No passado dia 11 de Setembro, cumpriu-se mais um aniversário do golpe de estado que colocou Pinochet no poder no Chile. E voltam as questões recorrentes. Que justiça pode haver para o que se passou há 30 anos e com aquela dimensão? Será que a barbárie que correu a América Latina é assunto definitivamente do passado ou não?
Há quem diga que os anos Pinochet salvaram o Chile da derrocada económica. Independentemente das "asneiras" que Allende possa ter feito, ou pudesse vir a fazer, é um facto que a instabilidade de Allende e a estabilidade Pinochet foram muito mais devidas à política externa dos USA do que a qualquer política interna. Além disso, que importância tem que o indivíduo que espanca tenha os dentes lavados, peça licença antes de bater ou cheire mal e seja um malcriado que insulta? Há coisas para as quais não existe contrapeso que consiga fazer mexer o fiel da balança.
No final dos anos 90 desloquei-me com alguma frequência à Argentina que, sem ter "beneficiado" da projecção mediática que se deu a Allende e a Pinochet, não deixou de ter a sua dose de uma longa e requintada barbárie. Confesso que me emocionava profundamente encarar as fotografias nas paredes de gente real, não dos filmes, de jovens de idade ou de espírito, cujo olhar foi definitivamente fechado, muitos deles única e exclusivamente por terem tido a ousadia de sonhar e falar em mudar o mundo.
Havia um aspecto que me surpreendia no quotidiano de Buenos Aires, ainda antes da grande crise de Dezembro 2001, que era a convivência fisicamente muito próxima de uma elite a viver "como na Europa", com uma grande franja de população que mal sobrevivia. Numa altura em que estava com uns colegas numa cidade da periferia de Buenos Aires lemos nos jornais locais artigos sobre o aparecimento de alguns casos de um tal "hanta virus". Não conhecíamos a doença mas, pelo tom das notícias, parecia feia. Ao perguntar na recepção do hotel lá nos explicaram que era um vírus que aparecia nos ratos com o lixo, no lixo com os ratos, mas que não nos preocupássemos porque era um problema “só dos pobres”. Ainda perguntámos se era contagioso, como se transmitia e responderam-nos que sim e que se transmitia pelo ar. Fomo-nos deitar desejando-nos mutuamente votos de boa noite e de bom vento (e que soprasse na "boa direcção"...).
Não, não estou a insinuar que, se a elite não mudar de atitude, corre o risco de ter, de novo, os seus filhos idealistas com os ossos partidos às mãos de um sargentozinho invejoso nascido junto dos ratos. As grandes tragédias, como os acidentes aéreos, são consequência de um conjunto cumulativo de circunstâncias e os acontecimentos de há 30 anos na América Latina foram principalmente mais um dos cenários da "Guerra-fria". Hoje não há guerra-fria mas os relâmpagos saltam entre nuvens próximas com cargas demasiado diferentes. O risco será tanto maior quanto as nuvens positivas ficarem cada vez mais positivas e as negativas cada vez mais negativas.
Entretanto, nós por cá tudo bem. Estamos melhor organizados. Arranjámos uma organização geopolítica, mais uns acordos de Schengen que cá nos garantem que o vento sopra sempre na "boa direcção". Já imaginaram o que seria a Europa e África juntas no mesmo espaço geopolítico?
Há quem diga que os anos Pinochet salvaram o Chile da derrocada económica. Independentemente das "asneiras" que Allende possa ter feito, ou pudesse vir a fazer, é um facto que a instabilidade de Allende e a estabilidade Pinochet foram muito mais devidas à política externa dos USA do que a qualquer política interna. Além disso, que importância tem que o indivíduo que espanca tenha os dentes lavados, peça licença antes de bater ou cheire mal e seja um malcriado que insulta? Há coisas para as quais não existe contrapeso que consiga fazer mexer o fiel da balança.
No final dos anos 90 desloquei-me com alguma frequência à Argentina que, sem ter "beneficiado" da projecção mediática que se deu a Allende e a Pinochet, não deixou de ter a sua dose de uma longa e requintada barbárie. Confesso que me emocionava profundamente encarar as fotografias nas paredes de gente real, não dos filmes, de jovens de idade ou de espírito, cujo olhar foi definitivamente fechado, muitos deles única e exclusivamente por terem tido a ousadia de sonhar e falar em mudar o mundo.
Havia um aspecto que me surpreendia no quotidiano de Buenos Aires, ainda antes da grande crise de Dezembro 2001, que era a convivência fisicamente muito próxima de uma elite a viver "como na Europa", com uma grande franja de população que mal sobrevivia. Numa altura em que estava com uns colegas numa cidade da periferia de Buenos Aires lemos nos jornais locais artigos sobre o aparecimento de alguns casos de um tal "hanta virus". Não conhecíamos a doença mas, pelo tom das notícias, parecia feia. Ao perguntar na recepção do hotel lá nos explicaram que era um vírus que aparecia nos ratos com o lixo, no lixo com os ratos, mas que não nos preocupássemos porque era um problema “só dos pobres”. Ainda perguntámos se era contagioso, como se transmitia e responderam-nos que sim e que se transmitia pelo ar. Fomo-nos deitar desejando-nos mutuamente votos de boa noite e de bom vento (e que soprasse na "boa direcção"...).
Não, não estou a insinuar que, se a elite não mudar de atitude, corre o risco de ter, de novo, os seus filhos idealistas com os ossos partidos às mãos de um sargentozinho invejoso nascido junto dos ratos. As grandes tragédias, como os acidentes aéreos, são consequência de um conjunto cumulativo de circunstâncias e os acontecimentos de há 30 anos na América Latina foram principalmente mais um dos cenários da "Guerra-fria". Hoje não há guerra-fria mas os relâmpagos saltam entre nuvens próximas com cargas demasiado diferentes. O risco será tanto maior quanto as nuvens positivas ficarem cada vez mais positivas e as negativas cada vez mais negativas.
Entretanto, nós por cá tudo bem. Estamos melhor organizados. Arranjámos uma organização geopolítica, mais uns acordos de Schengen que cá nos garantem que o vento sopra sempre na "boa direcção". Já imaginaram o que seria a Europa e África juntas no mesmo espaço geopolítico?
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