Vamos supor que nos idos da década de 60 do século passado, Amália Rodrigues ou Carlos Paredes têm um concerto programado numa sala de Paris e que o mesmo é anulado por questões de segurança, já que um ruidoso movimento contestatário da ditadura e do colonialismo de Portugal exige a o seu cancelamento e ameaça com perturbações da ordem pública, caso se realize. Parece bem?
É delicado avaliar uma ação atual colocando-a num cenário
passado, mas podemos sempre questionar se se justifica cancelar todo um país,
seus cidadãos e artistas, pelas ações do seu governo. Isto vem a propósito do
que assistimos atualmente quanto a Israel. Uma coisa é Netanyahu e a sua
geringonça, outra coisa são os cidadãos do país, alguns abertamente contra as
ações do seu governo e ainda outra serão os judeus espalhados pelo mundo.
Cancelar e mesmo atacar tudo o que cheire a israelita e
judeu é um triste reflexo de uma coisa feia, que pensávamos desaparecida,
especialmente da parte dos movimentos “progressistas”.
Se há quem queira contestar contra o que se passa em Gaza,
está no seu direito, sem dúvida. Agora, não o façam exclusivamente para essa
situação e todos os santos dias. Tentem o seguinte: 2ªfeira pelos
palestinianos, 3ªfeira pelos LGBTs no Irão, 4ªfeira pelas mulheres no
Afeganistão, 5ªfeira pelos Uigures na China, 6ª feira pelas minorias cristãs no
Médio Oriente, sábado pelos curdos na Turquia e domingo pela Ucrânia. Na
2ªfeira seguinte voltam à Palestina ou podem ainda acrescentar alguma situação
em África, onde não faltam também motivos de indignação.
Esta fixação exclusiva nos palestinianos não é simplesmente
humanitária, é política e, pela minha parte, acrescentaria um dia para
protestar contra os financiadores do Hamas e de todos os movimentos que não
buscam de todo algum caminho de paz.