Especialmente nesta altura em que ficou na moda desenvolver novas narrativas sobre o que foi e o que não foi o 25 de novembro, nada melhor do que ler quem o viveu e dele foi protagonista, melhor do que escutar o “disse que disse” de quem repete o que ouviu dizer, na parte que encaixa na sua narrativa preferida.
Esta autobiografia de Pires Veloso, onde obviamente o 25 de
novembro de 1975 tem uma quota importante é obrigatória para quem se quiser
informar.
O cognome de Vice-Rei do Norte, não é especialmente do meu
agrado. Depende de como for pronunciado, com alguma simpatia e respeito ou com
sobranceria e algum toque de desdém. Para começar não estamos em contesto
monárquico, depois Pires Veloso não foi vice de ninguém. Em Lisboa é que existiam
uns candidatos a vice czares. Um vice-rei presume existir algures um rei e aquele
ser um personagem que com alguma autonomia governa um território distante.
E em 1975 o Norte e a cidade de Porto foram diferentes de
Lisboa, mas não na perspetiva de uma terra longínqua e destacada. Pires Veloso teve
sempre um olhar sobre o Portugal inteiro. Este Norte e a cidade do Porto, hostis
às forças extremistas (daí catalogados de reacionários e fascistas) é o mesmo
que em 1832, durante a guerra civil foi um bastião firme na defesa do liberalismo
contra o absolutismo. Os genes são os mesmos. Podem contra-argumentar que
esquerda-direita; revolução- contrarrevolução não estão no mesmo alinhamento,
mas sim… A bandeira hasteada no Porto nas duas situações foi a mesma: Li-ber-da-de
!
Pires Veloso acabou por pagar a sua coragem e integridade,
mas penso que a fazer de novo, igual faria, sem se condicionar pelos golpes
baixos que a corte, reestabelecida e legitimada graças a, entre outras, à sua
contribuição, não hesitou em lhe aplicar posteriormente.
Sobre o conteúdo específico do seu testemunho, uma surpresa para
mim foi o lugar de Ramalho Eanes. Tendo pouco ou nada intervindo no dia 25 é
espetacular e oportunisticamente catapultado à primeira linha, numa encenação
programada e realizada pelo grande maestro Melo Antunes.
Agora vou especular. Aviso colocado, concretizo… O Prec
estava exausto, Vasco Gonçalves encostado e as reações populares, a começar no
Norte, apontavam a um beco sem saída para aquele caminho; o golpe PCP do 25/11
é travado pela conjugação das forças de Pires Veloso, Jaime Neves e Força Aérea,
sob o arbitragem de Costa Gomes e aí… Melo Antunes, conhecido por moderado, mas
não necessariamente um democrata pluralista vai colocar a coroa de louros em
Eanes que, do mal o menos, permitirá a continuação da influência comunista dentro
do que era possível. O mui democrático Conselho da Revolução aguentou-se até
1982.
Dá para entender a alergia que alguns democratas de gema desenvolveram
por Ramalho Eanes, especialmente Sá Carneio e em certa medida também Mário
Soares.
Se houvesse uma biografia completa e detalhada de Melo Antunes,
certamente muita coisa se aprenderia e melhor se entenderia o que aconteceu no
país nesta época.

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