01 junho 2014

Julgar ou apenas julgar?

Os juízes têm poder e os do Tribunal Constitucional (TC) têm muito poder. Em qualquer sociedade civilizada, o poder está associado a um enquadramento bem definido e limitado. No caso do TC trata-se principalmente de verificar a conformidade de normas e leis com os 296 artigos (acho que é o número) da Constituição. Não têm, nem devem ter, por função criticar, aplaudir, sugerir ou aconselhar o que quer seja. Penso não haver dúvidas sobre este princípio.

No entanto, o histórico das decisões do TC sobre os orçamentos de estado deixam-me confuso. Por exemplo, quando o Estado empregador quer reduzir os vencimentos dos seus empregados, o TC recorda o princípio da igualdade, ninguém está contra, mas os outros empregadores quando necessitam reduzem vencimentos de uma forma ou de outra e até despedem. Então, seguindo o princípio da igualdade, o Estado pode despedir, certo? Não, porque segundo o TC, nesse caso, já prevalece o princípio da confiança.

O recente acórdão nr 423/2014 sobre o orçamento de 2014 que tentei ler na íntegra é… difícil de ler, mas cito uma passagem curiosa “… o legislador dar sinais de que existem “alternativas igualmente eficientes para promover os fins prosseguidos”, ao mesmo tempo que eleva para um nível intolerável o grau do sacrifício imposto”.. Então o TC lê os sinais do legislador e declara intolerável o grau do sacrifício imposto?! Isto é mesmo tudo fruto da leitura da Constituição?!?

Aproveitando esta inspiração e intervenção abrangente, posso pedir ao TC para avaliar se acha as diferenças nas taxas de IMI entre municípios dentro do nível tolerável? E o preço da água? E os escalões de IRS? Os custos do sistema de saúde entre várias patologias estarão constitucionalmente correctos? Um aumento brutal de impostos sem aviso prévio não põe em causa o princípio da confiança do Estado de direito? E um código do trabalho permitindo despedimentos apenas aos não funcionários públicos será constitucional? Acho que há muita coisa que o TC pode discricionariamente filtrar, bastando para isso brincar com os princípios genéricos.

Podíamos continuar e ir mais longe nestes absurdos de promiscuidade de competências, mas a Constituição Portuguesa merece respeito e não deve ser abusivamente utilizada para a gincana política. Ainda: igualdade, direito e confiança são palavras demasiado amplas e relevantes para ficarem sujeitas a moldagens oportunistas. Se não há dúvidas de que o Estado precisa mesmo de reduzir a despesa e a Constituição tal como actualmente interpretada não o permite fazer, vamos retirar de lá o princípio da igualdade ou deixar de sermos um Estado de direito?! Se um dia os juízes do TC não receberem no fim do mês por o seu empregador não ter fundos para lhes pagar, talvez desenvolvam uma sensibilidade diferente. Por enquanto mandam aumentar os impostos.

PS: Googlei uma foto escura e feia propositadamente

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