21 novembro 2016

A responsabilidade dos políticos, revisitada

Este texto meu, de fevereiro de 2004, foi publicado no Público do dia 10 desse mês. Hoje, Alain Juppé, que afinal não morreu, é notícia por ter passado à segunda volta das primárias de direita para as presidenciais francesas.

Caso seja ele a ir a votos, é muito provável que se encontre face a face com Marine le Pen. Depois, o pessoal surpreende-se com as “Trumpices”.

A responsabilidade dos políticos.

A França está em “estado de choque”. O brilhante Alain Juppé, delfim e potencial sucessor de Chirac e presidente do partido no poder foi condenado a 18 meses de prisão com pena suspensa e 10 anos de inelegibilidade. As reacções são curiosas: 10 anos de inelegibilidade para um “eleito” são equivalentes a uma morte cívica e mesmo quase a uma morte civil. A sentença é desproporcionada. Os juízes têm demasiado poder; deveriam ser antes um “serviço público de justiça”. A juíza é de esquerda e é casada com um americano!

Os juízes foram pressionados. Os seus gabinetes foram visitados por empregados de limpeza super-diligentes que, face a uma porta fechada, entraram pelo tecto falso. Mas, se houve pressões, talvez seja motivo para anular o julgamento. É a estupefacção num país em que os políticos têm tradição de inimputabilidade. Que acusa Berlusconi de “fazer leis de auto-protecção” mas que se recusa o tocar no seu próprio presidente da república. O curioso é que por detrás dos comentários parecem não existir dúvidas sobre o facto de a lei ter sido efectivamente violada e que, aparentemente, a responsabilidade deveria chegar ao próprio Chirac. Ao mesmo tempo ignora-se que os juízes se limitaram a aplicaram uma lei votada quase sem discussão pela actual maioria para disciplinar o financiamento dos partidos. […]

Por trás de toda esta problemática, em França e não só, está e continuará a estar o cancro da democracia que é o financiamento dos partidos e o tráfico de influências associado. Que o estado nunca será pessoa de bem enquanto este assunto não for encarado, legislado com isenção, a lei aplicada com rigor e a justiça feita com objectividade. Até lá continuaremos a viver em estados podres.

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