04 novembro 2014

Medo e ébola


Quando vivia na Argélia e me pediam uma avaliação do risco do país, costumava dizer: há uma actividade terrorista residual, em zonas geográficas bem determinadas. Sem estatísticas muito precisas, não provocará mais de uma dúzia de mortos por mês, quase exclusivamente membros de forças de segurança e apenas nessas zonas. Em contrapartida, na estrada morrem em média 12 pessoas todos os dias e por todo o país. Apesar de objectivamente o risco da estrada ser muitíssimo mais elevado e generalizado do que o terrorismo, este último era/é precepcionado com mais intensidade por quem lá vai. Porquê? Porque temos sempre mais medo daquilo que conhecemos mal e que julgamos não dominar.

Actualmente, passo cerca de 4 vezes por mês no aeroporto de Casablanca que tem várias ligações diárias com os países da áfrica ocidental onde o ébola anda descontrolado. Certamente corro algum risco, mas provavelmente inferior ao de escorregar na banheira e, obviamente, nem eu nem ninguém deixa de tomar banho por isso. Achamos que a “necessidade” do banho se sobrepõe ao risco associado.

Este assumir correr riscos não está apenas associado a aspectos utilitários ou necessidades básicas. O nosso quotidiano está cheio de riscos e viver plenamente passa por encará-los e saber como os enfrentar. É muito estúpido menosprezar o risco, como também é estúpido reagir desproporcionadamente. O medo irracional é uma enorme restrição à qualidade de vida. O problema está, como em tantas coisas, na ignorância. Se há tanta dificuldade em controlar a epidemia na áfrica ocidental, isso tem muito a ver com a ignorância. É muito difícil ter sucesso quando acontecem coisas como a de agosto passado, quando uma multidão atacou e “libertou” os infectados isolados num centro de quarentena em Monróvia…

Certo, mesmo certo, é que o céu não nos cairá em cima da cabeça, mas, mesmo assim, há quem tenha medo disso.

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