30 agosto 2005

Para lá do dia D



O dia está a nascer. E, sem dúvida, tudo irá colorir generosamente. Já se pressente. Já algumas manchas se animam no caminho. Ali à frente, uma luz intensa ofusca. É demasiado intensa. Não deixa ver o que se lhe segue. E há quem pare na estrada. Com medo. Do que, depois do lume próximo, a claridade escurece.

28 agosto 2005

Multiculturalismo

Na sequência dos recentes atentados terroristas na Europa, tenho visto muito debate e especulação sobre a viabilidade e os limites de uma sociedade multicultural. Há algumas posições surpreendentemente radicais, segundo as quais, uma sociedade multicultural é pura e simplesmente uma utopia.

Não me considero racista, mas reconheço que tenho mais depressa o reflexo de trancar as portas do carro quando vejo uma pessoa de cor atravessar a rua à minha frente do que um “dos nossos”. Não tem lógica, mas é assim. Ao conversar sobre estes temas com um magrebino, ele dizia, e acho que com razão, que, a todos, mesmo a eles, nos tranquiliza estar entre “nossos semelhantes”. O ver “diferentes”, perturba-nos. É natural sentirmo-nos inseguros ao sermos confrontados com uma diversidade que desconhecemos.

Efectivamente, as demonstrações de xenofobia estão mais presentes em situações de crise, quando o nível geral de insegurança é já elevado. Mas, por outro lado, uma sociedade em que sejamos todos louros, de olhos verdes, 1,80m, com as mesmas crenças, com as mesmas certezas e etc., é uma sociedade pobre e em decadência. Quanto mais não seja por consanguinidade cultural.

Creio que o conviver plenamente com múltiplas culturas passa por identificar o nível das diferenças, separando o superficial do profundo. Uns olhos brilhantes e um sorriso de criança são iguais em qualquer parte do mundo.

E, para concluir, deixo essas lindíssimas palavras do grande Luís Vaz que, além de saber muito, também viveu muito: “Bem parece estranha, mas bárbara não.”

Endechas a Bárbara escrava

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E pois nela vivo,
É força que viva.

25 agosto 2005

E a Ota?

Reconheço que me sinto muito diminuído para abordar este tema. Se há alguma coisa que ele revelou, é que somos um país extraordinariamente bem dotado de planeadores de infra-estruturas aéreas. São tantos e tantos que até acho que deveríamos internacionalizar a actividade. Não há espaço para todos neste pequeno rectângulo e deverá existir, por esse mundo fora, muita boa gente necessitada dos palpites destes génios criativos e clarividentes.

Só sei que não me lembro de uma grande cidade com um aeroporto com as características da Portela que ainda subsista como aeroporto principal. Desde Buenos Aires e S. Paulo até Atenas, passando por Paris, Milão, etc., há muitos, muitos e muitos. Não significa que tenhamos que copiar tudo o que os outros fazem, mas...

Sei que a aproximação à Portela com vento norte, o mais frequente, é de fazer concorrência desleal aos organizadores de excursões turísticas. Só falta mesmo uma locução para nos apresentar e explicar toda a cidade.

Não sei se é agora o momento de avançar ou não, se iremos cedo ou tarde, por ignorância assumida.

Sei que, para além do prazo, há a função. Um aeroporto de “charters” não é igual a um aeroporto de cabotagem para Madrid, Paris, etc. que, por sua vez, também é bastante diferente de um “hub” atlântico.

Sei que, ultimamente, ao voar a partir do Porto, por acaso ou sem acaso, faço “tabela” em Madrid aí umas 5 vezes mais frequentemente do que em Lisboa.

23 agosto 2005

A medida do optimismo

Já não é a primeira vez. Agora saiu mais um estudo intitulado «O que Compra a Felicidade?». Foi publicado pelo Instituto Alemão de Estudo do Trabalho (IZA), sedeado em Bona, e a análise assentou nos inquéritos promovidos pelo Eurobarómetro. Mais uma vez, os portugueses são colocados como um dos povos mais infelizes e pessimistas da Europa. Neste ficamos mesmo em último lugar. Eu não me conformo e acho que tem que haver um erro de medida.

Quanto mais não seja, pensemos em todos aqueles que acham que não é necessário fazer seguros para nada. Estes não podem ser pessimistas e, portanto, são já suficientes em número para nos dar uma grande ajuda no ranking.

Ironias à parte, somos seguramente um povo com um comportamento e uma atitude complexos e cheios de contradições. Veja-se Fernando Pessoa que o retratou melhor do que ninguém retratou; ouça-se o “Fado” de Júlio Pereira que não é alegre nem triste e que parece carregar todas as cores do mundo ou leia-se a “História da Cultura em Portugal” de António José Saraiva.

Independentemente das nossas várias idiossincrasias, penso que talvez tenha havido uma deriva nessa medida do optimismo.

Hoje, em certos meios, é politicamente correcto estar, no mínimo, “great”. Quem se sentir “assim-assim”, não presta; é um perdedor. Quem estiver “não muito bem” é um caso perdido e irrecuperável.

Contavam-me recentemente que, ao comunicar uma boa notícia e ao receber a expressão “terrific!!!”, o ouvinte, não muito versado em inglês, ficou “aterrado”: o que é que eu fiz de terrível?!? Nada de mal. A notícia era realmente boa; o “good” e o “very good” já eram história e como mesmo o “great” já estava desvalorizado pelo uso banalizado, foi necessário ir buscar mais vocábulos. Ficamos à espera de ver qual será o próximo superlativo para “terrific”...

Será que esta “desvalorização deslizante” dos conceitos de optimismo nos prejudicou nas estatísticas? Talvez sim, talvez não. Pela parte que me toca, cuidarei da auto-confiança e da auto-estima, estas sim fundamentais e incontornáveis e, para as quais, temos realmente um problema colectivo de comportamento. Quanto ao optimismo, sim claro, mas não no estilo barata tonta para a qual um simples “Bom dia” tem por resposta automática “Great!”

22 agosto 2005

Fogos florestais no Outono

Não suporto ver o espectáculo das chamas nos telejornais nem nas primeiras páginas dos jornais. Não suporto a exibição mediática em que se foca o detalhe e o acessório e se ignora o fundamental e a dimensão real. Não suporto as “estatísticas sensacionais” em que “tudo arde” e se contabilizam e misturam distritos e concelhos à toa. Não suporto os analistas amadores ou profissionais que vão debitando comentários e palpites sempre iguais e próprios da “estação” (um pouco da mesma forma como certa imprensa notícia os acontecimentos sociais no Algarve). Não suporto os cortejos de circunstância das individualidades diversas, uma vez mais a aparecer nos telejornais, episódio obrigatório desta novela.

Conhecendo uma boa parte das serras e áreas em jogo, revolta-me quase tanto a tristeza do queimado como o festival que com isto se monta. Desde há 30 anos que se passa mais ou menos o mesmo. As calamidades são imprevisíveis e inevitáveis. Estes acontecimentos não o são. As responsabilizações e o apuramento das causas nunca passam dos lugares comuns de sempre. Por isso não me falem em incêndios: não tenho pachorra!!! Só peço uma única coisa: que se fale e que se discuta os incêndios florestais no Outono
.

Este texto é de 2003... E não resisto a acrescentar:

1. Um proprietário de um imóvel urbano abandonado, que desmorona e provoca um acidente na via pública, é responsabilizado. E os proprietários florestais, não deveriam ser também responsabilizados? Ou a culpa é toda do governo que contratou poucos helicópteros, que, aliás, nós todos pagamos?

2. Ó tempo volta para trás...! Para todos os que acham que “antes do 25 de Abril” isto não acontecia, duas sugestões. Em primeiro lugar, comparem as condições climatéricas e tomem nota de que elas não voltam para trás. Em segundo lugar comparem as condições e o modo de vida das populações do interior actuais e as da época. Tenho a certeza que essas populações não gostariam que o tempo voltasse para trás, só para que uns citadinos nostálgicos deixassem de ver incêndios na televisão.

3. O regresso do primeiro-ministro. Não creio que viesse fazer nada de concreto que não pudesse ser feito por quem cá estava. Creio que não viria para pilotar mais um helicóptero. Quando muito, serviria para alimentar o circo mediático. Reservemos as energias para os “Fernando Gomes”, “Armando Vara”, “Fundações”, “Mário Soares” e outras coisas que, essas sim, merecem bem a nossa atenção.

20 agosto 2005

1933 - 2004



Lentamente,
Retrai-se o universo que os braços podem enlaçar
O pé encontra o chão antes do passo terminar
O norte roda sem em nada se fixar
O relógio perde a lógica de avançar

Irreversivelmente
A mão perde a firmeza no agarrar
O pé já não suporta o peso do pousar
Passa a única a direcção para onde olhar
Todos os tempos se misturam num só lugar

E subitamente
O 8 de Agosto tinha sido banido pelo 19 de Maio

19 agosto 2005

Vencer é uma questão de cultura

Eu já desconfiava que a gestão de alto nível é mais uma questão de qualidades humanas do que uma ciência. O livro “Vencer” do senhor Jack Welch, confirmou-mo completamente. E este senhor não é um teórico qualquer. Antigo presidente executivo da General Electric, é provavelmente o gestor mais admirado e respeitado do último quartel do século XX.

Que qualidades indica ele como capitais num processo de recrutamento? Integridade, inteligência, maturidade, energia, capacidade para estimular, coragem para tomar decisões, capacidade para executar e paixão. Nada disto se aprende em escolas de gestão. Aliás, muito pior, estes valores podem ser muito bem decorados, repetidos direitinho e, no final, por deficiência de carácter, não se conseguir ter uma prática coerente. De nada, mas mesmo de nada, servirá a teoria aprendida. E que os há muitos assim, há sim senhor!

Sobre estratégias e planeamento, o discurso do Sr Welch parece-me muito mais identificado com o poema de A. Machado “o caminho faz-se ao andar” do que com os grandes planos plurianuais, detalhados, do tipo dos da antiga União Soviética.

O que me surpreende, ainda mais, é o lugar fundamental em que ele coloca a franqueza. Recusando a “inevitável” hipocrisia, que, tantas vezes, é considerada fundamental para a sobrevivência em muitas organizações. Para conseguir resistir sendo sempre franco e assumido, é necessário haver uma cultura muito sã ou ser-se mesmo muito bom.

Há uns tempos, contava-me uma empresária norte-americana que guardava um conselho precioso recebido no início da sua carreira. “Decidir e assumir sempre; acertar, basta acertar metade das vezes!”. De leitura relativa, claro, pois há erros que não têm retorno. No entanto, claramente nos antípodas da tradição de infalibilidade das tais organizações acima apontadas. Como infalíveis, só há os que não arriscam e os que não reconhecem os seus erros, as organizações sem falhas são organizações que não vencem.

Vencer é, também, saber errar.

17 agosto 2005

“Narrativa fantástica” esclarecida

O texto a que chamei "Narrativa Fantástica" não é ficção. É um documento de um processo muito sério. Tão sério que conduziu à execução de 27 mulheres pelo fogo em 1559. É uma confissão de um processo da Inquisição. Foi extraído do livro “Feiticeiros, Profetas e Visionários”, selecção de Yvonne Cunha Rego, editado pela INCM em 1981. Esta publicação inclui sentenças e notícias provenientes de manuscritos da Biblioteca Nacional, relacionados com heterodoxia, como bruxarias, julgadas no Santo Ofício.

Muita coisa curiosa. Por um lado, o carácter reconhecidamente real e “palpável” do Demónio. No segundo extracto, abaixo incluído, a condenação da “Sarabanda” baseia-se na presunção de que só um pacto com o Demónio poderia explicar os poderes que lhe eram atribuídos.

Por outro lado, o que as pessoas “confessam”! Algumas depois de serem “caridosamente admoestadas”, as vezes necessárias, até reconhecerem os seus erros. E, ao lado, o rigor e o zelo com que nos autos se registam essas mirabolantes “confissões”, de uma forma aparentemente tão séria.

Acordam os Inquisidores, Ordinário e Deputados da Santa Inquisição que vistos estes Autos culpas e declarações de Leonor Francisca, a Sarabanda de alcunha [...]

Porque se mostra que sendo a Ré cristã baptizada, obrigada a ter e crer tudo o que tem, crê e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, não usar superstições nem ter pacto com o Demónio, antes detestá-lo [...] fazia curas com bênçãos e palavras supersticiosas, adivinhava coisas ocultas que só com a intervenção do Demónio se podiam saber [...]

Chamada a curar certa pessoa, a benzeu e lhe aplicou certos unguentos e chupou pelos dedos dos pés com os quais remédios melhorou a dita pessoa [...]

E faltando duas bestas a certa pessoa e consultando esta a Ré para que lhe manifestasse onde estavam, a Ré, com efeito, lho disse e foram achadas e dita parte [...]

E, faltando, a certa pessoa, de sua casa uma certa quantidade de dinheiro, perguntou à Ré onde estaria e ela respondeu que em tal parte, menos tanto que tinha gasto a pessoa que o furtou e assim se achou menos a quantia que a Ré havia dito [...]

Pelas quais culpas sendo a Ré presa nos cárceres do Santo Ofício e na Mesa dele, com muita caridade admoestada, as quisesse confessar para descargo da sua consciência, salvação da sua alma [...] Respondeu que não tinha culpas a confessar [...]

E sendo a Ré no discurso da sua causa por muitas vezes admoestada, quisesse confessar toda a verdade das suas culpas e o pacto que se presumia haver feito com o Demónio [...]

E que tudo visto e o mais que dos autos consta, presunção que deles resulta de a Ré viver apartada da Nossa Santa Fé Católica e ter feito pacto com o Demónio [..]

Mandam que a Ré Leonor Francisca em pena e penitência de suas culpas vá ao Auto Público de Fé na forma costumada [...]



O resultado da tirania da razão é um grotesco trágico.

15 agosto 2005

Narrativa fantástica


[...]Os dias em que se ajuntam e ficam assinalados, são quartas e sextas-feiras, em as quais dando o relógio dez horas da noite, ou antes, as ditas Bruxas se untam com certos unguentos que elas fazem das confecções diabólicas que adiante se dirá, que o Demónio lhes faz crer, que sem ele não podem voar, nem ir a seus ajuntamentos, [...] e untadas, o Demónio as leva pelas janelas ou chaminés ou buraco por onde uma mulher possa caber corporalmente e em breve espaço e momento, levando-as pelos ares, as põem em certos campos. [...]

Estando nos ditos campos, disse que achava lá gente de muitas partes; a saber: Portugueses, de todo este Reino, Mouros, Judeus, Franceses e de outras muitas nações e diversas línguas [...] e tanto quanto que lá chegavam, os demónios, em pouco espaço de tempo, dormiam com elas muitas vezes carnalmente, quantas vezes elas queriam e pelo lugar que elas queriam ou traseira ou pela dianteira, e por sua confiança diz que o gosto que eles dão e causam às mulheres é mui grande, sem comparação com os homens. E que tem as suas naturas mui compridas [...]

depois de folgarem nos campos e ajuntamentos com eles, lhes põem uma mui comprida mesa de umas tábuas negras [...] e lhes trazem em uns pratos de pau-preto e deles nas mãos muita soma de carne de bode [...] a qual comida, disse e confessou, lhe fedia e enxofre e alcatrão; e nas mesas estavam por candeias umas tochas com cabos de cordas alcatroadas que davam um negro, escuro e fedorento lume. [...]

E confessou mais uma, e muitas vezes, que tendo o Demónio parte com ela por muitas vezes, o apalpava e achava corpo e carne, segundo apalpava com as mãos e que se lhe figurava ser carne pelosa com muita soma de cabelos, como de bode, mas o pêlo mais brando e macio.[...]

Pergunta: algum palpite para a origem desta narrativa antiga fantástica, fantástica no sentido literário da palavra? Uma sugestão: nada de brincadeiras porque, garanto, trata-se de coisa muita séria.

13 agosto 2005

Entre Margens



O caminho que vai dar ao mar tem uma forma de curvar, uma cor a empunhar, que muito antes de chegar, nos ensina a desaguar.

Um sorriso que vai dar ao ar, tem uma forma de matar, um calor, outro lugar, que mesmo depois de acabar, nos interdita o vaguear.

Assim suspendo, paro no caminho, que ao fim fingia ir dar.

Um caminho que parece evitar dar ao sorriso um lugar, como se nada mais houvesse, antes de chegar ao mar.

12 agosto 2005

Causas da Decadência dos Povos Peninsulares


" ... do espírito guerreiro da nação conquistadora herdámos um invencível horror ao trabalho e um íntimo desprezo pela indústria. Os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretárias um emprego: o que não podem, sem indignidade, é trabalhar!
Uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias da nossa fidalguia. Por isso, as melhores indústrias nacionais estão na mão de estrangeiros, que com elas se enriquecem, e se riem das nossas pretensões. Contra o trabalho manual, sobretudo, é que é universal o preconceito: parece-nos um símbolo servil! Por ele sobem as classes democráticas em todo o mundo, e se engrandecem as nações; nós preferimos ser uma aristocracia de pobres ociosos, a ser uma democracia próspera de trabalhadores.
É o fruto que colhemos duma educação secular de tradições guerreiras e enfáticas!"

Antero de Quental,
1871

Em 1871, Antero analisava as possíveis causas para a decadência de Portugal e de Espanha nos “últimos” 300 anos. Somando os 134 posteriores, vamos já para meio século. (Correcção: enganei-me, não é meio século mas são sim 5-cinco séculos!!) Irra!!!

Para terminar, que tal visitar a letra do nosso hino e cruzá-la com o texto de Antero?

Heróis do mar, nobre Povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar


Está bonito (?), sim senhor!!!
Irra!!!

10 agosto 2005

FMI, FMI


Já não me lembrava de ver alguém "bater" tanto no FMI desde um espectáculo do José Mário Branco, há uns bons largos anos! Desta vez foi o livro “Globalização – A grande desilusão” de Joseph E. Stiglitz.

No entanto, enquanto José Mário Branco é um “cantante-autor” de intervenção, o senhor Joseph E. Stiglitz, foi prémio Nobel de Economia em 2001, chefe do Conselho de Consultores Económicos de Clinton, e um dos vice-presidentes do Banco Mundial!

O livro causa uma impressão estranha. Repete e martela algumas ideias e opiniões vezes demasiadas para o que seria previsível numa obra estruturada e esclarecida. Dá ideia de que há ali uma relação emocional mal resolvida entre o autor e o FMI. O título do livro nem parece muito ajustado ao conteúdo porque, embora começa e acabe em torno da globalização, toda a parte central é um contínuo questionar do FMI. Restringindo-nos aos factos e aos resultados evidenciáveis, as conclusões dão que pensar. Se o FMI fez tantas asneiras, amplificou crises em vez de as atenuar, será por ignorância arrogante ou, mais grave, numa estratégia consequente e velada do seu sócio principal, os EUA? O sobre-endividamento crónico não acaba por ser uma forma de “escravatura”, como acontecia com os seringueiros na “Selva” de Ferreira de Castro?

Ideias base que ficam: A distribuição da riqueza no mundo tem piorado e este é um problema da humanidade – “Não me perguntes por quem os sinos dobram”. Uma organização desenhada nas cinzas da Segunda Guerra Mundial, a belo prazer dos vencedores, tem um poder brutal sobre os “desgraçados” que tropeçam. A sua receita dura e dogmática, muitas vezes de resultados duvidosos, não se pode considerar isenta dentro da teia de interesses económicos e financeiros globais. Possui uma perspectiva demasiado financeira para o que deveria ser a procura do bem-estar de quem connosco partilha este planeta. Não estará na hora de revisitar Breton Woods?

Acrescento uma nota pessoal. Nos finais dos anos 90 desloquei-me frequentemente à Argentina, que, segundo o FMI, estava exemplarmente no bom caminho e, mesmo sendo eu um ignorante na matéria, não conseguia entender a sustentabilidade duma economia com a divisa indexada ao dólar, sem inflação e que tinha remuneração de capitais, incluindo divida pública, largamente superior à inflação… Que a situação não era do interesse da Argentina era claro. Era ainda mais do que óbvio que acabaria por estourar, como veio a acontecer. Que os especialistas do FMI não o tenham previsto e tenham insistido na “via exemplar”, permanece, para mim, um mistério.

07 agosto 2005

Um herói


Escrevo este texto a pensar num caso concreto mas não é único nem específico de um sector. Refiro-me àquelas empresas que têm uma dimensão vinte vezes menor do que o mínimo, segundo os livros, absolutamente necessário para sobreviver.

Algumas já provaram que os livros tinham razão. Outras, como esta, ainda se movem. Tem máquinas antigas mas bem tratadas. Tem um dono que a vê como sua e preocupado com a sua perenidade. Conhece-lhe todos os cantos e todos os interruptores. E, dia após dia, lá vai inventando a sua forma de sobreviver fugindo e atacando qual guerrilheiro. Sempre esclarecido e sempre digno.

Trata-se de empresas que pagam salários a quem lá trabalha, que fazem coisas, coisas essas que são carregadas em camiões e enviadas para longe ou para perto. Ganham algum dinheiro. Não tanto como aqueles engravatados que fazem apostas sobre qual será o valor da taxa de câmbio euro-dólar dentro de três meses, o que é pouco mais do que um totobola financeiro. Provavelmente até ganharão menos do que alguns “investidores” que lá vão comprando terrenos e fazendo uns prédios muito bem construídos e lindos de morrer.

São empresas que também não durariam mais do que uma semana nas mãos dos gestores de fundo de pensões, esses que recebem as poupanças de quem receia que o Estado possa falir. O rendimento seria absolutamente insuficiente, de acordo com o que vem nos livros.

Provavelmente estão todas condenadas, ou não! Enquanto subsiste, aquele senhor empresário é, na minha opinião, um herói.

Cartas ao director


Questionaram-me recentemente se eu agora, entretido com este blogue, tinha deixado de enviar “cartas ao director” para o Público. Eu resolvi responder aqui, com a consciência de que se trata dum terreno bem escorregadio...

A resposta é não, não deixei de enviar. Uma boa parte dos últimos textos deste blogue, foram enviados inicialmente para o Público e posteriormente, após um período voluntário de quarentena de cerca de uma semana, aqui apareceram.

Antes de abrir o blogue perguntei-lhes se tinham algumas normas sobre a repescagem de cartas publicadas para blogues e não responderam. Depois de o abrir, tornei a perguntar e não responderam. Nalgumas ocasiões questionei o enquadramento de alguns textos mais específicos e.. não responderam. Obviamente que perguntas de leitores devem ter mais do que muitas e, o facto de terem publicado algumas largas dezenas de cartas minhas ao longo de quase dois anos, não me dá nenhum “direito”. Não deixa, no entanto, de ser estranha esta sensação de nos dirigirmos a um “Castelo Kafkiano”.

Em conclusão, se de um dia para o outro deixaram de publicar, é porque, ou todos os textos enviados perderam qualidade relativa, ou porque mudou a “linha editorial”. Também poderia ser por algum tipo de “birra”, mas imagino que o jornal Público não se pautará por critérios dessa natureza.

05 agosto 2005

Eutanásia por opção própria


Depois de Terri Schiavo nos USA, em Março deste ano, vem agora Maria Korp na Austrália trazer para as primeiras linhas da actualidade a inesgotável polémica sobre a eutanásia.

Uma das questões, normalmente sem resposta, e que muito ajudaria a sustentar uma decisão, é o que pensaria e desejaria o próprio. Nessa altura o próprio não está em condições de responder e é um impasse.

Eu acho que se poderia fazer um paralelo com a situação da doação de órgãos. Em Portugal, salvo indicações em contrário, somos todos dadores. Na Alemanha, pelo menos há pouco tempo, era o inverso. Não se podia recolher órgãos do corpo a menos que existisse demonstração expressa da vontade do próprio. Assim, quem quisesse ser dador, tinha consigo, junto ao BI, um outro cartão em que declarava que autorizava a doação dos seus órgãos.

Porque não fazer um cartão idêntico para a eutanásia? “Declaro que em caso de morte cerebral e estado vegetativo sem esperança de recuperação, não desejo que me prolongam a vida artificialmente”. Com esta formulação, ou parecida, passaríamos a ter, a tempo, a resposta que tanta falta faz posteriormente.

04 agosto 2005

Crepúsculo na Terra dos Brinquedos


Pouco tempo depois de ter visto o filme “À procura da Terra do Nunca”, com toda a sua carga de fantasia, do brincar, do crescer e como crescer, sou confrontado com um artigo no New York Times relatando a crise com que se depara a produção e a distribuição dos brinquedos. Grandes cadeias de venda de brinquedos nos USA’s faliram ou estão à venda, como a própria Toys”R”Us.

Por um lado, está o fenómeno designado em inglês por “kagoy” (kids are getting older, younger), as crianças estão a envelhecer mais cedo. Como exemplo, brinquedos que no passado poderiam apelar a crianças até aos 8 anos ou mais, agora não passam dos 5. Em contrapartida, há maior interesse pelas consolas de jogos, Internet e televisão.

Por outro lado, a grande distribuição aposta nas poucas referências com sucesso garantido e apresenta-os, ao lado dos detergentes, a preços de arrasar. A distribuição especializada fica sem espaço.

É obviamente irrealista pretender recusar esta e outras evoluções mas creio que a relação com os brinquedos tem algo a ver com a forma de ser e a formação das gerações. Há brincar e brincar. Carregar em botões para pôr bonecos aos saltos num visor é bastante diferente de fazer construções complexas com o simples tijolo da Lego.

É também verdade que hoje se compram brinquedos muito mais baratos do que há uma dúzia de anos mas todo este cenário tem subjacente a perda de algo. A perda da riqueza e da diversidade da fantasia.

Quem, mesmo adulto, nunca vagueou encantado ao longo de estantes de brinquedos ou ficou deliciado frente a uma montra de um bazar de brinquedos, observando um comboio a andar às voltas, que atire a primeira pedra.

02 agosto 2005

Para onde vai o Partido Socialista?


Eu tinha decidido que este governo era suficientemente credível para ser avaliado com distância e não no taco-a-taco dos comentários e esgrimas diários. Entendi que uma boa parte das medidas estavam na boa direcção e, se havia alguns erros, isso não era demasiado grave. Só conheço dois tipos de infalíveis, os que não decidem e os que não assumem. Também me irritam os comentadores de bancada, para quem o copo nunca está completamente cheio, e sempre prontos a gritar quando uma gota cai fora do mesmo. É infinitamente mais fácil comentar do que fazer.

Há, no entanto, dois factos recentes que me fizeram repensar. Um é a saída de Campos e Cunha. Foi pelo conteúdo ou pela forma? Se foi pelo conteúdo do que ele disse, é grave, porque será muito difícil não concordar com o mesmo. Se foi pela forma, poderá ser mais justificado porque os jornais não são necessariamente os fóruns em que os membros do governo devem introduzir as suas divergências. Dizer aos portugueses que foi por “motivos familiares”, é chamar-lhes burros e, muitos, não o apreciamos. Será que com estas rotações ainda vamos ver Jorge Coelho chegar ao governo?

O segundo facto é à candidatura de Mário Soares à presidência da República. E já nem falo da idade. Falo do significado deste “ó tempo, volta para trás”. E que tempo foi esse! Li recentemente o livro de Rui Mateus que é absolutamente arrasador. Obviamente que tem que ser lido com distância. Foi escrito em circunstâncias especiais, não proporcionando isenção. No entanto, há nele demasiados factos, circunstâncias detalhadas e cópias de documentos para o podermos rejeitar em bloco.
Também me surpreendi muito que a Fundação Mário Soares se tenha posicionado num dos consórcios para o concurso de privatização da Galp. Sabendo que não há almoços grátis, sabendo que a fundação foi criada ainda com Mário Soares presidente da república, os portugueses gostariam de saber qual era o objectivo dessa participação, ainda que proporcionalmente pequena, e qual a origem desses fundos.