29 junho 2014

A Simone cabeluda

Não, não é a Simone da “Desfolhada” que escandalizou uma certa parte do país paroquial da altura, ao cantar o grande Ary, ao dizer simplesmente que “quem faz um filho, fá-lo por gosto”!!!

Falo da Simone brasileira cabeluda. No início dos 80 muita gente a ouviu em Portugal na banda sonora de “Malu Mulher”, que muito abanou a consciência social feminina. Na sua voz, uma divorciada diria “Começar de novo e contar comigo, Vai valer a pena ter amanhecido, Ter me rebelado, ter me debatido...” Aqui

Mas vou mais atrás. Em 1968, em plena ditadura, Geraldo Vandré escreve e canta um hino arrasador com um refrão assim “Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer…” A interpretação da Simone … é belíssima. (na minha opinião, é claro). Aqui !   Simples...

26 junho 2014

Festa e feira

Não acompanho os futebóis, por isso não sei dizer se as escolhas de Paulo Bento foram as mais lógicas ou se era possível termos menos lesionados ao fim de dois jogos. Não me pronuncio sobre isso.

Mas sei que a “imagem de marca” da nossa selecção, pelo menos no passado recente, era, por um lado, uma defesa muito sólida e bem organizada e, por outro lado, uma grande dificuldade em marcar golos. Nos dois jogos até agora, a nossa defesa foi uma desgraça a correr de susto em susto… Isto parece-me mais falta de organização/preparação do que outra coisa.

Se pensarmos que uma boa parte da preparação foi gasta em exibições de feira onde em vez de se mostrar um urso exótico, andamos a exibir “o melhor jogador do mundo”…

25 junho 2014

Dono ou gestor?

Não sei o que se passa no BES. Mesmo que tentasse saber, certamente não conseguiria. Por coincidência, ou não, o BES costuma aparecer associado a muitos negócios bicudos, mas pode ser apenas impressão minha. Está a ser mudada a equipa de gestão e ouvi que o Banco de Portugal recomendou a separação entre quem é dono do banco e quem o gere. Acho isto um pouco estranho…

É certo que muitas empresas familiares sentem por vezes, em certa fase da sua vida, a necessidade de profissionalizar a sua gestão, recorrendo a gestores fora da esfera familiar. No entanto, isso deverá ser uma opção em primeira e última instância do “dono”. Custa-me a imaginar que seja um regulador a recomendar isso e, aparentemente, com a intensidade e eficácia com que o fez.

Curiosamente, há pouco tempo li uma entrevista com o casal que é dono e gere um dos ramos da famosa família Rothschild, reputados e bem sucedidos banqueiros e investidores, desde há séculos. Inquiridos porque a crise financeira pouco afectou a sua casa, a resposta foi curiosa e cito de memória. “Em grande parte a crise foi provocada e afectou empresas que não têm dono claro. São dirigidas por gestores cuja estratégia é conseguirem prémios por objectivos de curto prazo, que se revelam um desastre a prazo”.

Com todas as aspas e reticências estou muito mais de acordo com os Rothschild do que com o Banco de Portugal. Que se passa/passou com o BES de Ricardo Salgado? Não me acredito que seja apenas uma questão de património genético.

20 junho 2014

Ler ou nadar?

Num livro que estou a ler, encontrei uma suposta citação de Muawiyah, o primeiro califa dos omíadas, no século 7, capital em Damasco, actual Síria, que dizia aos educadores dos seus filhos “Ensina-os a nadar porque haverá sempre alguém que possa escrever por eles”. Independentemente da veracidade da citação, ela é representativa das prioridades do reinar – mais importante do que o saber erudito é o saber prático e a sobrevivência.

Esta semana foi coroado em Espanha o primeiro rei com formação superior. Provavelmente os anteriores saberiam nadar, ou, pelo menos e certamente, caçar. Ao mesmo tempo a nova rainha é uma plebeia, antes casada e divorciada e com mais algumas novidades e inovações. Como dizia há uns anos o indignado PG: “Nunca deveria ser possível alguém dizer – eu já dormi com a rainha!” – pelo menos, com conhecimento público e papeis passados.

Se estes reis são assim tão diferentes, a questão que fica é: a monarquia tem espaço para estas inovações ou elas reduzem e aniquilam o espírito e a função da monarquia? O futuro o dirá.

18 junho 2014

Inimigo de meu inimigo

Quem tem grandes responsabilidades neste mundo devia saber, ou pelo menos aprender, que o mundo não é bipartido e o inimigo do inimigo não é automaticamente um amigo em quem confiar. É famosa a ajuda que os americanos deram aos combatentes islâmicos no Afeganistão, para estes lutarem contra os soviéticos nos anos 80, criando um problema que 30 anos depois ainda não está resolvido nem se vê como acabará.

Agora foi na Síria. Quem está atento sabe que o movimento interno de contestação foi rapidamente confiscado por fundamentalistas sunitas. No entanto, para o ocidente, El Assad continuava a ser o bandido hostil, que era necessário fazer cair a todo o custo e ajudando sem restrições quem estava disposto a combatê-lo. El Assad resistiu e essa boa gente, fortemente armada pelos inimigos do inimigo foi atrás, ganhar lanço, conquistando metade do Iraque.

É inacreditável como sendo o Iraque um terreno natural e assumido de expansão do sunitas fundamentalistas combatentes na Síria, estivesse toda a gente a dormir e permitir este descalabro, ainda por cima com as barbaridades e atrocidades cometidas por estes “amigos”, verdadeiramente horripilantes.

Uma outra lição que poderiam tirar é que esta coisa de decapitar à bruta, de um dia para o outro um país, sem tradição de partilha e alternativas de poder, conduz facilmente ao caos. Certamente que nos USA muita gente deve suspirar pelos velhos tempos do “good Saddam”… como certamente já faltará também pouco para suspirarem pelo “good Khadafi”.

Nota: foto de execução sumária de soldados iraquianos capturados pelos  "nossos amigos".

14 junho 2014

Uma gestação completa


Em Setembro do ano passado tive que pedir a renovação (revalidação?) da minha carta de condução. O novo documento chegou-me esta semana. 9 meses, uma gestação completa! Alguém sabe ou consegue imaginar o que se passa aqui!?! É que nos tempos que correm não tem sentido e será muito dificilmente justificável.

12 junho 2014

Manifestar ou desrespeitar

Ficaram-me duas imagens marcantes deste último Dia de Portugal. Uma é o estranho apagão de Cavaco Silva e seria importante esclarecer os portugueses sobre o que se passa realmente com o seu Presidente. Outra é a imagem de Mário Nogueira sorrindo satisfeito de orelha a orelha com a barulheira feita pelos manifestantes, que muito perturbou as cerimónias. Inquirido pela comunicação social disse, e cito de memória, que em democracia as pessoas têm direito a manifestarem-se livremente.

Ora bem, se num próximo congresso ou manifestação ele estiver a discursar e aparecer um grupo ruidoso de antagonistas a assobia-lo e a insultá-lo, será que ele continuará a defender o tal “democrático direito à manifestação” ou denunciará violenta e veementemente uma “falta de respeito pela democracia”? Pois é, certamente referirá a falta de respeito, com razão, e eu não vejo porque uma manifestação sindical deve merecer mais respeito do que a celebração do Dia de Portugal, muito pelo contrário.

Quem ateia fogos, presumindo que a direcção do vento o há-de levar para longe do seu jardim, está a correr um risco muito grande e a esquecer-se de que nunca deu bom resultado brincar ao pirómano.

06 junho 2014

Nem tudo se compra

Anunciada em simultâneo com a atribuição do de 2018 à Rússia, para todos ficarem contentes, a escolha do Qatar para o mundial de Futebol de 2022 começou logo por ser atípica. A seguir, por acaso, descobriu-se que jogos no deserto em pleno verão não devem ser muito confortáveis. Para o anfitrião, este evento é uma oportunidade para ganhar (ainda) mais visibilidade internacional e infra-estruturar o país com visto a torna-lo um destino turístico importante e viabilizar o pós petróleo/gaz.

Mas, como aquela que veste um vestido caríssimo e sofisticado e depois arruína o conjunto com um acessório foleiro, o brilho começou a desbotar com a revelação das condições inumanas e quase esclavagistas dos trabalhadores utilizados na construção. Por um lado até pode ser bom, a visibilidade pode forçar alguma evolução.

O desconforto foi aumentando e até o inefável Sr Blatter da FIFA já assume esta escolha ter sido um erro. O nosso caro M Plattini da Uefa continua a achar bem. Assume ter votado no Qatar por “ O Golfo ser um belo local para organizar o campeonato e isso valorizará o desenvolvimento do futebol”. Gostava de ter a oportunidade de lhe poder pedir para desenvolver e concretizar um pouco mais as suas razões. Assegura que nada teve a ver com um jantar para o qual foi convidado pelo Presidente francês da altura e onde, por mero acaso, também estariam presentes uns altos dignatários qataris que muitos negócios cozinhavam ali. No contexto, e como exemplo, quem a seguir comprou e investiu fortemente no clube da capital francesa? O Qatar.

Recentemente há um novo desenvolvimento. Os ingleses, talvez stressados por não terem a certeza se poderão ter lá cerveja ou apenas Coca-Cola, atacam. O jornal “Sunday Times” publica uma série de provas de que a escolha do Qatar foi escandalosamente comprada e, sendo assim, deverá ser anulada. Provavelmente todos estes processos têm sempre associados algumas simpatias e prendinhas, mas parece que desta vez foi forte e feio. Se a anulação se concretizar será um enorme revés para o Qatar e para a sua estratégia.

No entanto, quanto ao potencial atractivo turístico, eu não tenha a mínima dúvida em preferir o vizinho do outro lado do Golfo, a Pérsia (Irão). Mesmo sem hotéis 10 estrelas e infra-estruturas faraminosas, será sempre mais interessante, simplesmente pela sua cultura, que, no fim, é sempre o fundamental. E não se compra cash. Cria-se com tempo e outros ingredientes, inteligentes.

01 junho 2014

Julgar ou apenas julgar?

Os juízes têm poder e os do Tribunal Constitucional (TC) têm muito poder. Em qualquer sociedade civilizada, o poder está associado a um enquadramento bem definido e limitado. No caso do TC trata-se principalmente de verificar a conformidade de normas e leis com os 296 artigos (acho que é o número) da Constituição. Não têm, nem devem ter, por função criticar, aplaudir, sugerir ou aconselhar o que quer seja. Penso não haver dúvidas sobre este princípio.

No entanto, o histórico das decisões do TC sobre os orçamentos de estado deixam-me confuso. Por exemplo, quando o Estado empregador quer reduzir os vencimentos dos seus empregados, o TC recorda o princípio da igualdade, ninguém está contra, mas os outros empregadores quando necessitam reduzem vencimentos de uma forma ou de outra e até despedem. Então, seguindo o princípio da igualdade, o Estado pode despedir, certo? Não, porque segundo o TC, nesse caso, já prevalece o princípio da confiança.

O recente acórdão nr 423/2014 sobre o orçamento de 2014 que tentei ler na íntegra é… difícil de ler, mas cito uma passagem curiosa “… o legislador dar sinais de que existem “alternativas igualmente eficientes para promover os fins prosseguidos”, ao mesmo tempo que eleva para um nível intolerável o grau do sacrifício imposto”.. Então o TC lê os sinais do legislador e declara intolerável o grau do sacrifício imposto?! Isto é mesmo tudo fruto da leitura da Constituição?!?

Aproveitando esta inspiração e intervenção abrangente, posso pedir ao TC para avaliar se acha as diferenças nas taxas de IMI entre municípios dentro do nível tolerável? E o preço da água? E os escalões de IRS? Os custos do sistema de saúde entre várias patologias estarão constitucionalmente correctos? Um aumento brutal de impostos sem aviso prévio não põe em causa o princípio da confiança do Estado de direito? E um código do trabalho permitindo despedimentos apenas aos não funcionários públicos será constitucional? Acho que há muita coisa que o TC pode discricionariamente filtrar, bastando para isso brincar com os princípios genéricos.

Podíamos continuar e ir mais longe nestes absurdos de promiscuidade de competências, mas a Constituição Portuguesa merece respeito e não deve ser abusivamente utilizada para a gincana política. Ainda: igualdade, direito e confiança são palavras demasiado amplas e relevantes para ficarem sujeitas a moldagens oportunistas. Se não há dúvidas de que o Estado precisa mesmo de reduzir a despesa e a Constituição tal como actualmente interpretada não o permite fazer, vamos retirar de lá o princípio da igualdade ou deixar de sermos um Estado de direito?! Se um dia os juízes do TC não receberem no fim do mês por o seu empregador não ter fundos para lhes pagar, talvez desenvolvam uma sensibilidade diferente. Por enquanto mandam aumentar os impostos.

PS: Googlei uma foto escura e feia propositadamente