10 dezembro 2019

E o ambiente, pá ?



O ambiente está a passar de causa para religião e, como naquelas religiões onde muitos bons fiéis fazem trinta por uma linha durante a semana e depois se vão purificar na reza semanal, aqui também começamos a ver coisas parecidas.

Que dizer dos ativistas portugueses que se deslocam a Madrid para participar numa manifestação em defesa do ambiente? Que dizer do ator espanhol Javier Bardem que insulta o presidente da camara de Madrid por insensibilidade ambiental, quando ele próprio utiliza uma carripana (ver imagem) equipada com um motor de 5,4 litros e a gastar 17 litros aos 100? Tudo muito coerente, sem dúvida.

Agora descobriu-se que o transporte marítimo gera muito CO2. Sim e o terrestre e o aéreo também. Sim, há e haverá comércio mundial e deslocação de trabalho e de lazer… e de ativistas do ambiente, nem todos em sofisticados veleiros só ao alcance dos muito ricos. Sim, mas, como eu refletia aqui em 2006, fará sentido enviar maçãs da américa latina para a Europa por avião? Faz sentido que na minha zona de residência, fértil, não se encontre no supermercado local cebolas locais, nem sequer nacionais? Não, não faz, eu não compro e até já apresentei reclamação.

Há coisas que fazem sentido, outras não e estou certo de que não é de certeza com este nomadismo ativista e a participação em comícios excitados que a coisa lá vai. Temos muitos hábitos e comodidades que nos custará a abandonar, é certo, mas tem que ser por aí. Pela prática no dia a dia, de forma esclarecida e coerente, não por uma eventual boa consciência de ter ido a uma manif no domingo, mas pela frugalidade quotidiana.

02 dezembro 2019

NIMBY


Não costumo ser “fan” de expressões importadas, mas abro hoje uma exceção para o “Not in my back yard”, a propósito de emissões e de automóveis. A fatura EDP, com o detalhe das fontes de energia utilizadas para o meu consumo, regista 47% com origem não renovável. Imagino que se eu precisar de mais energia, para, por exemplo, carregar um veículo elétrico, será das não renováveis que ela virá, uma vez que o lado renovável já estará a dar a sua máxima contribuição.

Donde que esse veículo não será de forma nenhuma “zero emissões”. Talvez um dia quando as renováveis cobrirem 100% das necessidades e ainda sobrar, aí sim. Obviamente que onde houver uma grande densidade de tráfico, os veículos elétricos serão um excelente contributo para melhorar o ambiente naquele “yard”, ficando as emissões geradas mais longe.

Fico e continuo na ignorância no que diz respeito à comparação entre os dois caminhos para os combustíveis fosseis: entre serem utilizados diretamente num veículo convencional ou queimados em centrais, transformados em energia elétrica, esta carregar baterias e finalmente a energia chegar ao motor. E, por falar em baterias, cheira-me que ainda haverá muitas surpresas desagradáveis com os seus fins de vida. E, por falar em cheirar, cheira-me que o hidrogénio tem potencial para ser um acumulador mais limpo e com ciclos de vida mais previsíveis. E, ainda por falar em baterias, é fixe tê-las num veículo elétrico, mas a exploração do lítio… Not in my backyard!

Com tanto marketing ambiental proforma que, mantendo a exceção linguística do dia, se pode chamar “green washing”... não se ajuda o ambiente.

29 novembro 2019

Sexta-feira negra e o mar amarelo


O Mar de Aral na Ásia central, em tempos o quarto maior lago do planeta, praticamente desapareceu. Para além da redução da água, há contaminações de várias naturezas como pesticidas, fertilizantes e salinidade elevada que, associadas à redução do volume de água, atingem níveis de concentração brutais.

Para lá dos erros, desperdícios e disparates que podem ter aumentado a dimensão da catástrofe, a origem do problema tem um nome: algodão e a sua plantação intensiva.

O mesmo algodão “simpático” para os consumidores, provavelmente presente em muitas peças de roupa que serão compradas nesta 6º feira negra a preços simpáticos, em várias cores. Ou provavelmente a preferência irá para as fibras sintéticas extraídas do petróleo e que talvez um outro dia, não sendo biodegradáveis, acabarão na barriga de uma baleia… ou nos nossos intestinos.

Para lá da origem e da sustentabilidade das fibras usados no têxtil, e aqui mais não digo porque necessitaria de acrescentar uma declaração de interesse, será que não compramos roupa a mais… e o fim de vida do vestuário não está a necessitar gritantemente de ficar um pouco mais circular? Sim, claro, para um futuro menos negro.

McKinsey - Style that’s sustainable: A new fast fashion formula (2016) – Três em cada cinco peças de vestuário deixam de ser usadas ao final de um ano.

Ellen MacArthur Foundation 2018 – Menos de 1% do vestuário é reciclado – Um camião de vestuário é queimado, despejado em aterro ou no oceano, em cada segundo.




28 novembro 2019

Crónica de uma crise anunciada



A TAP é um bom exemplo de uma empresa historicamente cara para os contribuintes e tanto mais cara, quanto mais estatizada for a sua gestão. A TAP é estrategicamente necessária para o país? No tempo das companhias de bandeira, talvez. Hoje, com toda a oferta existente, se ela desaparecer não haverá drama de maior.

Em 2015 foi, mal ou bem ou assim-assim, encontrada uma saída para acabar a prazo com as faturas ao contribuinte, através da sua privatização. Aí muita gente começou a rasgar as vestes pela importância estratégica da empresa, em parte aterrorizada pela possível redução de voos diretos a partir de Lisboa, tão cómodos, especialmente se o contribuinte para isso contribuir.

Em 2016, no âmbito da maré reversiva, o Estado inverte o curso do processo, voltando a ser o maior acionista. Confesso que até hoje ainda não entendi qual foi contrapartida que motivou realmente o sócio privado a aceitar essa redução de participação e de poder.

Hoje, a TAP volta a ser notícia pelos maus resultados, não muito surpreendente dado a histórica correlação dos mesmos com a influência do Estado na empresa e, pior ainda, pela instabilidade acionista. Obviamente que se fosse apenas entre privados, lá se entenderiam com maiores ou menores estragos. Com o peso pesado do Estado no meio, vai uma aposta em como veremos uma solução CCPoC (Com Custos Para o Contribuinte)?

25 novembro 2019

Deveria ser consensual



O 25 de novembro é uma data importante na história recente do país, como muitas outras. Quem quiser ver de perto o que se passou no verão desse ano de 1975, não tem dificuldade em concluir que o caminho em curso era o da não liberdade, da não democracia, do não respeito pelos direitos humanos. Era o caminho para uma tirania, cujos exemplos e experiências, terminaram sistematicamente em várias formas de miséria.

Pela lógica seria, portanto, uma data pacífica e consensual. Não deveria servir de arma de arremesso, ou, se tal fosse tentado, o projétil nada atingiria, sendo disparado no vazio. Surpreende-me e preocupa-me que em 2019 essa data possa ser ainda polémica e que ainda haja projeteis e feridos. Sinceramente, alguém defender o que supostamente se perdeu com o 25 de novembro é muito preocupante. Pelo mais básico respeito pela liberdade e pela legitimidade democrática, deveria ser consensual.

19 novembro 2019

Ser Cultura



Talvez, para alguns, seja maior referência o “Mudam-se os tempos…”, ou o “Cantigas de Maio”, ou “Os Sobreviventes”. Para mim é o “Ser Solidário” e um concerto no Coliseu a acabar mais tarde do que o do último comboio “decente”. E a primeira vez em que vi uma ponte para um fado, decente. E, mais tarde, o reencontro nos “Três Cantos”.

Hoje, certamente, o “FMI” teria uma escuta diferente, não por simpatia pela dita cuja instituição, mas porque … ainda bem que o mês de novembro aconteceu, pela liberdade.

Mas a altura não é para essas considerações. É para recordar e homenagear uma grande figura da cultura portuguesa. E essa coisa da cultura é maior do que o resto.

23 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (II)


Continuação da publicação anterior.

Sobre o aceitar ou não as desigualdades deste sistema, há duas questões a colocar. A primeira é qualitativa – o sistema precisa de ser corrigido na sua essência? e outra é qualitativa – a amplitude e a banda estão corretas?

Quanto à natureza do sistema, e com a necessária abertura de espírito relativamente ao futuro desconhecido, dentro do que se conhece e se imagina hoje, vivemos no pior sistema… com exceção de todos os outros. A falência dos modelos comunitários e igualitários, tentados de várias formas e feitios ao longo de um século, está aí para quem quiser ver. São sistemas que a prazo originam pobreza.

Mas … sim, o Estado deve proporcionar níveis mínimos de decência, dignidade e igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Não vejo discussão sobre a necessidade e justeza do tema…. A ressalvar que não está em causa uma esmola caridosa, mas um contrato com obrigações e direitos de ambos os lados.

Por outro lado, há a questão algo subjetiva da “justiça” na amplitude. É justo que um Diretor Geral ganhe mais do que um operário, mas essa diferença ser 300 vezes superior à média da empresa, já se torna muito questionável. Pode-se argumentar que um excelente CEO (já vale mais, só com esta sigla) é uma pérola rara, sujeita à regulação de uma relação de oferta-procura, que, se assim é paga, é porque merece: “É o preço!”? Não, há situações obescenas e não faltam salteadores de empresas perdidas.

As injustiças na circulação da riqueza não estão apenas nas disparidades dos rendimentos. Algo mais trivial como não pagar impostos e beneficiar dos serviços públicos pagos pela contribuição de outros é injusto, apesar de não existir grande consenso quando à falta de ética desta habilidade. Obviamente que se a utilização dos impostos fosse judiciosa e honesta, seria mais fácil condenar os fugitivos…

Estamos a falar de roubos, no sentido amplo da palavra, quando alguém abusivamente se apropria indevidamente de um valor material, ou priva outro de um direito.

Roubar é crime, certo, e não falta legislação a tipificar roubos. Mas há disparidades e imoralidades para as quais não é tão evidente conseguir um remédio por força de lei. E então? O que não tem remédio, remediado está?

21 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (I)


Ao constatar a disparidade entre os extremamente ricos que ostentam, esbanjam e desperdiçam e os extremamente pobres que não têm pão, teto nem cuidados de saúde, não é difícil constatar a existência de um problema de justiça neste mundo. Obviamente que haverá gente mais rica do que a média por mérito próprio, por terem honestamente gerado a riqueza que possuem e alguns pobres que o são por sua responsabilidade, por não fazerem o mínimo esforço para criar e manter meios decentes de subsistência, que estariam ao seu alcance. Se isto é verdade, também é verdade que a questão não começa nem acaba num “Quem quer bolota, trepa!”.

É relativamente fácil defender uma atitude de ataque, tipo Robin dos Boques, de tirar aos ricos para dar aos pobres, numa ótica de que ladrão que rouba a ladrão tem direito a perdão e, mais do que perdão, terá mesmo obrigação. A necessidade de haver alguma (re)distribuição da riqueza é inquestionável, mas é ingénuo acreditar que tudo se resolve apenas montando e ajustando um franco sistema de vazos comunicantes… até porque o que se distribui não vem de uma nascente espontânea, onde apenas faltaria definir a respetiva repartição.

Numa perspetiva de dinâmica sustentável, que é a de um mundo vivo como o nosso, não se pode falar de riqueza e esquecer a sua criação, porque sem criação, a prazo, acabará por não haver nada para distribuir. E a criação da riqueza envolve iniciativa, riscos e rasgo e… prémio. Sem prémio não haverá criação de riqueza e das tentativas empreendidas sairão sucessos e fracassos. Algumas iniciativas terão muito sucesso, outras pouco, por vezes resultado neutro e muitas provocarão perdas em vez de ganhos.

A incerteza num processo de criação, provocará resultados forçosamente assimétricos, pelo menos na origem.

Aceitamos, portanto, que as desigualdades são uma caraterística intrínseca deste sistema e nada há a fazer? Não – tema para um próximo capítulo.

14 outubro 2019

Os privilégios dos "desprivilegiados"


A História tem mais do que passeios em jardins floridos. Não faltam crimes, abusos e barbaridades que nos interpelam e interrogam como, por exemplo, a escravatura e a segregação racial. Mas uma coisa é reconhecê-lo e lutar contra todas as discriminações reais atuais, outra coisa é o fundamentalismo agressivo e generalizado contra os “brancos”, desclassificados logo à partida pela cor da pele (e se for homem heterossexual, a coisa agudiza-se). Não faltam exemplos e os acontecimentos de 2017 na progressista (?) universidade de Evergreen, nos USA, por um professor ter questionado o princípio de não dever vir à escola num “dia da ausência”, são uma mostra assustadora e grotesca de onde isso pode chegar. Ver documentário aqui.

A facilidade com que alguém é catalogado de racista, humilhado, silenciado e outro alguém se arroga no direito de se dispensar do mínimo de obrigações de respeito pelo seu semelhante, pela justiça e pelo rigor dos fatos, é uma forma de discriminação. Uma discriminação feia, que não fica muito atrás daquela que se pretenderia combater. Em vez de um grupo invocar uma supremacia, baseado numa suposta raça, temos outro grupo arvorando uma suposta superioridade, justificada por um estatuto de “intocável-desprivilegiado”, infinitamente credor por algo que ocorreu há seculos atrás e desmedidamente suscetível relativamente a qualquer coisa que ouça e não goste.

Não sei se poderá chamar a isto uma religião, tem semelhanças, mas não proporciona tolerância, justiça e harmonia entre todos os humanos deste planeta. Um péssimo serviço à causa fundamental.

12 outubro 2019

O problema do populismo


Não faltam demonstrações de desalento e de preocupação pela entrada do “Chega” no Parlamento, um pouco como alguém se lamentar de ter encontrado um rastro de bicho de madeira em casa, potencialmente ameaçador para a saúde de toda a mobília.

O Chega e outros populistas podem efetivamente minar o regime democrático, para lá do que ele já foi minado pelos menos populistas. Se populismo é apresentar aos eleitores receitas falsificadas, todos são maus. Quanto ao extremismo, não encontro nocividade acrescida no ser de direita. Nunca entendi porque se tolera mais Staline, Mao e Fidel do que Hitler, Mussolini e Franco.

O problema da implantação e do crescimento dos populistas não está, no entanto, nas mentiras que dizem; está precisamente nas (algumas) verdades. Os partidos tradicionais demitiram-se de ser sérios. Pelo politicamente correto divorciado da realidade, pelas desonestidades de todo o tipo, pela negação das evidencias e dificuldade em assumir e corrigir as falhas… demasiadas coisas cheiram mal nos habituais inquilinos do poder.

Não é, portanto, difícil apontar meia dúzia de verdades incómodas, para as quais os eleitores estarão recetivos. É fácil, a seguir, enxertar nesse discurso uma dúzia de meias verdades e duas dúzias de mentiras descaradas.

O bicho da madeira aparece porque não se arejou suficientemente a casa. Não se tendo tido o cuidado de manter um ambiente são, não vale a pena agora chorar pelo apodrecimento adicional. Não reconhecer e não tratar a causa fundamental apenas agrava.

09 outubro 2019

Pintar a cara de …


Neste nosso mundo onde há gente morrer de fome, por falta de condições sanitários, carências nos tratamentos de saúde, onde se vivem outras privações significativas e até o futuro do planeta está ameaçado, foi notícia importante a descoberta de uma fotografia antiga de 18 anos, em que o atual primeiro ministro do Canadá, disfarçado de Aladino, aparece com a cara pintada de preto. O próprio veio apresentar as suas desculpas e a mim custa-me a entender o pecado.

Se alguém pinta a cara de negro e ao mesmo tempo, repito, ao mesmo tempo, assume um comportamento grosseiro, estúpido e/ou mal-educado, associando-o à cor da pele, sim, isso é racismo estúpido inaceitável e a condenar, mas apenas e apenas se coexistem a cor e a atitude. Se unicamente assume uma máscara/um personagem que por acaso é negro, custa-me a ver o problema.

Podem argumentar que há um código antigo que associa o pintar a cara de negro a uma atitude depreciativa e racista. Sim, mas vamos construir um futuro baseado nesses códigos caducos? Não estará na altura de assumir que pintar a cara de negro, amarelo, azul, cor de rosa, em xadrez ou às riscas, ou o cabelo de louro ou de verde é isso e apenas isso? Não será preferível ignorar e apagar essas associações, em vez de as recordar e valorizar a este ponto?

Não estará na altura de assumir que o mundo que queremos é um onde “não há cor”, não a valoriza, nem de uma forma nem de outra…? Acredito que sim.

07 outubro 2019

Perda de virgindade?


Para lá do sobe e desce, mais desce do que sobe, dos participantes tradicionais, estas eleições são talvez as primeiras em que se começam a ver sérias fissuras na hegemonia dos que por cá mandam há algumas décadas. Para já ainda não muito quantitativamente, mas, para aí se caminha.

Há a consolidação do PAN, que, beneficiando da exposição do seu singelo deputado na legislatura prévia, passa a ter o privilégio de ser eventualmente relevante na viabilização de uma solução governativa. Está bem que as questões ambientais são uma urgência e uma premência, sem proteção do ambiente não há futuro, mas daí a esta infantilidade que “tudo” passa pela proteção do ambiente e dos animais… ok, temos a ideia do SNS para cães e gatos, uma brutal discriminação relativamente aos ratos, galinhas, pombas, iguanas, pulgas e percevejos... (e sem ser exaustivo…).

Faz sentido as correntes ideológicas do “Livre” e da “Iniciativa Liberal” estarem representados e veremos se esta visibilidade acrescida irá “PANificar” a sua base para as próximas eleições.

Livramo-nos de ficar a chorar com a entrada do RIR e fica para o fim a questão do “Chega”, no que parece ser uma dramática perda de virgindade no país dos brandos costumes… Obviamente que seria apenas uma questão de tempo aqui chegarmos, porque os erros e a desonestidade dos partidos tradicionais, empurraram, empurram e empurrarão parte do eleitorado para “alternativas” diferentes. Apenas demorou mais tempo…

Curioso, curioso é ver a distribuição geográfica da percentagem do “Chega” por distrito. Existirá uma fronteira ali para os lados de Rio Maior?

23 setembro 2019

Ambiente e política, ignorância e hipocrisia



Sobre a necessidade de fazer algo urgentemente sobre a sustentabilidade do planeta, poucos terão dúvidas. Ver nota anterior aqui.

A necessária mudança de hábitos e de modos de vida, uma empreitada tão complexa e gigantesca, obriga a um estudo científico e social detalhado, gerando um plano de ações lógicas, viáveis e eficazes e a serem cumpridas com rigor. Obviamente que de pouco servem as medidas voluntariosas e avulsas do tipo “O ministro quer…”.

O que os políticos querem, no fundo, é ganhar as eleições e tomar o poder. Se, para isso, for necessário assumir que a Terra pode não ser redonda, certamente muitos não hesitarão em fazê-lo, sendo aqui as culpas partilhadas entre o político sem formação e/ou escrúpulos e o eleitor ignorante e/ou estúpido.

Isto vem a propósito do fervor de propostas “pró-ambientais” agora na aproximação das eleições e concretamente o banir a carne da alimentação humana. É fácil estar de acordo que o consumo de carne dever ser reduzido, mas entre fazer uma canja com um frango criado ao ar livre ali na porta ao lado ou consumir peixes originários de uma piscicultura intensiva localizada a uns valentes quilómetros de distância, onde está o impacto ambiental maior…? 


Convém sempre fazer as contas todas e tão ou mais importante do que a natureza do alimento é as voltas que ele dá até nos chegar. Muito mais importante ainda é a quantidade que é ingerida. Frugalidade em cada dose, em cada interruptor e em cada torneira… Assumir uma boa consciência a partir de medidas simplistas que dão belos títulos nas noticias, é ignorância e/ou hipocrisia.

21 setembro 2019

Grande Europa que falha


O grande Airbus A380, o maior avião comercial de passageiros do mundo, doze anos após ter entrado ao serviço, vai deixar de ser fabricado porque não tem encomendas. O conceito comercial não provou. São preferidos aviões mais pequenos para viagens diretas.

Nunca voei em nenhum, apenas visitei a impressionante fábrica do bicho em Toulouse, e é sempre com um certo amargo de boca e tristeza que vemos um esforço brutal como este não ter sucesso. De certa forma análoga, a Europa também já vivera a experiência de um conceito de avião revolucionário que não vingou: o fabuloso Concorde.

Falhar faz parte dos riscos e, deixem-me puxar a brasa para a sardinha deste lado do Atlântico, tem mais mérito arriscar a desenvolver e falhar, do que enxertar de forma mal-amanhada novos motores numa carcaça com mais de 50 anos de conceção, como a Boeing fez com o 737 MAX.

Em 50 anos não encontraram orçamento, nem vontade, nem coragem para refazerem a sério o seu avião mais popular e continuaram a espremer a espremer, até ultrapassar os limites? Sendo relativamente clara a sequência das opções e a ligeireza do caminho tomado (ver aqui), o que mais me interpela agora é: qual o custo que esta poupança da Boeing vai ter? Já nem falo das entregas atrasadas, redução de vendas e de encomendas anuladas. Aqueles aparelhos todos, parados durante meses, sem ainda se saber quando regressam aos céus, geram perdas brutais. Palpita-me que a Boeing irá gastar com advogados muitíssimo mais do que o que poupou com engenheiros (e aqui não há questão de brasas e sardinhas)!

06 setembro 2019

A riqueza da guerra

Para mim e para a maior parte da população europeia, a guerra é uma coisa horrível que vemos nos noticiários, revemos ficcionada em filmes, romances e séries, mas que, sobretudo, apenas imaginamos. Não sabemos o que é mesmo a guerra, o poder morrer estupidamente no segundo seguinte ou ver um próximo cair irreversivelmente ao nosso lado. Podemos tentar imaginar, mas imagino que a imaginação não é suficiente e esperemos que assim continue durante muito tempo.

Os monumentos e as apologias aos bravos que tombaram em combate são uma forma de nos tentar fazer imaginar um sentido, uma glória para algo que não tem nem pode ter glória.

A liderança militar, ou ditatorial, é eficaz. Ninguém imagina um batalhão a realizar um referendo diário para decidir o caminho a seguir. Ou, entre de dois batalhões, um avançar e outro recuar. O seguimento cego e sem contestação das ordens superiores é fundamental para ganhar batalhas. Da não objeção e castração da emancipação de cada um, virá a vitória e o consolo das cerimónias e estátuas.

Há uma economia da guerra. Aquela em que as forças se mobilizam e são dirigidas sem questões nem contestação, maximizando o resultado. A História tem histórias de impérios criados militarmente, eximiamente organizados e extremamente eficazes enquanto na fase da conquista. O problema aparece quando a conquista material deixa de ser suficiente e são necessários outros avanços. Os do conhecimento e os da iniciativa, enraizados em cultura e liberdade.

Tudo isto a propósito de guerra e do declínio da Europa atual? Sim. A ver vamos…