14 setembro 2025

Não está fácil


Depois de ter saído há 2 semanas de Barcelona, para uma viagem de 2 semanas até Gaza e 2 semanas passadas, o histórico do navio principal da flotilha, “Family”, é: voltou a Barcelona, esteve em Menorca, esteve ao largo de Tunes e agora está há uns dias acostado em Bizerte, conforme mostra o site de seguimento de navios. Na imagem satélite, a zona turística contígua parece simpática.

Esperemos que os mantimentos transportados tenham prazo de validade suficientemente longo…

Ligeireza ou má-fé

 

Penso ser absolutamente evidente para quem intervém no espaço público que a preocupação com o rigor fatual do que se diz/escreve é diretamente proporcional à qualidade da intervenção, além de uma certa irreversibilidade, uma vez publicado, jamais completamente apagado.

Hoje, com escassos segundos num motor de busca pode-se esclarecer, detalhar e precisar “tudo”, haja vontade. Neste meu espaço, que não tem a dimensão nem a responsabilidade do de um partido político, é muito frequente por trás da janela de edição de texto, estar simultaneamente aberta a de um motor de pesquisa, para confirmar qualquer ponto em dúvida.

Tudo isto vem a propósito dos propósitos do senhor da imagem sobre a viagem do nosso PR a um festival de hambúrgueres. Se a viagem lhe “cheirava” a despropositada, só tinha que se ir informar, até para fazer uma intervenção mais esclarecida e eficaz. Se não se lembrou de o fazer, é incompetente; se achou que era irrelevante confirmar, o importante era fazer fogo, não é sério…

Quando foi confrontado com o caricato da sua figura, ainda conseguiu atirar a culpa para a falta de um trema e que se não era por esta, era pelas outras, dado que o PR tinha feito 1500 viagens. Mais uma em que não foi ao Google, parece que o número real tem um zero a menos…

Se se propõe limpar Portugal, pode começar por limpar do seu mapa estas faltas de honestidade intelectual…. É uma vergonha, senhor deputado.


12 setembro 2025

Olhando o Islão (IV)


4) A hégira e a dimensão bélica

Maomé começa a pregar a “nova” religião e o Deus único em Meca em 613.  Como é natural estes “novos” movimentos criam sempre alguma instabilidade social e em geral não são bem aceites pelos poderes instituídos, que os vêm como um desafio ao seu estatuto.

Durante algum tempo Maomé beneficia de proteção no xadrez tribal de Meca, mas acaba por a perder e ficar exposto e em perigo. Assim em 622 ele e os seus companheiros fogem para a cidade de Medina. É a Hégira (fuga) e marca o início do calendário muçulmano. O nosso 2025 não corresponde, no entanto, a 1403 (2025-622) mas sim a 1447, dado o tempo islâmico ser contado em ciclos lunares, que não dividem perfeitamente o ciclo solar. Todos os anos ficam a faltar cerca de 11 dias. As festas religiosas islâmicas e as datas em geral deslizam ao longo do ano solar.

Numa primeira fase, Maomé alia-se aos habitantes de Medina e instala-se uma guerra aberta entre as duas cidades. Na guerra há mortos, feridos, saques, prisoneiros, covardias, heroísmo e muitas coisas mais. O Corão revelado durante esta fase de Medina tem uma pendente beligerante muito forte. Vai servir de base e inspiração aos jihadistas de todos os tempos.

Os atritos com os judeus de Medina acumulam-se, dada a relutância destes em aceitarem a conversão. Em 624 a tribo judaica de Medina, os Banû Qurayza, é “julgada” e exterminada por se ter recusado a participar na batalha da Trincheira. Na base da condenação, o facto de serem traidores potenciais. Nada fizeram, mas supostamente estariam preparados para fazer. Todos os homens são executados, mulheres e crianças escravizadas.

É no mesmo ano que a direção das preces é mudada de Jerusalém para Meca.

Os capítulos do Corão, suras, revelados nesta fase de Medina incluem uma dimensão bélica e de vingança contra os infiéis de Meca, com apelos diretos à guerra e morte. Alguns exemplos:

Corão 2.191 – E matai-os, onde quer que os acheis, e fazei-os sair de onde quer que vos façam sair. E a sedição pela idolatria é pior do que o morticínio. E não os combateis nas imediações da Mesquita Sagrada, até que eles vos combatam nela…

Corão 9.5 -   Mas quanto os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho.

A guerra corre de feição a Maomé e Meca é conquistada pelos muçulmanos em 630. Em 632 Maomé morre controlando já a totalidade da península arábica.

Todos estes fatos têm que ser analisados face ao local e ao tempo onde ocorreram, mas é inquestionável que o apelo à morte dos infiéis existe bem explícito no Corão.

Quando face a algumas barbaridades atuais ouço dizer que “Isto não tem nada a ver com o Islão, o Islão é uma religião de paz e amor”, fico a pensar. Ou quem o declara não sabe o que diz e devia abster-se de o dizer assim em palco, ou sabe e é mais grave. Enganar infiéis não é “pecado”. Os jihadistas ao ouvirem afirmações destas, por parte de quem sabe o que está a dizer, podem interpretá-lo como uma validação indireta dos seus atos violentos.

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Um Escárrio


A nomeação de Vítor Escária para diretor do ISG parece noticia de 1 de abril, dia dos enganos. Certo que ele ainda não foi condenado a nada, mas que cidadão integro e transparente esconde milhares de euros no seu local de trabalho, já não referindo a falta de respeito pelo local específico onde isso ocorreu.

Uma instituição de ensino superior deverá ter superiores exigências quanto à sua reputação e credibilidade, coisa que não está aqui evidente, a menos que o objetivo seja transformar a mesma em Instituto Superior de Gestão do Lóbi, com especialidade em gestão de dinheiro vivo. Será que o Pagamento ao novo diretor também circulará transportado em caixas de vinho. Qual o valor de Vítor Escária? O seu silêncio?

Estou a imaginar uma pergunta de um teste elaborado pelo Doutor Escária no seu domínio de especialidade: “Indique e justifique as situações em que é vantajoso manter dinheiro vivo escondido”. Fico muito curioso em conhecer as eventuais respostas.

Tudo isto cheira tão mal, que até dá vómitos.



Atualizado em 14/9 com o recorte da publicação no "Público". Sendo curiosamente retirada a interrogação quanto ao valor de Vitor Escária estar eventualmente no seu silêncio...!

11 setembro 2025

Olhando o Islão (III)


3) Diferenças entre as três religiões do “Livro”

O Islão e o Cristianismo partilham os mesmos alicerces, o Judaísmo, mas o contexto em que se desenvolvem e a personalidade dos seus profetas principais dão origem a dois edifícios muito distintos.  O que é que os distingue, para lá do dia santo judeu ser sábado, dos cristãos domingo e dos muçulmanos sexta-feira?

A Bíblia e a Tora são também livros sagrados para o Islão, mas supostamente incompletos, e os muçulmanos deverão evitar a sua leitura, para não se baralharem.

Na primeira fase, o Islão tem Jerusalém como cidade-farol, como as outras duas religiões. Jerusalém é a “Meca” inicial, para onde são dirigidas as preces. Só mais tarde mudará para Meca, Meca. O carácter sagrado de Jerusalém para os muçulmanos é devido precisamente a estas raízes comuns. Supostamente Maomé foi uma vez teletransportado para lá e daí, de onde é hoje a cúpula do rochedo, onde Abrão terá sacrificado o carneiro, subiu em visita ao Céu…

Para um muçulmano, ser cristão é sofrer de uma espécie de deficiência, atraso… porque ficar numa religião mais antiga, se existe outra, mais recente e mais completa? É mesmo assim?  O Islão engloba todos os princípios do cristianismo e acrescenta algo, espiritualmente falando? Para mim, objetivamente, não.

Convém recordar que apesar da base judaica do Cristianismo, ele vai metamorfosear-se para uma postura de tolerância, perdão e humanismo. “Todo o homem é meu irmão”; “Oferecer a outra face…” e, muito relevante, o “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”. Nada disto passou para o islamismo, que se mantém no rigor castigador do Deus impiedoso do Antigo Testamento.

Há mesmo uma passagem explicita, no Corão. Numa família judaica de Meca é identificado um caso de adultério. Conforme os códigos em vigor, o castigo será a delapidação da mulher. A família, no entanto, com pouca vontade de o aplicar e sabendo que há uma evolução da sua religião em que a mulher pode ser perdoada, faz questionar Maomé, na esperança de que uma conversão possa salvar a senhora. Infelizmente, para ela, Maomé confirma que no Islão esse código se mantém em vigor.

Quando se tentam mostrar as diferenças entre o Islão e as outras duas religiões do livro, evoca-se principalmente o episódio de Abrão, do sacrifício do filho e a troca pelo carneiro. Nas duas primeiras o filho é Isaque e no Corão é Ismail. Muda algo de fundamental? Entendo que não.

Relativamente às diferenças entre o Islão e o Judaísmo, excluindo a dimensão regulamentar, o que se pode fazer e o que é proibido, aliás com muito em comum, quais as diferenças na dimensão básica, espiritual… é um tema ao qual não sei responder, mas que suponho muito sensível.

Existem vozes, dentro do mundo muçulmano, algo críticas relativamente aos rigores regulamentares, alguns anacrónicos, interrogando e questionando os que querem transformar/transformaram a sua religião num catálogo de proibições. Não será por aí que ela acaba por se diferenciar…?

O que é certo é que apesar do que existe em comum, o Islão posiciona-se num não como uma religião diferente, mas superior às outras duas, que serão versões incompletas. Isto justifica algumas posições de não reciprocidade ainda na atualidade.

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Recentemente Chegado ?


O senhor acima representado chama-se Eduardo Teixeira e foi durante algumas décadas figura de proa do PSD em Viana do Castelo e no Alto Minho.

Chegou a deputado por esse partido em duas legislaturas (2011 e 2019). Apresentou-se à liderança da Câmara Municipal de Viana por duas vezes, sem conseguir entusiasmar nem convencer o povo.

Em 2024 passou para o Chega, entrando de novo para o Parlamento, para outra bancada, feito que repetiu nas últimas legislativas. Agora vai ser candidato de novo à Câmara de Viana, pelo seu novo partido.

Antes de mais, este e outros apresentarem-se ao eleitorado para 4 anos no Parlamento e escassos meses depois, já estarem de potencial saída para outro “combate” eleitoral, é defraudar os eleitores. Não é caso único, infelizmente…

Depois qual a “mudança” que este senhor se propõe realmente trazer, para lá da cor das bandeiras nas arruadas? Do pouco que o ouvi, não vi nada de novo nem entusiasmante…

08 setembro 2025

Olhando o Islão (II)

2) O Islão de Moisés e de Abrão

Qual é a religião, qual é ela, que tem um único Deus, omnisciente, omnipotente, criador do Céu e da Terra, descansando ao 7º dia, depois proclamado por Abrão e Moisés, numa história em que houve um Adão e uma Eva, um dilúvio e uma arca de um Noé, um Lot e a destruição da cidade dos pecadores, o sacrifício de um filho, trocado à última hora por um carneiro, uma travessia do mar Vermelho, etc… ?

Se acham que sabem, esperem… Sim, é o Cristianismo que todos conhecemos mais ou menos, é também o Judaísmo que serviu de alicerce ao primeiro e… é o Islão.

O Islão é mais uma religião de Abrão e Moisés. Se pedirem a um Cristão que faça um resumo do Antigo Testamento e o mostrarem a um muçulmano, ele identificará os personagens e a história como islâmicos. Até Cristo aparece no Corão, se bem que apenas como mais um importante profeta, cuja particularidade fica pela gestação milagrosa.

Maomé apresenta-se como o último e mais importante profeta de Deus/Alá. Os cristãos e os judeus não são membros de uma outra religião, mas da mesma, apenas num estádio mais atrasado. Diríamos que com a missa a metade…

Maomé explica, dividindo os homens em três grupos. Os bons muçulmanos que cumprem todos os preceitos, o reconhecem como o profeta mais importante e que no juízo final terão tudo de bom; os pagãos politeístas que verão a coisa mal pintada quando chegar a altura (e não pensem que vão enganar Alá com historinhas, porque este sabe tudo e tem lá a folha toda…) e os cristãos e judeus. Para estes últimos ele diz, vocês estão certos em reconhecer Alá, o Deus único, mas … atualizem-se e reconheçam-me!

Daqui existir um histórico de uma certa tolerância, com um preço, é certo, com que estas duas religiões foram aceites ou toleradas no mundo islâmico. Havia a esperança de que um dia acabassem por realizar a tal atualização.

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06 setembro 2025

Onde a eletrónica não chega


Há umas boas dúzias de anos, alguém me explicava como tirar uma fotografia “a sério”. Vais com o fotómetro à cena e medes a luz. Arbitras a focal e considerando a sensibilidade do filme, consultas uma tabela para ver qual a abertura correspondente, para uma exposição correta e ajustas a máquina para esses valores. Olhas pelo visor e rodas o anel de focagem até teres a máxima nitidez onde a queres ter. Enquadras e disparas! Ufa..

Desde esses tempos, muita coisa evoluiu e se automatizou, tanto que para uma larga maioria das fotografias, basta a última frase: Enquadrar e disparar… Certo que em circunstâncias especificas dá jeito “ajudar” a máquina a entender o que pretendemos em termos de exposição ou focagem, mas elas estão cada vez mais inteligentes e até tentam adivinhar se queremos modo paisagem ou retrato, por exemplo.

Hoje, é bastante difícil não ter uma foto tecnicamente perfeita, dentro dos limites do equipamento, naturalmente. Focagem automática, equilíbrio de brancos (tirar a cor da iluminação, caso não branca, da cor das coisas) e gama dinâmica (quando uma imagem é demasiada contrastada para ter simultaneamente detalhe nos escuros e claros não queimados), são tudo coisas que deixaram de ter história e necessidade de intervenção manual

Até a redução de ruído, quando temos “grão” na imagem, porque o fraco sinal não é visto de forma homogénea por todo o sensor, e que começou por ser grosseiras pinceladas um pouco borratadas quando vistas de perto, passou a ser muito mais fino e eficaz. Dizem que com a ajuda da IA.

Há, no entanto, uma coisa física em que a eletrónica não resolve. A filtragem da polarização. A luz é uma onda que se propaga. Quando, analogamente, sacudimos uma corda, podemos gerar ondas horizontais ou verticais. Isso serão diferentes polarizações. Se fizermos essa corda passar por uma grelha vertical, por exemplo, as ondas verticais passam e as horizontais são bloqueadas e vêm para trás… entendido até aqui? (senão google 😊)

A luz do sol, que não tem polarização preferencial, em certas circunstâncias, ao ser refletida, a reflexão é polarizada (só com uma única direção de “oscilação”). Se fizemos passar essa luz por uma “grade ótica”, que corta uma dada direção, e rodarmos a grade até chegar à direção especifica em causa, essa luz não passa.

Um exemplo dessa reflexão é na água. Se colocar um “filtro polarizador circular” em frente da minha objetiva e o rodar corretamente, posso fotografar os peixinhos no fundo de uma poça de água, mesmo que os meus olhos ao olhar diretamente apenas vejam a luz espelhada à superfície. A imagem acima é um exemplo de duas fotos no mesmo local, com a polarização aberta e fechada.

Outro caso, muito interessante, tem a ver com o céu. O azul que vemos, não é a cor do mesmo, é o resultado da sua iluminação pela luz do Sol. Ao final do dia, noutras condições, até vai para os vermelhos. Há uma componente refletida, resultando num céu mais esbranquiçado … e que é polarizada! Se bloquearmos essa componente através do tal filtro, vamos ver um céu de um azul muito mais escuro e bonito…

Acho que os algoritmos ainda não conseguem fazer isto!


 

05 setembro 2025

Olhando o Islão (I)

1) Introdução

Em setembro de 2006 fui de bagagens (e sem armas) instalar-me na Argélia, por motivos profissionais. Para lá de todas as diferenças culturais e sociais, havia algo marcante e preocupante. O histórico brutal de violência da década anterior, associada ao terrorismo islâmico. Mais tarde, compreendi ser um puzzle com mais peças.

Um risco diferente, menos conhecido, é sempre percepcionado com mais intensidade e inquietação. Naquela altura, os islamistas matavam uma a duas pessoas por mês, sobretudo membros de forças miliares ou de segurança, em zonas remotas, afastadas dos grandes centros urbanos. Na estrada morriam dez por dia, alguns ao nosso lado. Onde estaria o risco mais elevado, avaliando objetivamente?

Acreditando que as religiões têm na sua génese uma certa busca de harmonia e de bom viver e que a violências praticadas sob essas bandeiras eram degenerações e manipulações dos princípios fundamentais, como as nossas pouco cristãs cruzadas, quis crer que a violência islâmica seria também um desvio dos fundamentos daquela religião.

Decidi, portanto, estudar o Islão. Caso tivesse a infelicidade de ver uma faca encostada ao pescoço por ser um infiel, caso tivesse tempo e canal de comunicação, poderia procurar convencer o agressor de que ele não estava a seguir coerentemente os princípios da sua religião… Poderia não existir um simples e direto “Não matarás!”, mas certamente algo análogo haveria de encontrar.

Li inúmeros artigos, ensaios, livros de opinião e históricos e, naturalmente, o Corão. Aprendi muita coisa e para uma delas, fundamental, não deveríamos sequer precisar de muitos livros para a saber: “A realidade nem sempre coincide com o que a ignorância imagina”.

Por vezes, no desconhecimento, avançamos algumas hipóteses e especulações, conforme as nossas ideias pré-concebidas e simpatias e acabamos por nos convencer da alta probabilidade de na realidade ser assim, como imaginamos, mas…

Devo esclarecer que conheci nesses tempos dezenas, para não dizer centenas, de muçulmanos e que nenhum me incomodou, insultou e, muito menos, ameaçou ou agrediu. Ações de proselitismo também foram muito raras. Recordo muito boa gente, por quem tenho todo o respeito e estes textos não os pretendem atingir ou diminuir de nenhuma forma. 

O que “causa um problema” e pretendo de certa forma esclarecer e denunciar são as mentiras e as manipulações, assim com as tentativas de condicionar a sociedade e restringir liberdades. Acredito que muitos muçulmanos estarão certamente de acordo comigo.

Sobre este título, irei publicando alguns factos que aprendi, não imediatamente de rajada. Fica feita a introdução. 

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04 setembro 2025

Não podia…

 

Longe de mim avançar nesta fase com suposições ou conclusões sobre a tragédia ocorrida com o funicular da Glória em Lisboa ontem.

Algumas coisas podem ser afirmadas. A primeira é que isto “não podia” ter acontecido. Não sabemos se foi a manutenção mal especificada, mal contratada ou mal realizada, ou outra coisa, mas este acidente não é consequência de algum fenómeno de “força maior” ou, já agora, das alterações climáticas, que têm as costas largas. É uma tragédia vergonhosa.

Este acidente é consequência de falha humana e não de uma única, uma não seria suficiente. Esta desgraça é um triste exemplo do estado maltratado e malcuidado de tanto equipamento e património do Estado. São as escadas rolantes do Metro que avariam, é o navio patrulha da Marinha que não navega como devia, são os Canadair contratados que não voam, é o Siresp que funciona às vezes… e só não mais acrescento por não me lembrar ou não aparecerem nas notícias, tão pouco se tornarão noticias relevantes.

Certo que nem todas as avarias se transformam em vítimas mortais nesta escala, mas isto é o retrato deste país, que faz de conta funciona, até a realidade brutalmente  provar o contrário…

A propósito… parece que a organizar Web Summits somos espetaculares!!!


03 setembro 2025

Cancelamentos e indignações


Vamos supor que nos idos da década de 60 do século passado, Amália Rodrigues ou Carlos Paredes têm um concerto programado numa sala de Paris e que o mesmo é anulado por questões de segurança, já que um ruidoso movimento contestatário da ditadura e do colonialismo de Portugal exige a o seu cancelamento e ameaça com perturbações da ordem pública, caso se realize. Parece bem?

É delicado avaliar uma ação atual colocando-a num cenário passado, mas podemos sempre questionar se se justifica cancelar todo um país, seus cidadãos e artistas, pelas ações do seu governo. Isto vem a propósito do que assistimos atualmente quanto a Israel. Uma coisa é Netanyahu e a sua geringonça, outra coisa são os cidadãos do país, alguns abertamente contra as ações do seu governo e ainda outra serão os judeus espalhados pelo mundo.

Cancelar e mesmo atacar tudo o que cheire a israelita e judeu é um triste reflexo de uma coisa feia, que pensávamos desaparecida, especialmente da parte dos movimentos “progressistas”.

Se há quem queira contestar contra o que se passa em Gaza, está no seu direito, sem dúvida. Agora, não o façam exclusivamente para essa situação e todos os santos dias. Tentem o seguinte: 2ªfeira pelos palestinianos, 3ªfeira pelos LGBTs no Irão, 4ªfeira pelas mulheres no Afeganistão, 5ªfeira pelos Uigures na China, 6ª feira pelas minorias cristãs no Médio Oriente, sábado pelos curdos na Turquia e domingo pela Ucrânia. Na 2ªfeira seguinte voltam à Palestina ou podem ainda acrescentar alguma situação em África, onde não faltam também motivos de indignação.

Esta fixação exclusiva nos palestinianos não é simplesmente humanitária, é política e, pela minha parte, acrescentaria um dia para protestar contra os financiadores do Hamas e de todos os movimentos que não buscam de todo algum caminho de paz.

Nota adicional em 5/9, para os cépticos quanto à seletividade politica destas contestações. Qual foi a atividade destes ativistas quando, para combater o "Estado Islâmico", Al-Assad e Putin bombardearam e massacraram populações civis? As bombas russas sobre Aleppo eram mais humanitárias do que as de Israel sobre Gaza?

02 setembro 2025

Dust Bowl


O famoso romance de John Steinbeck, “As vinha da Ira”, começa com a partida de Tom Joad e família do Oklahoma pobre e arruinado, para a Califórnia, a suposta terra prometida.

O facto histórico por trás da ruína dos Joad e de muitos agricultores das planícies centrais dos USA, foi uma das maiores catástrofes ecológicas do século XX. A designação inglesa original é “Dust Bowl” e ocorreu nos anos 30 do século passado. Os detalhes do fenómeno podem ser facilmente encontrados na internet (sugiro aqui, donde retirei a ilustração acima).

Resumidamente, a sequencia começou com a instalação de colonos nessas planícies e a sua adaptação a terreno agrícola. Essa alteração arrancou a flora original, de raízes profundas, fundamental para a estabilização dos solos. De seguida vieram longas secas que transformaram o solo fragilizado em pó. Para acabar, ventos fortes arrastaram essa camada de poeira, empobrecendo ainda mais os terrenos e criando nuvens negras que duravam dias e percorriam enormes distâncias, uma catástrofe ecológica, económica e social enorme.

Como é evidente, a causa do problema e respetiva dimensão foi uma intervenção humana desastrada, que a natureza não perdoou… Certo que há 100 anos talvez não se soubesse tanto como hoje e a própria difusão da informação seria mais limitada.

A ocorrer hoje, vai uma aposta 1 x 1 milhão em como a “responsabilidade” seria atribuída às alterações climáticas provocadas pelo efeito de estufa…? Sim, que as há, mas usá-las para desresponsabilizar incompetências e ignorâncias não é bom serviço à causa…

01 setembro 2025

A flotilha da liberdade e respetivas coerências


Vi na televisão uma reportagem sobre a partida da flotilha de Gaza de Barcelona. Para começar, uma espécie de conferencia de imprensa. Quase todos com o keffiyeh, mas aos ombros apenas, não a envolver a cabeça da forma tradicional, talvez para não evocar Arafat, ou não serem acusados de apropriação cultural, ou talvez apenas porque com aquele calor é mais confortável não embrulhar a cabeça. Ignoro se irão propor essa nova forma de utilização às palestinianas de Gaza. A senhora que fazia de pivot (imagem acima) usava também uns simpáticos calções que serão certamente entusiasticamente adotados no destino.

Falou uma senhora, Ada Colau, em catalão, Barcelona oblige, que aparentemente era entendida e aplaudida…Falou também Mariana Mortágua (com o lenço aos ombros, claro), algo enervada. Ou nervosa... não vá, caso chegue a desembarcar, o Hamas descobrir as suas opções de “género”…

No final umas imagens de Greta Thunberg, já a navegar no navio “Family”, registado na Madeira, e que não me pareceu ser de todo neutro em emissões de CO2. Curiosamente nos sites de seguimento do tráfico marítimo, ele aparece neste momento ainda em Barcelona.

Tudo super coerente !

31 agosto 2025

Ser comunista (VII)

 7)       Para finalizar

Divórcios entre princípios apresentados e práticas desenvolvidas não são uma raridade na cena política. No caso dos comunistas é um pouco diferente, na medida em que eles defendem princípios falidos e ao mesmo tempo apoiam degenerações da aplicação dos mesmos, numa espécie de círculo quadrado.

Ser-se hoje comunista é um exercício mais de “ser contra” o mundo ocidental liberal e democrático do que “ser a favor” de uma teoria e práticas coerentes.

Frequentemente o inimigo dos inimigos é declarado amigo ou aliado. Vemos isso no apoio e simpatia de certa esquerda para regimes brutais, em várias latitudes, irmanados de um objetivo comum, o de destruir o regime liberal ocidental.

Um grande problema pode chegar, no entanto, no dia seguinte e um bom exemplo é o do Irão. A esquerda aliou-se aos islamistas para destituir o Xá, pró-ocidental, tiveram sucesso, mas, uma vez os islamistas no poder, a vida não foi fácil nem longa para os comunistas. Poderia ser uma boa lição para algumas sintonias que vemos atualmente entre chamados progressistas e notórios obscurantistas.

Não tenho simpatia por xenofobismos, racismos ou autoritarismos arrogantes, mas acho curioso que aqueles movimentos que já provaram e assumiram práticas antidemocráticas se queiram erguer em baluartes na defesa da democracia contra os perigos da extrema-direita. Não, não é por aí que fico tranquilo.

O que é exatamente ser comunista, hoje? Não sei!

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30 agosto 2025

Ser comunista (VI)

 6)       O nosso PCP

Durante o Estado Novo, o PCP foi uma das forças mais bem organizadas e ativa na oposição ao regime, embora seja pena que muitos dos arquivos da Pide relativos a esse tempo tenham desaparecido. Há quem diga que embarcaram para Moscovo…

Nessa época, qualquer opositor era etiquetado com o anátema de “comunista”, uma certa generalização, da mesma forma como em 1975 um não comunista era marcado como “fascista”.

Houve coragem de quem ousou ser opositor e isso é de reconhecer. No entanto, não foi o PCP quem fez a revolução de Abril e a sua ação posterior foi pouco democrática. Não é aqui local para concretizar todas as formas como os comunistas se tentaram apropriar do regime, mas o condicionarem os partidos políticos legitimados democraticamente, incluindo o cerco da Assembleia Constituinte, e o tentar prolongar o poder do MFA e do “Conselho da Revolução”, são bons e simples exemplos.

A chamada legitimidade revolucionária pode ser necessária e eficaz no dia da revolução, quando um vazio criado tem de ser preenchido por alguém e não há tempo nem condições para constituir e dar poder a novos órgãos com outra legitimidade, mas a dita, revolucionária, esvaziar-se-á em seguida, de dia para dia, e tentar mantê-la permanentemente chama-se apropriação.

Não faltam por esse mundo fora países onde a legitimidade revolucionária de quem combateu o colonizador continua a validar a sua presença no poder por décadas e gerações. Por norma não são casos de sucesso no que diz respeito à qualidade de vida dos seus cidadãos.

Felizmente Portugal teve a maturidade suficiente para deslegitimar esta “legitimidade revolucionária” com muito pouco drama e sangue e, apesar de todas as deficiências atuais do sistema e dos partidos, estamos muito melhor do que estaríamos se tivéssemos ficado exclusivamente nas mãos dos marxistas puros e duros.

Tudo isto para concluir que ser comunista em Portugal pode ser invocar os pergaminhos das lutas passadas contra a ditadura, mas a sua ação em 1975 preparava outra – “Olhe que sim, olhe que sim!”. Não, não é um partido defensor da liberdade.

Deixando o passado, hoje o PCP é um partido que não fez a prova de fogo de estar no poder democraticamente e não sabemos bem como se comportaria se disso tivesse oportunidade. Aplicaria a cartilha original de Marx, a prática de Estaline ou o sistema de Putin?

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