29 novembro 2025

Ainda sobre as vitórias no 25 de novembro

Não resisto em voltar ao tema…

Sabendo que assim como não há maior cego do que aquele que não quer ver, também é difícil desenganar os que aos enganos estão predispostos, mas tento…

Em primeiro lugar quem perdeu foi a esquerda comunista. Aqueles que achavam ser o PREC um bom caminho para um bom destino, perderam e ainda bem. Como se costuma dizer, é possível ser comunista num regime livre, mas é impossível ser livre num regime comunista. E podem agradecer o PCP não ter sido ilegalizado, já que se o desfecho fosse outro, a sorte seria provavelmente diferente para os seus opositores.

Esta data não resolveu tudo, mas fui a última tentativa de intentona e a consolidação da legitimidade democrática, que não é pouca coisa. Na baralhação que se faz agora, até nem se sabe bem quem precipitou os acontecimentos. Umas dúzias de paras descontrolados que deram a desculpa para a direita reagir em força?! Mário Soares seria então na altura de direita? Quero acreditar que se o sucesso tivesse ficado no outro lado, não haveria esta narrativa da orfandade de liderança e saberíamos muito bem quem mandava em quem.

Visitando o que se passava no país nessa altura, era óbvio que alguma coisa teria que acontecer e as relações de poder serem clarificadas. Aqui, no desfecho da clarificação, há a assinalar uma outra importante vitória, que é do bom-senso e razoabilidade que evitaram um banho de sangue. Com toda a tensão existente, armas em circulação e posições extremadas, não faltava nada para se despoletar uma violenta guerra civil. Esta não aconteceu e a sensatez que prevaleceu de todos os lados, foi uma grande vitória da sensatez do povo português, que muitas vidas poupou. Parabéns!

26 novembro 2025

De Miguel para Miguel

Já tinha aqui evocado este Senhor Miguel Unamuno e como o seu nome próprio, comum e associado ao do Cervantes, inspirou o pseudónimo literário do nosso Torga.

Este livro é uma leitura que Unamuno faz ao famoso romance e à personagem imortal e universal de Cervantes, escrevendo como se D. Quixote tivesse sido uma figura real e o outro Miguel o seu biógrafo. Ele lê-nos o livro, interpela o Cavaleiro da Triste Figura e, ao mesmo tempo, interpela-nos a nós e ao seu mundo contemporâneo que, não sendo propriamente idêntico ao de hoje, comporta questões de fundo que nunca perderão uma atualidade gritante. É um livro para ler devagar, por vezes tive mesmo de reler certas passagens para bens as digerir.

O texto que foi acrescentado como introdução, “O Sepulcro de D. Quixote” é das coisas mais fantásticas e bem escritas que já li.

Unamuno escreve muito bem e, para lá disso, mostra-se um fino conhecedor da natureza humana, especialmente naqueles aspetos onde não há séculos que a possam transformar. Um livro verdadeiramente magistral, que jamais se esquece.

A universalidade e a amplitude da leitura de Unamuno são especialmente curiosas pelas pontes que estabelece com várias figuras religiosas, das quais a não menos relevante é o assinalar as semelhanças entre as campanhas de D. Quixote e a vida de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Entre outros paralelos, ambos tudo abandonarem em busca da sua estrela, da sua visão de glória e do seu ideal. De passagem, sobre a universalidade da temática quixotesca, aproveitem para visitar a fantástica interpretação de “La Quete” (A busca) por Jacques Brel, exemplo aqui, e mastiguem bem as palavras.

D. Quixote não é apenas de la Mancha, nem de Espanha, nem do século XVII. É de todos os tempos, de todos os lugares, de todas as gentes que acreditam e não desistem, que são loucas sim, mas pela grandeza das causas e pelo valor da vida.

Deixo duas passagens:

Numa obra de enganos e embustes se condensou, o fruto do nosso heroísmo; numa obra de enganos e embustes se eternizou a passageira grandeza da nossa Espanha; numa obra de enganos e embustes se condensa e compendia a nossa filosofia espanhola, a única verdadeira e autêntica; com uma obra de enganos e embustes chegou a alma do nosso povo, encarnada em homem, até aos mistérios do abismo da vida. E essa obra de enganos e embustes é a história mais triste que jamais se escreveu; a mais triste, sim, mas também a mais consoladora para quantos sabem saborear nas lágrimas do riso a redenção da miserável sensatez a que a escravidão da vida presente nos condena.

 

Mas isso é absurdo, dizeis? E quem é capaz de dizer o que é o absurdo? E ainda que o fosse! Só o que ensaia o absurdo é capaz de conquistar o impossível. Não há outra forma de acertar uma vez no cravo que vibrar cem marteladas na ferradura. E sobretudo, há apenas uma maneira de triunfar verdadeiramente: é arrostar com o ridículo. […]. Sim, o nosso mal está todo na cobardia moral, na falta de coragem para cada um afirmar a sua verdade, a sua fé, e para defendê-la. A mentira envolve e estrangula as almas que habitam nesta casa de borregos amodorrados, estúpidos por obstrução de sensatez.

 

25 novembro 2025

Polémica com o 25 de novembro

Confesso que não estava a planear abordar este tema hoje, até tinha outro texto preparado, mas umas declarações que ontem ouvi a João Ferreira fizeram-me sair do sério. Segundo ele, no 25 de novembro saiam vitoriosas forças não democráticas… e que a data foi um revés para o processo “democrático”. A sério?

Portanto, Conselho da Revolução, pactos MFA-partidos que condicionavam os partidos democraticamente sufragados, cercos à Assembleia Constituinte, mandatos de captura em branco e outros tropelias lideradas por quem nas eleições tinha tido (PCP+MDP+ resto) menos de 20%, isso sim era respeitar a democracia! Ou, para os comunistas, democratas com direitos plenos são apenas aqueles que votam em nós? Os restantes são reacionários. fascistas, lacaios de imperialistas, neoliberais e extrema-direita, todos gente a desqualificar e obstáculos no caminho para a “verdadeira democracia, a nossa”?

Se dúvidas houvesse, nas eleições presidenciais seguintes de 1976 os vencedores (não democratas?) do 25 de novembro (Ramalho Eanes + Pinheiro de Azevedo) tiveram 75% dos votos.

Que os comunistas e a esquerda radical não tenham digerido, nem nunca conseguirão digerir o fim do PREC, entende-se. Que uma parte significativa do PS alinhe nestas histórias deve fazer Mário Soares, e outros socialistas da época, dar umas voltas no túmulo. A origem desta revisão está naturalmente na geringonça Costista, que para alcançar o poder, inventou uma frente de esquerda que de coesão, pelo menos em 1976, tinha muito pouca. Se hoje tem, duvido, pelo menos a nível do eleitorado de base do PS. Que se faça polémica e que tente reescrever a história quem nisso está interessado é um pouco natural. Que não haja uma larga reação a dizer “deixem-se de tretas” e de estórias pseudo-democráticas, isso é que me surpreende.

24 novembro 2025

Debates presidenciais

Se nada me falhou, acima está a lista de debates (duelos?) previstos para as próximas eleições presidenciais, aparentemente 28. Julgo que a partir da dúzia, no máximo, ninguém mais trará nada de novo, para lá, naturalmente, de alimentar os comentários e as sentenças na comunicação social e nas redes sobre quem venceu quem e porquê.

Para lá desta overdose, parece-me que há outro problema. Do que vi e li até agora, fico com dúvidas de que muitos candidatos não saibam ou não queiram saber o que é a função presidencial. A confusão é especialmente proporcionada por André Ventura, que fala como se estivesse a concorrer a primeiro-ministro, pelo menos fala da mesma maneira como falou quando a esse lugar concorria. Não é o único com veleidades legislativas, mas é o mais evidente, até pela sua presença direta nas duas eleições.

O Presidente não governa. Se quisermos uma analogia futebolística, o Presidente é uma espécie de árbitro, que vela para que as regras do jogo sejam cumpridas. Apresentará os amarelos e os vermelhos quando necessário, mas não opina sobre se a tática deve ser 4-3-3 ou 4-1-4-1 ou se o Manuel deve jogar à esquerda ou à direita. O jogo legislativo nasce e é decidido no Parlamento, objeto de outro ato eleitoral.

Estamos a escolher uma pessoa, não um programa. É importante conhecer o que ele pensa, a sua bagagem, a sua resiliência face a situações de tensão, enfim a sua personalidade, integridade e capacidade para cumprir a função a que se candidata. Não o queremos ouvir propor como se poderá resolver os problemas da saúde, da justiça ou da habitação, já que não será sufragado para isso, nem para isso terá poderes. Não me interessa ouvir a repetição fácil dessas cassetes de boas intenções, que pouco acrescentam. Preferiria saber algo sobre pessoa, que livros leu, que filmes prefere e como percepcionou e interpreta acontecimentos históricos relevantes, enfim, a sua cultura, mas o caminho raramente entra por aí e para esse objetivo talvez se dispensassem os 28 duelos.


Atualizado a 29/11 incluindo cópia da publicação no Público.




23 novembro 2025

Rali Lancia e Citroen


Na imagem acima podemos ver um Lancia e um Citroen de rally, respetivamente de meados dos anos 70 e da atualidade. Como é visível entre um DS e um Stratos as diferenças em peso, potencia, conceito, dimensões, etc…são tão abismais que até admira como poderiam partilhar as mesmas provas.  

Uma particularidade a assinalar, o DS estava a terminar a sua carreira e o Stratos a começar. A marca francesa desapareceu deste mapa e a representação do seu grupo ficou entregue à Peugeot com o revolucionário e mítico 205 T16, depois de uma breve passagem, com sucesso, pelas cores da Talbot.

A Lancia, depois de uma cedência temporária do palco à Fiat, viria a brindar-nos posteriormente com outras máquinas de sonho como o 037 e os Deltas, que, quem os viu, não esqueceu. Daí que o anúncio do retorno da marca italiana aos ralis muitos sorrisos gerou.

Passamos à linha de baixo na imagem, há um ponto em comum com a de cima. O Citroen também está de saída e o Lancia está a chegar. A diferença, no entanto, é de que não se trata de dois veículos com muitas diferenças, nem conceptualmente, nem de componentes. O motor até será, grosso modo, o mesmo nestas duas máquinas do grupo Stellantis. O regresso da Lancia é mais o resultado de uma estratégia do grupo que precisa de gerir e promover 14 marcas, do que um projeto nascido algures com plena individualidade. Certamente que o marketing irá “italianizar” a imagem do novo carro e colori-lo de forma a parecer… um Lancia!

Aguardemos para ver qual o sucesso desportivo e até que ponto ele conseguirá capitalizar todo o carisma dos seus antecessores (de nome). Pelo menos, para mim, para já, não deixa de ser Lancia!

21 novembro 2025

Traz-traz, pum ! (vers 3.0)


Num passado em que havia válvulas encaixadas nos circuitos eletrónicos, uma forma de resolver pequenos problemas era dar duas pancadas simultâneas nas laterais, seguidas de uma pantufada no topo.

Com a passagem ao estado sólido, os maus contactos passaram a ser a nível lógico e aí o remédio generalista era desligar, esperar alguns segundos para descarregarem os condensadores e a seguir ligar de novo. Esta receita vers 2.0 tem uma taxa de sucesso assinalável!

Tenho em casa duas colunas da marca Audipro, que se emparelham por wifi. Recentemente o televisor de 16 anos entregou a alma ao criador (japonês), substituído por um sul-coreano e, ao mesmo tempo, também mudei de fornecedor de internet e de router, o que foi stress a mais para o sistema. As colunas ligam-se, emparelham-se, mas a reprodução na secundária é aleatória e fica muda frequentemente.

Contactei o fabricante, indicando nrs de série, esperando que a solução fosse uma atualização de software. Em primeiro lugar, não me queriam responder, por eu não ter guardado os talões de compra, mas mudaram de opinião quando pedi para registarem a minha reclamação no seu sistema de qualidade (costuma funcionar).

Depois de trocadas algumas banalidades, recebi as instruções seguintes:

Tente acionar o interruptor na parte traseira de ambas as colunas durante um período prolongado, desligando e ligando, desligando e ligando, várias vezes.

Se algo ficou "preso", o problema será resolvido após este processo.

Confesso que fiquei muito surpreendido. Ignorava que isto se tratava como um entupimento de canalizações em que se tenta várias vezes, insistindo até a coisa fluir! 😊

19 novembro 2025

Com o senhor Sousa


Pelas práticas habituais na abreviação dos nomes, o senhor devia ser conhecido por José de Sousa, mas, assim como Albuquerque vale mais do que Silva, Sócrates, mesmo em nome próprio, supera de longe o Sousa. Sim, estou a falar de um ex-primeiro ministro que anda há vários anos a destratar e a humilhar a justiça portuguesa, pondo em causa o Estado de direito.

Evoca-se que o nosso código penal é demasiado generoso nas garantias asseguradas aos acusados e que estes com fundos e bons advogados conseguem fazer longas gincanas processuais, fragilizando e destruindo os processos no fundo e nos prazos. Sabemos que um código não se muda num dia, mas quais as iniciativas tomadas, entretanto, para evitar futuras gincanas socráticas? Acha-se que está mal, mas não se avança para corrigir. Falta de capacidade, coragem ou de vontade?

Até que ponto o aparelho judicial faz sempre tudo o necessário para ser eficaz e justo, mesmo com o generoso código existente? Sobre a delirante decisão instrutória de Ivo Rosa nesta operação Marquês, que motivou tanta bondade?

Quando lemos os detalhes da operação Lex e, ainda por cima, vemos um juiz do supremo a ser investigado por um procurador, o tal em tempos nomeado para procurador europeu com um CV adulterado, não ficamos muito tranquilos.

Tudo parece, e o parecer pode ser o que é ou não, existir uma elite que se defende mutuamente à sombra de cartões partidários ou de outra filiação eventualmente mais discreta. Quando este nível não se consegue regenerar e inspirar confiança à população, não sei se virá um ou três sucedâneos de Salazar, mas a prazo uma rutura torna-se inevitável e não será bonito.

17 novembro 2025

Um ativo em 2ª mão


Imaginem que alguém trespassa um stand de venda de automóveis em 2ª mão e diz ao comprador. Têm aí 50 automóveis, que valorizamos a 100 mil euros, mas não sabemos bem o seu estado. Vamos contabilizar a venda a 100 mil euros e se depois os vender por menos, assumimos e pagamos a diferença.

Neste contexto estão a ver o novo proprietário motivado a tentar vender os automóveis pelo melhor preço e obter os 100 mil euros? Claro que não, está pouco preocupado com isso, porque a receita está garantida. Aqui ainda estamos num domínio minimamente honesto.

Se passarmos à desonestidade, então o senhor esperto irá vendê-los a um amigalhaço, ou a si próprio indiretamente, por 20 mil, para depois revender por 80 ou 100, ficando com algum “lucro” no negócio, à custa do inocente que montou este negócio, com todo o risco do lado dele.

Imaginamos agora que não é um simples stand com um stock de automóveis, mas uma instituição financeira com um stock de créditos e de imóveis? Os mesmos riscos estão lá, apenas a escala é diferente. Acrescentemos que o vendedor, o tal que compensa a diferença, é o Estado Português, todos nós?

Será um pouco escandaloso, não? Foi e está a ser o caso da privatização do Novobanco. Estava-se mesmo a ver que isto ia acabar como estamos a ver nas notícias, não?


Atualizado a 30/11/2025 com cópia da publicação no "Público"


15 novembro 2025

Podia ter sido diferente


Por estes dias escutei num dos podcasts do Observador a espantosa vida de Jorge Jardim. Dava um filme de fazer inveja a James Bond, ainda por cima tratando-se de realidade e não de ficção. O homem tinha iniciativa, coragem, habilidade, uma capacidade enorme de viajar, sobrevoar e superar desafios, perigos e dificuldades e, se calhar, alguma falta de “bom-senso”. Ter sobrevivido a tantas peripécias foi questão não só de sorte, mas também.

Uma grande curiosidade é a sua proximidade com Salazar, quando ideologias à parte, a distância de carácter devia ser enorme entre quem corria as quatro partidas do mundo, de todas as formas e feitios, e quem voou uma única vez entre Lisboa e Porto em 1966, dois anos antes de cair da cadeira, não gostou, não repetiu e ir além de Badajoz não estaria ao nível de transpor o Adamastor, mas quase.

Já nos anos 70, Jardim, homem do regime radicado em Moçambique, entende que a guerra colonial não é solução e começa a negociar por contra própria em Lusaca um acordo de independência para a colónia, equilibrado, procurando lugar para todos. Quando Lisboa soube, estupidamente não aprovou…

Veio o 25 de Abril e o novo poder entregou à Frelimo tudo de mão beijada sem condições, nem obrigações e deu no que deu, outro erro de Lisboa. Um padrão infelizmente frequente nas descolonizações, quando os movimentos de libertação são reconhecidos como legítimos e únicos representantes do “povo”, sem pedir opinião ao povo, nem nesse momento, nem depois.

Este ano comemoraram-se 50 anos dessas independências e, mais uma vez, lá vieram os discursos sobre a responsabilidade da herança colonial nas “dificuldades” atuais. Se seguirem a escola do Brasil, daqui a 50 anos Portugal ainda continuará a arcar com a culpa pela miséria e subdesenvolvimento. Há uns tempos Lula da Silva referia que o facto de a primeira universidade brasileira ter sido criada apenas em 1920 (facto contestável) era uma consequência da colonização portuguesa. Considerando que o seu país ficou independente em 1822, esta influência nefasta projetada por 100 anos, parece coisa de feitiço ou magia-negra, que desconhecia ser assim tão poderosa nestas latitudes.

Voltando às nossas colónias africanas, seja em 1973, seja em 1975, as ações e o resultado podia ter sido diferente.

Podemos certamente criticar o racismo e as desigualdades sociais no tempo das colónias. Devemos também reconhecer que o resultado das independências está muito longe de ter constituído uma melhoria das condições de vida para as populações. Voltando ao Eng Jardim e a Moçambique, ver imagens do estado atual do seu Grande Hotel da Beira, é representativo da evolução do país nestes últimos 50 anos.

13 novembro 2025

Também tu BBC ?


Dois altos dirigentes desta empresa pública com imagem e histórico de excelência, num país onde as responsabilidades são assumidas com seriedade, demitiram-se na sequência de uma manipulação na edição de um discurso de Donald Trump. Este, no fundo, agradece o favor que lhe fizeram. Infelizmente não é caso isolado, já que muitos jornalistas decidiram ser cavaleiros de nobres causas, em vez de profissionais de informação. Quem é pago para produzir informação deve produzir informação, em vez de ser ativista pelas suas convicções. Quem compra informação, espera receber informação e não doutrinamento.

Para além de descredibilizarem estes órgãos de informação que, nestes tempos de desinformação fácil e abundante, são mais do que nunca necessários para a sanidade e objetividade na opinião pública, estas cruzadas ideológicas têm um efeito absolutamente oposto pela assimetria evidente e descarada no tratamento dos temas.

Por exemplo, num caso de polícia envolvendo uma “minoria”, esses detalhes factuais são omitidos, para não provocar generalizações abusivas. Noutros casos é promovida a notícia a simples “suspeita de ligações à extrema-direita”.

Por cá as atitudes sobranceiras nas entrevistas a André Ventura não o diminuem, pelo contrário. Acabam por ser uma bênção para o seu projeto de poder. Muitos jornalistas precisam de voltar à escola (não à madraça).


Atualizado em 14/11/2025 com a publicação no "Público".


10 novembro 2025

A angústia da página em branco


A angústia da página em branco é provocada pelo fato de se pegar numa página (ou abrir um documento) precisamente em branco…. O problema é mesmo esse.

É inútil abrir uma página em branco antes de ter algo já alinhavado internamente, com mais ou menos detalhe, mas com força suficiente para encontrar o fio condutor e a ponta por onde pegar e fazer desfilar as palavras (ou o que for) para a página.

Pode depois até ser um pouco como as cerejas… umas puxam as outras.

Ficar a olhar para o branco esperando pela inspiração não adianta muito (pelo menos na minha perspetiva). Olhar para o branco reflete vazio. É como ficar parado no meio de um entroncamento esperando que a espera resolva a questão.

Se é necessário esperar e dar tempo a que coisa amadureça, tem que ser antes,  sem forçar, sem pressa e sem ficar parado no meio da estrada, em frente à página branca.

05 novembro 2025

O que segura Ana Paula Martins?


Pessoas são em muitas circunstâncias a variável fundamental que faz a eficácia e o sucesso das organizações. Especialmente na saúde a dimensão humana é, e em muito, o que faz a diferença, entre o resultado de profissionais competentes, dedicados e humanos e os outros…

Certamente que não é fácil organizar um sistema público de saúde pela sua dimensão e natureza, mas da base ao topo, do operacional à gestão de topo, a chave está nas pessoas, sua atitude e competências… e se fossemos decapitar estruturas por cada erro cometido, não teríamos substituições todas as semanas, mas quase…

Vem tudo isto a propósito da atual ministra da saúde, Ana Paula Martins. Sabemos que os problemas do SNS não se resolvem num mês ou dois e sabemos também que não será mudando de ministro todos os meses que teremos solução, mas… o facto é que do que se vê das suas ações é mudar pessoas, ainda agora mais uma no INEM, que até muda de nome para ANEM.

Não se esperariam milagres da ação da ministra, mas, no mínimo, humildade e alguma solidariedade institucional para com as estruturas de que é responsável. Do que se vê é que, aparentemente, os problemas nunca são da sua responsabilidade direta. Já só falta dizer que a culpa é das pessoas que adoecem quando não devem e das grávidas que vão ao hospital quando não é oportuno. O seu discurso chega a tocar a sobranceria e arrogância, atitude inaceitável para quem é o máximo responsável por um serviço fundamental que o Estado deve prestar à população e que está a falhar demasiadas vezes.

Ana Paula Martins avança não entre os pingos da chuva, mas no meio de uma borrasca sem se molhar e sem se preocupar demasiado com o escrutínio do seu desempenho. Aparentemente terá um sólido guarda-chuva que a protege! Qual será o segredo dessa proteção? Não sei e aqui também não é local para avançar palpites.


Atualizado em 7/11 com publicação no Público, curiosamente suprimindo o parágrafo final, com o detalhe da questão colocada... curioso.



04 novembro 2025

O terceiro trambolhão do projeto comunista


Certamente que existem boas pessoas e muito respeitáveis que acreditam na bondade do sistema comunista. Certamente que haverá outras que, mais do que ser “por”, serão basicamente “contra” o “sistema” estabelecido. Certo também que século e meio depois de Marx ter formulados os seus fundamentos e de diversas aplicações práticas em distintas latitudes, longitudes, meios e culturas, não há um único exemplo de sucesso em termos de prosperidade sustentada e de liberdade das populações. Não vale a pela aqui detalhar e especular relações de causa-efeito entre comunismo e totalitarismo e repressão… o facto é que nunca funcionou.

Portugal pós 25 de Abril foi um alvo para a implantação desse sistema e felizmente a tentativa fracassou. A primeiro escolho foi o resultado das eleições constituintes de 1976 onde, com 91% de participação, o PCP mais o seu satélite MDP/CDE ficaram nos 16%, abrindo caminho à primazia da legitimidade democrática face à chamada legitimidade revolucionária, obviamente não democrática. A vontade livremente expressa do povo apontou a um caminho diferente do que alguns “revolucionários” defendiam.

Em seguida veio o 25 de novembro onde os comunistas entenderam e registaram que aquela tentativa de golpe, falhada, tinha sido a última e que não havia condições para outras iniciativas de tentar “popularmente” deitar a mão ao poder, pela força.

O livro acima representado, muito objetivo e bem fundamentado acaba por evidenciar um terceiro fracasso do comunismo. De assinalar que o período analisado no livro é anterior à passagem do autor pelo ministério da agricultura onde teve intervenção decisiva no encerrar do processo.

Muito interessante no livro é o detalhe das táticas de tomada de poder dos comunistas nesses tempos de transição. Depois, apesar da aparente dicotomia entre malditos latifundiários e desgraçados camponeses, é a importância que largas franjas do sector agrícola nacional, mesmo dos pequenos, teve na contestação às expropriações e coletivização em curso.

Finalmente há a falência do sistema, que definha e vai colapsando à medida que os generosos e indiscriminados apoios públicos desaparecem. Passa a ser necessário produzir mesmo o suficiente para pagar o fim do mês, dificuldade acrescida quando há “trabalhadores” impostos porque o sindicato decidiu. É o terceiro marco da falência do comunismo, o económico. Sobre o resultado possível caso o país não tivesse encontrado energia e determinação para se libertar desse destino, temos o exemplo soviético do Holomodor e da grande fome. Ver aqui

Para acabar e baralhar as conclusões, creio que o único exemplo de coletivização bem-sucedida são … os Kibutizim israelitas.. mas, ok, são gente diferente e, ainda por cima, pouco apreciada pelos atuais defensores dessas teorias.

02 novembro 2025

Temos guerra ?


Ali pelas dunas e beira-mar entre a Apúlia e A Ver-o-mar não faltam sinais destes, que algo me frustram, ao ver os caminhantes a disfrutar de belas vistas e eu resignado a pedalar pelo empedrado da estrada.

Certo que estes passadiços são estreitos, é efetivamente impossível serem partilhados entre caminhantes e "pedalantes" e, em geral, esse convívio nem sempre é pacifico, mesmo quando a largura é maior. Pela minha parte nessas situações a interpelação é mais “com licença”, seguida de “obrigado” do que cheguem para lá e deixem-me passar que vou a abrir. Talvez estes últimos se queiram vingar das tangentes ou dos “ganchos” que os automóveis lhes fazem na estrada, mostrando que naquela "selva" são eles os alfa ….

Seja por lazer, exercício ou para casa-trabalho a bicicleta é uma excelente opção em muitos contextos e agora com a banalização das elétricas os horizontes alargam. Não sei se falta regulamentação ou apenas informação sobre a mesma, mas que estes convívios podiam ser melhorados e mais civilizados, podiam. E, às vezes, nem são necessárias muitas leis e respetiva polícia quando o bom-senso e o respeito tomam o lugar devido.

01 novembro 2025

PS inseguro, positivo para Seguro


Assim como as criancinhas que são obrigadas a comer a sopa toda antes de poderem sair da mesa, a cúpula do PS também se viu obrigada a engolir a candidatura de AJ Seguro antes de poder avançar com a sua vida. Há algumas caretas e JL Carneiro até decretou tolerância de voto para quem se sentir especialmente agoniado com a ementa.

Não penso, no entanto, que tais hesitações no palácio do Rato sejam uma desvantagem para o candidato presidencial. No histórico PS haverá muita gente disponível para votar Seguro e que teria alguma rejeição se o visse apoiado entusiasta e convictamente por Augusto Santos Silva e outros mais dessa cepa. Ver essa fação a fazer caretas é fator positivo e credibilizador.

As autárquicas de Lisboa em que 2 + 2 deram 3 em vez de 5 ou sequer 4, provaram que a “Frente de esquerda” juntando PS e extrema-esquerda pré-eleitoralmente não tem coerência nem recolhe entusiasmos numa grande franja do eleitorado. Não é aí que o PS pode ir buscar "a força". Frentismo é uma especialidade dos comunistas, mas mais na base de domesticar e anular “aliados” do que alargar a base popular de apoio.

Em resumo, a candidatura de Seguro e o resultado que daí virá poderá provocar uma redefinição de forças e proporcionar uma regeneração do partido, já que internamente a partir da cúpula não parece viável. A democracia e o regime democrático agradeceriam. A ver vamos…

Atualizado a 5/11 com inclusão de recorte da publicação no Público.