e se faz sentido. Em primeiro lugar, hoje há duas palestinas. A Cisjordânia, governada pela Fatah, com Mahmoud Abbas eleito presidente em 2004, depois não houve mais eleições, e Gaza controlada pelo Hamas, um movimento, no mínimo, pouco civilizado e democrático…

Fui reconhecida qual delas? As duas em conjunto é um pouco do campo ficcional, dado o afastamento e o antagonismo entre os dois movimentos. Uma certa lógica institucional diria que, apesar do tudo, foi reconhecida a Cisjordânia, mas isso não mudaria grande coisa em Gaza, controlada pelo Hamas, com o histórico conhecido. Como se pretende que fique Gaza depois disto? Esta indefinição num passo tão relevante como este é algo caricata.

Se se trata de pôr em prática boas intenções, plenamente justas, acrescento duas sugestões. A primeira é promover e reconhecer um Curdistão, uma pátria para os Curdos, que várias vezes mostraram uma boa capacidade de se organizarem e governarem, até serem fatalmente esmagados por um vizinho poderoso.

A segunda é reconhecer Taiwan, que tem definição, organização e instituições dignas de um verdadeiro Estado, sem a mais pequena sombra dúvida. A menos que a ideia é ser firme contra os erros das democracias e tolerante face às arrogâncias das ditaduras.

Atualizado a 26/9 com recorte da publicação no Público.

22 setembro 2025

Olhando o Islão (VII)


7) Quando o califado acaba

 Depois das conturbações iniciais, chegou a dinastia dos Omíadas de Damasco em 661, substituídos depois pelos Abássidas de Bagdad em 750. Nesta transição há um omíada refugiado em Córdova que a autonomiza inicialmente em emirato em 756, posteriormente evoluindo para califado em 929

Entre 910 e 1171, aparece no norte de África e no Egito um califado opositor xiita, os fatímidas, conforme o nome da filha de Maomé.

Entre 1261 e 1517, formalmente o califado continua Abássida, mas o poder efetivo está nos sultões Mamelucos do Cairo.

Em Marrocos houve dois califados secundários. O Almorávida entre 1038 e 1147 e os Almóadas entre 1145 e 1269. Ambos vieram dar uma ajuda aos muçulmanos da Península Ibérica, sendo contra estes últimos que decorreu a reconquista final do Algarve e de quase toda a Andaluzia, exceto Granada.

Em 1517, o poder passa para os Otomanos, que serão poderosíssimos, controlando todo o Mediterrâneo oriental e o norte de África, chegando a ameaçar a Europa central, mesmo Viena. A tristemente famosa batalha de Alcácer Quibir tem algo a ver com isto, nomeadamente com a disputa pelo acesso dos Otomanos ao Atlântico.

O califado/império otomano vai entrar em decadência, tema para muitas reflexões e especulações, e extingue-se após a criação do Estado da Turquia após o final da I Grande Guerra.

Durante todos estes séculos, todo o muçulmano teve o seu califa, sucessor de Maomé, mesmo que não coincidente para toda a comunidade. Este período, após a I guerra, é um choque enorme. Os otomanos estiveram do lado dos derrotados, o império colapsa e, para cúmulo, desaparece a figura do califa. Há uma derrocada e uma falência…

Como vai reagir o mundo muçulmano a este descalabro…?

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21 setembro 2025

Continua a não estar fácil


Três semanas passadas, sendo duas a duração anunciada da viagem de Barcelona a Gaza, e face a alguma falta de informação sobre a evolução da flotilha, tento informar…

Depois de Barcelona, Barcelona, Menorca, Túnis e Bizerte, houve uma estadia no sul da Sicília, em Portopalo. Aparentemente, entretanto, parece que o “Family”  (teoricamente apontado para Barcelona...) zarpou para leste. A última atualização que encontro nos sites habituais, indicam que estará ancorado algures entre a Sicília e Creta.                     

Como simples sugestão minha, poderão ainda ancorar em Creta e a seguir em Chipre, antes que a preciosa ajuda humanitária possa tentar, finalmente, chegar a Gaza…

20 setembro 2025

Pela candeeira


Perto do Redondo, mais ou menos a meio caminho entre passados largos domínios de monges paulistas da serra da Ossa, e os principais locais de veneração do deus Endovélico, o meu cavalo descansa (no canto da imagem…).

 E tem razão, porque logo ali ao lado não falta água !



19 setembro 2025

Olhando o Islão (VI)


 6) O califado, a continuação do Estado Islâmico

Maomé morre em 632, líder religioso e político, sem deixar definida a organização posterior da religião e sua administração. Não quis, não pode, não o deixaram… não se sabe!

Começa uma disputa pela respetiva herança que não é apenas a liderança espiritual. Há duas fações principais. Por um lado, os defensores da primazia da tradição (suna em árabe), apontando Aboubakr, um dos companheiros de primeira hora; por outro lado os defensores de uma linha familiar próxima, neste caso apontando a Ali, seu primo e genro, casado com a sua filha Fátima. São os xiitas, os seguidores de Ali.

A escolha inicial fica com Aboubakr como califa, literalmente o sucessor, o que vem depois, cuja principal tarefa inicial serão as guerras da apostasia. Guerrear para manter convertidas as tribos que se queriam desvincular após a morte de Maomé. Os tempos são conturbados e dos quatro primeiros califas, três morreram assassinados, até entrar em cena a primeira dinastia, os Omíadas de Damasco.

Apesar das descontinuidades dinásticas e dos califados “paralelos”, como os fatímidas no Egito ou aqui em Córdova, o princípio é existir um único sucessor de Maomé que concentra todos os poderes e lidera todos os muçulmanos. Isto traz alguns problemas.

O primeiro é a dificuldade no posterior desmembramento do califado único em vários Estados-Nação que ficam decapitados da liderança religiosa. Outra é a falta de uma estrutura hierárquica religiosa autónoma.

Como comparação e ilustração, a religião cristã tem padres, bispos, cardeais e papa, que ao longo da história tiveram problemas e interferência dos poderes temporais, é certo, mas que se mantiveram como estrutura intrinsecamente independente. Quando foi precisar decidir e atualizar princípios e práticas, houve concílios que o discutiram e decidiram. Quando amanhã se quiser decidir terminar o celibato dos padres ou a ordenação das mulheres, há um sítio para o tratar.

No islão sunita, isso não existe e daí a enorme dificuldade em consensualizar a adaptação da prática religião às novas realidades e resolver questões anacrónicas, como exemplo o estatuto da mulher.

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18 setembro 2025

Os argumentos e as balas


 "Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo”. Esta frase é muitas vezes atribuída erradamente a Voltaire, mas a sua pertinência e mérito são independentes da respetiva origem.

Certamente que não concordo com muito do que Charles Kirk afirmava. Vi alguns filmes dos seus debates com estudantes, ignoro se completamente representativos e notei o seguinte. Ninguém estava ali obrigado, ele tinha respostas e perguntas provocatórias, mas não agressivas, não o vi insultar os seus interlocutores, mesmo quando eles assumiam posturas arrogantes. Vi-o questionar ideias e, em muitos casos, demonstrar incoerências. Repito que não posso afirmar que fosse sempre assim, mas o tom dos debates era idêntico em todos que vi…

Penso que uma boa parte do ódio que recebia não seria pelas “ideias” em si, mas pela sua capacidade argumentativa com que muitas vezes “destruía” discursos e “sagrados”…

Que tenha sido assassinado é grave, mas, mais grave é que se vê de júbilo pela sua morte. “um bom fascista é um fascista morto”; de absurdas supostas reciprocidades “quem com ferros mata…”, quando ele não agrediu sequer ninguém e de comparações absolutamente desproporcionais com ditadores assassinos…

Que haja quem assim pense e o assuma é muitíssimo grave. Quando se começa a combater ideias com balas, sabe-se como começa, mas não se sabe como acaba…

14 setembro 2025

Olhando o Islão (V)


5) A construção do Estado Islâmico

Esta fase de expansão (e uma boa parte das seguintes) é feita pela espada, diferente de pelo menos os 3 séculos iniciais do cristianismo. Este nasce e expande-se em contrapoder. Cristo não empunha armas, não conduz exército nem administra territórios. É de realçar que o cristianismo encontra um poder, o império Romano, muito forte, sendo assim possível o contrapoder também ser forte.

Na península Arábica não há Estado. Principalmente na zona central da península há uma tradição de tribos autónomas e as cidades são algo recentes. A expansão do Islão é feita simultaneamente com a construção do Estado. Maomé é líder religioso e político (e militar).

No texto aqui, desenvolvo a minha visão das quatro dimensões nas interações da religião com a sociedade. Não o vou repetir na integra, mas sugiro a leitura. Muito resumidamente: a espiritual, original, a relação do ser humano com a transcendência; a comunitária, como característica identitária de um grupo; a regulamentar, com as regras do bem-fazer a irem para lá da dimensão espiritual e da prática religiosa, finalmente, a da manipulação, quando o poder decreta, interpreta ou manipula as regras para seu benefício próprio exclusivo.

A concentração de todos os poderes numa única pessoa é um fator potenciador da manipulação. Hoje na Arábia Saudita e nos Emiratos Árabes, pelo menos nestes, a apostasia, abandonar a religião, é punível com pena de morte. Perdão?? Isto parece mais castigo por deserção, não? A explicação é a seguinte. Aboubakr, o primeiro califa, sucessor de Maomé após a morte deste, tem dificuldades em se impor (detalhes mais à frente). Algumas tribos declaram que com Maomé tinham aliança, mas que ela se extingue com a sua morte… Aboubakr lembra-se que Maomé terá dito: “Muçulmano uma vez, muçulmano para toda a vida; filho de muçulmano, muçulmano será e muçulmano que o deixa de ser, morte”, criminalizando assim a apostasia.

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Não está fácil


Depois de ter saído há 2 semanas de Barcelona, para uma viagem de 2 semanas até Gaza e 2 semanas passadas, o histórico do navio principal da flotilha, “Family”, é: voltou a Barcelona, esteve em Menorca, esteve ao largo de Tunes e agora está há uns dias acostado em Bizerte, conforme mostra o site de seguimento de navios. Na imagem satélite, a zona turística contígua parece simpática.

Esperemos que os mantimentos transportados tenham prazo de validade suficientemente longo…

Ligeireza ou má-fé

 

Penso ser absolutamente evidente para quem intervém no espaço público que a preocupação com o rigor fatual do que se diz/escreve é diretamente proporcional à qualidade da intervenção, além de uma certa irreversibilidade, uma vez publicado, jamais completamente apagado.

Hoje, com escassos segundos num motor de busca pode-se esclarecer, detalhar e precisar “tudo”, haja vontade. Neste meu espaço, que não tem a dimensão nem a responsabilidade do de um partido político, é muito frequente por trás da janela de edição de texto, estar simultaneamente aberta a de um motor de pesquisa, para confirmar qualquer ponto em dúvida.

Tudo isto vem a propósito dos propósitos do senhor da imagem sobre a viagem do nosso PR a um festival de hambúrgueres. Se a viagem lhe “cheirava” a despropositada, só tinha que se ir informar, até para fazer uma intervenção mais esclarecida e eficaz. Se não se lembrou de o fazer, é incompetente; se achou que era irrelevante confirmar, o importante era fazer fogo, não é sério…

Quando foi confrontado com o caricato da sua figura, ainda conseguiu atirar a culpa para a falta de um trema e que se não era por esta, era pelas outras, dado que o PR tinha feito 1500 viagens. Mais uma em que não foi ao Google, parece que o número real tem um zero a menos…

Se se propõe limpar Portugal, pode começar por limpar do seu mapa estas faltas de honestidade intelectual…. É uma vergonha, senhor deputado.


12 setembro 2025

Olhando o Islão (IV)


4) A hégira e a dimensão bélica

Maomé começa a pregar a “nova” religião e o Deus único em Meca em 613.  Como é natural estes “novos” movimentos criam sempre alguma instabilidade social e em geral não são bem aceites pelos poderes instituídos, que os vêm como um desafio ao seu estatuto.

Durante algum tempo Maomé beneficia de proteção no xadrez tribal de Meca, mas acaba por a perder e ficar exposto e em perigo. Assim em 622 ele e os seus companheiros fogem para a cidade de Medina. É a Hégira (fuga) e marca o início do calendário muçulmano. O nosso 2025 não corresponde, no entanto, a 1403 (2025-622) mas sim a 1447, dado o tempo islâmico ser contado em ciclos lunares, que não dividem perfeitamente o ciclo solar. Todos os anos ficam a faltar cerca de 11 dias. As festas religiosas islâmicas e as datas em geral deslizam ao longo do ano solar.

Numa primeira fase, Maomé alia-se aos habitantes de Medina e instala-se uma guerra aberta entre as duas cidades. Na guerra há mortos, feridos, saques, prisoneiros, covardias, heroísmo e muitas coisas mais. O Corão revelado durante esta fase de Medina tem uma pendente beligerante muito forte. Vai servir de base e inspiração aos jihadistas de todos os tempos.

Os atritos com os judeus de Medina acumulam-se, dada a relutância destes em aceitarem a conversão. Em 624 a tribo judaica de Medina, os Banû Qurayza, é “julgada” e exterminada por se ter recusado a participar na batalha da Trincheira. Na base da condenação, o facto de serem traidores potenciais. Nada fizeram, mas supostamente estariam preparados para fazer. Todos os homens são executados, mulheres e crianças escravizadas.

É no mesmo ano que a direção das preces é mudada de Jerusalém para Meca.

Os capítulos do Corão, suras, revelados nesta fase de Medina incluem uma dimensão bélica e de vingança contra os infiéis de Meca, com apelos diretos à guerra e morte. Alguns exemplos:

Corão 2.191 – E matai-os, onde quer que os acheis, e fazei-os sair de onde quer que vos façam sair. E a sedição pela idolatria é pior do que o morticínio. E não os combateis nas imediações da Mesquita Sagrada, até que eles vos combatam nela…

Corão 9.5 -   Mas quanto os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho.

A guerra corre de feição a Maomé e Meca é conquistada pelos muçulmanos em 630. Em 632 Maomé morre controlando já a totalidade da península arábica.

Todos estes fatos têm que ser analisados face ao local e ao tempo onde ocorreram, mas é inquestionável que o apelo à morte dos infiéis existe bem explícito no Corão.

Quando face a algumas barbaridades atuais ouço dizer que “Isto não tem nada a ver com o Islão, o Islão é uma religião de paz e amor”, fico a pensar. Ou quem o declara não sabe o que diz e devia abster-se de o dizer assim em palco, ou sabe e é mais grave. Enganar infiéis não é “pecado”. Os jihadistas ao ouvirem afirmações destas, por parte de quem sabe o que está a dizer, podem interpretá-lo como uma validação indireta dos seus atos violentos.

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Um Escárrio


A nomeação de Vítor Escária para diretor do ISG parece noticia de 1 de abril, dia dos enganos. Certo que ele ainda não foi condenado a nada, mas que cidadão integro e transparente esconde milhares de euros no seu local de trabalho, já não referindo a falta de respeito pelo local específico onde isso ocorreu.

Uma instituição de ensino superior deverá ter superiores exigências quanto à sua reputação e credibilidade, coisa que não está aqui evidente, a menos que o objetivo seja transformar a mesma em Instituto Superior de Gestão do Lóbi, com especialidade em gestão de dinheiro vivo. Será que o Pagamento ao novo diretor também circulará transportado em caixas de vinho. Qual o valor de Vítor Escária? O seu silêncio?

Estou a imaginar uma pergunta de um teste elaborado pelo Doutor Escária no seu domínio de especialidade: “Indique e justifique as situações em que é vantajoso manter dinheiro vivo escondido”. Fico muito curioso em conhecer as eventuais respostas.

Tudo isto cheira tão mal, que até dá vómitos.



Atualizado em 14/9 com o recorte da publicação no "Público". Sendo curiosamente retirada a interrogação quanto ao valor de Vitor Escária estar eventualmente no seu silêncio...!

11 setembro 2025

Olhando o Islão (III)


3) Diferenças entre as três religiões do “Livro”

O Islão e o Cristianismo partilham os mesmos alicerces, o Judaísmo, mas o contexto em que se desenvolvem e a personalidade dos seus profetas principais dão origem a dois edifícios muito distintos.  O que é que os distingue, para lá do dia santo judeu ser sábado, dos cristãos domingo e dos muçulmanos sexta-feira?

A Bíblia e a Tora são também livros sagrados para o Islão, mas supostamente incompletos, e os muçulmanos deverão evitar a sua leitura, para não se baralharem.

Na primeira fase, o Islão tem Jerusalém como cidade-farol, como as outras duas religiões. Jerusalém é a “Meca” inicial, para onde são dirigidas as preces. Só mais tarde mudará para Meca, Meca. O carácter sagrado de Jerusalém para os muçulmanos é devido precisamente a estas raízes comuns. Supostamente Maomé foi uma vez teletransportado para lá e daí, de onde é hoje a cúpula do rochedo, onde Abrão terá sacrificado o carneiro, subiu em visita ao Céu…

Para um muçulmano, ser cristão é sofrer de uma espécie de deficiência, atraso… porque ficar numa religião mais antiga, se existe outra, mais recente e mais completa? É mesmo assim?  O Islão engloba todos os princípios do cristianismo e acrescenta algo, espiritualmente falando? Para mim, objetivamente, não.

Convém recordar que apesar da base judaica do Cristianismo, ele vai metamorfosear-se para uma postura de tolerância, perdão e humanismo. “Todo o homem é meu irmão”; “Oferecer a outra face…” e, muito relevante, o “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”. Nada disto passou para o islamismo, que se mantém no rigor castigador do Deus impiedoso do Antigo Testamento.

Há mesmo uma passagem explicita, no Corão. Numa família judaica de Meca é identificado um caso de adultério. Conforme os códigos em vigor, o castigo será a delapidação da mulher. A família, no entanto, com pouca vontade de o aplicar e sabendo que há uma evolução da sua religião em que a mulher pode ser perdoada, faz questionar Maomé, na esperança de que uma conversão possa salvar a senhora. Infelizmente, para ela, Maomé confirma que no Islão esse código se mantém em vigor.

Quando se tentam mostrar as diferenças entre o Islão e as outras duas religiões do livro, evoca-se principalmente o episódio de Abrão, do sacrifício do filho e a troca pelo carneiro. Nas duas primeiras o filho é Isaque e no Corão é Ismail. Muda algo de fundamental? Entendo que não.

Relativamente às diferenças entre o Islão e o Judaísmo, excluindo a dimensão regulamentar, o que se pode fazer e o que é proibido, aliás com muito em comum, quais as diferenças na dimensão básica, espiritual… é um tema ao qual não sei responder, mas que suponho muito sensível.

Existem vozes, dentro do mundo muçulmano, algo críticas relativamente aos rigores regulamentares, alguns anacrónicos, interrogando e questionando os que querem transformar/transformaram a sua religião num catálogo de proibições. Não será por aí que ela acaba por se diferenciar…?

O que é certo é que apesar do que existe em comum, o Islão posiciona-se num não como uma religião diferente, mas superior às outras duas, que serão versões incompletas. Isto justifica algumas posições de não reciprocidade ainda na atualidade.

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Recentemente Chegado ?


O senhor acima representado chama-se Eduardo Teixeira e foi durante algumas décadas figura de proa do PSD em Viana do Castelo e no Alto Minho.

Chegou a deputado por esse partido em duas legislaturas (2011 e 2019). Apresentou-se à liderança da Câmara Municipal de Viana por duas vezes, sem conseguir entusiasmar nem convencer o povo.

Em 2024 passou para o Chega, entrando de novo para o Parlamento, para outra bancada, feito que repetiu nas últimas legislativas. Agora vai ser candidato de novo à Câmara de Viana, pelo seu novo partido.

Antes de mais, este e outros apresentarem-se ao eleitorado para 4 anos no Parlamento e escassos meses depois, já estarem de potencial saída para outro “combate” eleitoral, é defraudar os eleitores. Não é caso único, infelizmente…

Depois qual a “mudança” que este senhor se propõe realmente trazer, para lá da cor das bandeiras nas arruadas? Do pouco que o ouvi, não vi nada de novo nem entusiasmante…

08 setembro 2025

Olhando o Islão (II)

2) O Islão de Moisés e de Abrão

Qual é a religião, qual é ela, que tem um único Deus, omnisciente, omnipotente, criador do Céu e da Terra, descansando ao 7º dia, depois proclamado por Abrão e Moisés, numa história em que houve um Adão e uma Eva, um dilúvio e uma arca de um Noé, um Lot e a destruição da cidade dos pecadores, o sacrifício de um filho, trocado à última hora por um carneiro, uma travessia do mar Vermelho, etc… ?

Se acham que sabem, esperem… Sim, é o Cristianismo que todos conhecemos mais ou menos, é também o Judaísmo que serviu de alicerce ao primeiro e… é o Islão.

O Islão é mais uma religião de Abrão e Moisés. Se pedirem a um Cristão que faça um resumo do Antigo Testamento e o mostrarem a um muçulmano, ele identificará os personagens e a história como islâmicos. Até Cristo aparece no Corão, se bem que apenas como mais um importante profeta, cuja particularidade fica pela gestação milagrosa.

Maomé apresenta-se como o último e mais importante profeta de Deus/Alá. Os cristãos e os judeus não são membros de uma outra religião, mas da mesma, apenas num estádio mais atrasado. Diríamos que com a missa a metade…

Maomé explica, dividindo os homens em três grupos. Os bons muçulmanos que cumprem todos os preceitos, o reconhecem como o profeta mais importante e que no juízo final terão tudo de bom; os pagãos politeístas que verão a coisa mal pintada quando chegar a altura (e não pensem que vão enganar Alá com historinhas, porque este sabe tudo e tem lá a folha toda…) e os cristãos e judeus. Para estes últimos ele diz, vocês estão certos em reconhecer Alá, o Deus único, mas … atualizem-se e reconheçam-me!

Daqui existir um histórico de uma certa tolerância, com um preço, é certo, com que estas duas religiões foram aceites ou toleradas no mundo islâmico. Havia a esperança de que um dia acabassem por realizar a tal atualização.

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06 setembro 2025

Onde a eletrónica não chega


Há umas boas dúzias de anos, alguém me explicava como tirar uma fotografia “a sério”. Vais com o fotómetro à cena e medes a luz. Arbitras a focal e considerando a sensibilidade do filme, consultas uma tabela para ver qual a abertura correspondente, para uma exposição correta e ajustas a máquina para esses valores. Olhas pelo visor e rodas o anel de focagem até teres a máxima nitidez onde a queres ter. Enquadras e disparas! Ufa..

Desde esses tempos, muita coisa evoluiu e se automatizou, tanto que para uma larga maioria das fotografias, basta a última frase: Enquadrar e disparar… Certo que em circunstâncias especificas dá jeito “ajudar” a máquina a entender o que pretendemos em termos de exposição ou focagem, mas elas estão cada vez mais inteligentes e até tentam adivinhar se queremos modo paisagem ou retrato, por exemplo.

Hoje, é bastante difícil não ter uma foto tecnicamente perfeita, dentro dos limites do equipamento, naturalmente. Focagem automática, equilíbrio de brancos (tirar a cor da iluminação, caso não branca, da cor das coisas) e gama dinâmica (quando uma imagem é demasiada contrastada para ter simultaneamente detalhe nos escuros e claros não queimados), são tudo coisas que deixaram de ter história e necessidade de intervenção manual

Até a redução de ruído, quando temos “grão” na imagem, porque o fraco sinal não é visto de forma homogénea por todo o sensor, e que começou por ser grosseiras pinceladas um pouco borratadas quando vistas de perto, passou a ser muito mais fino e eficaz. Dizem que com a ajuda da IA.

Há, no entanto, uma coisa física em que a eletrónica não resolve. A filtragem da polarização. A luz é uma onda que se propaga. Quando, analogamente, sacudimos uma corda, podemos gerar ondas horizontais ou verticais. Isso serão diferentes polarizações. Se fizermos essa corda passar por uma grelha vertical, por exemplo, as ondas verticais passam e as horizontais são bloqueadas e vêm para trás… entendido até aqui? (senão google 😊)

A luz do sol, que não tem polarização preferencial, em certas circunstâncias, ao ser refletida, a reflexão é polarizada (só com uma única direção de “oscilação”). Se fizemos passar essa luz por uma “grade ótica”, que corta uma dada direção, e rodarmos a grade até chegar à direção especifica em causa, essa luz não passa.

Um exemplo dessa reflexão é na água. Se colocar um “filtro polarizador circular” em frente da minha objetiva e o rodar corretamente, posso fotografar os peixinhos no fundo de uma poça de água, mesmo que os meus olhos ao olhar diretamente apenas vejam a luz espelhada à superfície. A imagem acima é um exemplo de duas fotos no mesmo local, com a polarização aberta e fechada.

Outro caso, muito interessante, tem a ver com o céu. O azul que vemos, não é a cor do mesmo, é o resultado da sua iluminação pela luz do Sol. Ao final do dia, noutras condições, até vai para os vermelhos. Há uma componente refletida, resultando num céu mais esbranquiçado … e que é polarizada! Se bloquearmos essa componente através do tal filtro, vamos ver um céu de um azul muito mais escuro e bonito…

Acho que os algoritmos ainda não conseguem fazer isto!


 

05 setembro 2025

Olhando o Islão (I)

1) Introdução

Em setembro de 2006 fui de bagagens (e sem armas) instalar-me na Argélia, por motivos profissionais. Para lá de todas as diferenças culturais e sociais, havia algo marcante e preocupante. O histórico brutal de violência da década anterior, associada ao terrorismo islâmico. Mais tarde, compreendi ser um puzzle com mais peças.

Um risco diferente, menos conhecido, é sempre percepcionado com mais intensidade e inquietação. Naquela altura, os islamistas matavam uma a duas pessoas por mês, sobretudo membros de forças miliares ou de segurança, em zonas remotas, afastadas dos grandes centros urbanos. Na estrada morriam dez por dia, alguns ao nosso lado. Onde estaria o risco mais elevado, avaliando objetivamente?

Acreditando que as religiões têm na sua génese uma certa busca de harmonia e de bom viver e que a violências praticadas sob essas bandeiras eram degenerações e manipulações dos princípios fundamentais, como as nossas pouco cristãs cruzadas, quis crer que a violência islâmica seria também um desvio dos fundamentos daquela religião.

Decidi, portanto, estudar o Islão. Caso tivesse a infelicidade de ver uma faca encostada ao pescoço por ser um infiel, caso tivesse tempo e canal de comunicação, poderia procurar convencer o agressor de que ele não estava a seguir coerentemente os princípios da sua religião… Poderia não existir um simples e direto “Não matarás!”, mas certamente algo análogo haveria de encontrar.

Li inúmeros artigos, ensaios, livros de opinião e históricos e, naturalmente, o Corão. Aprendi muita coisa e para uma delas, fundamental, não deveríamos sequer precisar de muitos livros para a saber: “A realidade nem sempre coincide com o que a ignorância imagina”.

Por vezes, no desconhecimento, avançamos algumas hipóteses e especulações, conforme as nossas ideias pré-concebidas e simpatias e acabamos por nos convencer da alta probabilidade de na realidade ser assim, como imaginamos, mas…

Devo esclarecer que conheci nesses tempos dezenas, para não dizer centenas, de muçulmanos e que nenhum me incomodou, insultou e, muito menos, ameaçou ou agrediu. Ações de proselitismo também foram muito raras. Recordo muito boa gente, por quem tenho todo o respeito e estes textos não os pretendem atingir ou diminuir de nenhuma forma. 

O que “causa um problema” e pretendo de certa forma esclarecer e denunciar são as mentiras e as manipulações, assim com as tentativas de condicionar a sociedade e restringir liberdades. Acredito que muitos muçulmanos estarão certamente de acordo comigo.

Sobre este título, irei publicando alguns factos que aprendi, não imediatamente de rajada. Fica feita a introdução. 

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