03 setembro 2025

Cancelamentos e indignações


Vamos supor que nos idos da década de 60 do século passado, Amália Rodrigues ou Carlos Paredes têm um concerto programado numa sala de Paris e que o mesmo é anulado por questões de segurança, já que um ruidoso movimento contestatário da ditadura e do colonialismo de Portugal exige a o seu cancelamento e ameaça com perturbações da ordem pública, caso se realize. Parece bem?

É delicado avaliar uma ação atual colocando-a num cenário passado, mas podemos sempre questionar se se justifica cancelar todo um país, seus cidadãos e artistas, pelas ações do seu governo. Isto vem a propósito do que assistimos atualmente quanto a Israel. Uma coisa é Netanyahu e a sua geringonça, outra coisa são os cidadãos do país, alguns abertamente contra as ações do seu governo e ainda outra serão os judeus espalhados pelo mundo.

Cancelar e mesmo atacar tudo o que cheire a israelita e judeu é um triste reflexo de uma coisa feia, que pensávamos desaparecida, especialmente da parte dos movimentos “progressistas”.

Se há quem queira contestar contra o que se passa em Gaza, está no seu direito, sem dúvida. Agora, não o façam exclusivamente para essa situação e todos os santos dias. Tentem o seguinte: 2ªfeira pelos palestinianos, 3ªfeira pelos LGBTs no Irão, 4ªfeira pelas mulheres no Afeganistão, 5ªfeira pelos Uigures na China, 6ª feira pelas minorias cristãs no Médio Oriente, sábado pelos curdos na Turquia e domingo pela Ucrânia. Na 2ªfeira seguinte voltam à Palestina ou podem ainda acrescentar alguma situação em África, onde não faltam também motivos de indignação.

Esta fixação exclusiva nos palestinianos não é simplesmente humanitária, é política e, pela minha parte, acrescentaria um dia para protestar contra os financiadores do Hamas e de todos os movimentos que não buscam de todo algum caminho de paz.

02 setembro 2025

Dust Bowl


O famoso romance de John Steinbeck, “As vinha da Ira”, começa com a partida de Tom Joad e família do Oklahoma pobre e arruinado, para a Califórnia, a suposta terra prometida.

O facto histórico por trás da ruína dos Joad e de muitos agricultores das planícies centrais dos USA, foi uma das maiores catástrofes ecológicas do século XX. A designação inglesa original é “Dust Bowl” e ocorreu nos anos 30 do século passado. Os detalhes do fenómeno podem ser facilmente encontrados na internet (sugiro aqui, donde retirei a ilustração acima).

Resumidamente, a sequencia começou com a instalação de colonos nessas planícies e a sua adaptação a terreno agrícola. Essa alteração arrancou a flora original, de raízes profundas, fundamental para a estabilização dos solos. De seguida vieram longas secas que transformaram o solo fragilizado em pó. Para acabar, ventos fortes arrastaram essa camada de poeira, empobrecendo ainda mais os terrenos e criando nuvens negras que duravam dias e percorriam enormes distâncias, uma catástrofe ecológica, económica e social enorme.

Como é evidente, a causa do problema e respetiva dimensão foi uma intervenção humana desastrada, que a natureza não perdoou… Certo que há 100 anos talvez não se soubesse tanto como hoje e a própria difusão da informação seria mais limitada.

A ocorrer hoje, vai uma aposta 1 x 1 milhão em como a “responsabilidade” seria atribuída às alterações climáticas provocadas pelo efeito de estufa…? Sim, que as há, mas usá-las para desresponsabilizar incompetências e ignorâncias não é bom serviço à causa…

01 setembro 2025

A flotilha da liberdade e respetivas coerências


Vi na televisão uma reportagem sobre a partida da flotilha de Gaza de Barcelona. Para começar, uma espécie de conferencia de imprensa. Quase todos com o keffiyeh, mas aos ombros apenas, não a envolver a cabeça da forma tradicional, talvez para não evocar Arafat, ou não serem acusados de apropriação cultural, ou talvez apenas porque com aquele calor é mais confortável não embrulhar a cabeça. Ignoro se irão propor essa nova forma de utilização às palestinianas de Gaza. A senhora que fazia de pivot (imagem acima) usava também uns simpáticos calções que serão certamente entusiasticamente adotados no destino.

Falou uma senhora, Ada Colau, em catalão, Barcelona oblige, que aparentemente era entendida e aplaudida…Falou também Mariana Mortágua (com o lenço aos ombros, claro), algo enervada. Ou nervosa... não vá, caso chegue a desembarcar, o Hamas descobrir as suas opções de “género”…

No final umas imagens de Greta Thunberg, já a navegar no navio “Family”, registado na Madeira, e que não me pareceu ser de todo neutro em emissões de CO2. Curiosamente nos sites de seguimento do tráfico marítimo, ele aparece neste momento ainda em Barcelona.

Tudo super coerente !