15 dezembro 2025

Quanto o T perde o I

 

Iot significa “Internet of Things” e a designação aplica-se às coisas que se ligam à internet. Já aqui atrás falei de alguns casos em que coisas se ligam algures, mesmo sem os seus utilizadores saberem, podendo se tratar de automóveis, autocarros, pneus e outras que nem se imagina...

Outro campo é dos “gadgets” (propositadamente deixado em inglês) tecnológicos cuja conexão, controlo, atualização e respetiva app são apresentados como uma mais-valia apreciada pelos utilizadores. Podemos falar de bicicletas, sistemas de iluminação, de rega ou segurança, sensores e de todo o tipo de eletrodomésticos, como, por exemplo, aspiradores…

Recentemente a americana Roomba, criadora do popular aspirador IRobot entrou em processo de falência, submergido pela concorrência chinesa. Parece que vai ser salva pela empresa que lhe fabricava os aparelhos, a Picea Robotics, chinesa…

O drama potencial nestes processos surge quando o aparelho é tão dependente da app e dos serviços da empresa, que em caso de falência técnica e ou económica do fabricante fica órfão e inútil.

VanMoof é uma marca de bicicletas conectadas extremamente particulares, com design exclusivo e muitas particularidades tecnológicas. Chamavam-lhe a “Tesla das bicicletas”. A empresa faliu em 2023, entretanto foi retomada, mas no seu período de agonia foi um calvário para os proprietários dos brinquedos caros. As especificidades mecânicas e eletrônicas implicavam que os problemas apenas podiam ser respondidos pelo fabricante e este não conseguia dar resposta.

Em conclusão, para lá de todas as questões de privacidade e de se ter uma coisa com olhos e ouvidos em casa ou no bolso, procurem garantir que o fabricante irá sobreviver ao tempo de vida esperado do dispositivo. Se não for o caso, convém que este consiga resistir decentemente às exéquias do seu fundador.


14 dezembro 2025

Vice-Rei do Norte


Especialmente nesta altura em que ficou na moda desenvolver novas narrativas sobre o que foi e o que não foi o 25 de novembro, nada melhor do que ler quem o viveu e dele foi protagonista, melhor do que escutar o “disse que disse” de quem repete o que ouviu dizer, na parte que encaixa na sua narrativa preferida.

Esta autobiografia de Pires Veloso, onde obviamente o 25 de novembro de 1975 tem uma quota importante é obrigatória para quem se quiser informar.

O cognome de Vice-Rei do Norte, não é especialmente do meu agrado. Depende de como for pronunciado, com alguma simpatia e respeito ou com sobranceria e algum toque de desdém. Para começar não estamos em contesto monárquico, depois Pires Veloso não foi vice de ninguém. Em Lisboa é que existiam uns candidatos a vice czares. Um vice-rei presume existir algures um rei e aquele ser um personagem que com alguma autonomia governa um território distante.

E em 1975 o Norte e a cidade de Porto foram diferentes de Lisboa, mas não na perspetiva de uma terra longínqua e destacada. Pires Veloso teve sempre um olhar sobre o Portugal inteiro. Este Norte e a cidade do Porto, hostis às forças extremistas (daí catalogados de reacionários e fascistas) é o mesmo que em 1832, durante a guerra civil foi um bastião firme na defesa do liberalismo contra o absolutismo. Os genes são os mesmos. Podem contra-argumentar que esquerda-direita; revolução- contrarrevolução não estão no mesmo alinhamento, mas sim… A bandeira hasteada no Porto nas duas situações foi a mesma: Li-ber-da-de !

Pires Veloso acabou por pagar a sua coragem e integridade, mas penso que a fazer de novo, igual faria, sem se condicionar pelos golpes baixos que a corte, reestabelecida e legitimada graças a, entre outras, à sua contribuição, não hesitou em lhe aplicar posteriormente.

Sobre o conteúdo específico do seu testemunho, uma surpresa para mim foi o lugar de Ramalho Eanes. Tendo pouco ou nada intervindo no dia 25 é espetacular e oportunisticamente catapultado à primeira linha, numa encenação programada e realizada pelo grande maestro Melo Antunes.

Agora vou especular. Aviso colocado, concretizo… O Prec estava exausto, Vasco Gonçalves encostado e as reações populares, a começar no Norte, apontavam a um beco sem saída para aquele caminho; o golpe PCP do 25/11 é travado pela conjugação das forças de Pires Veloso, Jaime Neves e Força Aérea, sob o arbitragem de Costa Gomes e aí… Melo Antunes, conhecido por moderado, mas não necessariamente um democrata pluralista vai colocar a coroa de louros em Eanes que, do mal o menos, permitirá a continuação da influência comunista dentro do que era possível. O mui democrático Conselho da Revolução aguentou-se até 1982.

Dá para entender a alergia que alguns democratas de gema desenvolveram por Ramalho Eanes, especialmente Sá Carneio e em certa medida também Mário Soares.

Se houvesse uma biografia completa e detalhada de Melo Antunes, certamente muita coisa se aprenderia e melhor se entenderia o que aconteceu no país nesta época.

12 dezembro 2025

Gaia Sul


Vilar do Paraíso saltou para as notícias a propósito da localização alternativa da futura estação de TGV de Gaia. Nos anos em que vivia em Arcozelo e estudava no Porto, passei lá diariamente em transportes públicos, ao longo da velhinha estrada N1-15. Recentemente refiz o percurso por curiosidade e constatei uma paisagem deprimente. Para lá das antigas construções, algumas degradas, tudo está urbanizado de forma caótica, sem um mínimo de planeamento nem harmonia. Gaia que não é beira-rio nem beira-mar, sem pés na água, é um triste deserto quanto a planificação e qualidade urbana, pontualmente rasgado por novas autoestradas brutais, completamente desintegradas e desfigurando os locais que atravessam.

Voltando ao TGV, considerando que a estação em causa não vai servir apenas o centro da cidade de Gaia, que até tem Campanhã logo em frente, mas em boa parte o seu Sul, para estes utilizadores será muitíssimo mais fácil vir até Vilar do Paraíso do que entrar no inferno caótico de Santo Ovídio.

Abismal é que depois de tantos anos de estudos, concurso lançado, propostas apresentadas e contratos fechados, se venha discutir alterações desta magnitude, com este impacto, sobretudo considerando a densa ocupação destas zonas. Não terá sido por falta de tempo…. Planear, bem pensar antes de fazer não parece ser o forte cá do nacional burgo e os resultados estão à vista um pouco por todo o lado.

Quanto ao empreiteiro que depois de assinar o contrato, vem sugerir alterações significativas, pode não ser bom sinal. Não era possível tê-lo sugerido em alternativa ainda na fase de concurso?

10 dezembro 2025

Até onde se liga


O alarme disparou na Noruega, quando descobriram que os seus autocarros de transportes públicos de um fabricante chinês estavam “conectados” sem eles saberem… A marca em causa, Yutong, tentou tranquilizar os ânimos dizendo que os dados recolhidos não iam para a China, ficavam armazenados na Alemanha. Grande consolo!

O problema não será apenas com autocarros, nem com China, nem apenas com veículos. Cada vez mais usamos equipamentos que por facilidade de manutenção e não só, de alguma forma conversam com um mestre algures. Até os pneus Pirelli estão sob escrutínio por existirem versões conectadas e terem parte do capital em mãos chinesas… penus !!!

Há diferente dimensões. Os códigos e políticas de uma empresa estatal chinesa são diferentes (quando conhecidos) dos de um fabricante ocidental, eventualmente cotado em bolsa. Considerando que essa ligação pode servir para recolher informação, como também para passar ordens, esta última opção à mercê de uma grande potencia mundial é um risco brutal. Se eles se zangarem com um país podem-lhes parar os autocarros, metros, veículos particulares e sabe-se lá que mais… Neste momento uma situação destas é bastante improvável, até porque seria comercialmente suicida, mas isto ser possível não é nada confortável.

Quando falamos apenas na recolha de informação, de recordar que esta é hoje um ativo enorme. A fantástica IA vive de sofisticados algoritmos que correm em poderosos equipamentos informáticos, mas o seu combustível é informação/dados. Sem isso seria inútil. A recolha de dados valiosos sem o consentimento/conhecimento de quem os gera é uma espécie de roubo… que aliás já acontece cada vez que abrimos uma página na internet.

Há ainda outra preocupação sobre o acesso a esses dados. Podem as entidades que os recolhem terem todos os protocolos e procedimentos para a sua proteção, mas há sempre alguém que pode furar e lá chegar e, às vezes, nem precisa de ser um grande hacker. Um amigo meu cuja mulher trabalhava no seu banco, contava-me que por vezes ela lhe ligava depois de ele pagar à saída de uma loja, dizendo-lhe: “já que estás aí, compra-me isto”.

Em resumo, entre o espiar, e eventualmente controlar, a frota de transportes públicos de uma grande cidade e ver os movimentos bancários do marido, a diferença é enorme, mas o mundo é o mesmo.

09 dezembro 2025

Sim, é antissemitismo

 

Dois livros acima, muito distintos, mas sobre o mesmo tema. O Estado de Israel.

Sim, já estou a imaginar as reações de repulsa e de “lá vem este branquear os genocidas”. Sim, Israel tem ações condenáveis, não tenho grande simpatia por Netanyahu e muitíssimo menos pelos seus parceiros de geringonça Ben-Gvir e Smotrich. Isso, no entanto, não justifica o “interesse” especial que certas forças têm em criticar e condenar Israel de forma desproporcional. Al Assad e Putin bombardearam civis em Aleppo e não só, recorrendo inclusive a armas químicas para combater o Estado Islâmico, com um balanço final de meio milhão de mortos… enfim, vá lá. Saddam Hussein terá morto cerca de um milhão de pessoas? A islamização do Sudão conta 2 milhões mortos? Enfim… coisas que acontecem, não vale a pena protestar muito, nada adianta e mais exemplos se poderiam acrescentar. Nesta guerra em Gaza acredita-se piamente no “Ministério da Saúde do Hamas”, clamando por cada morto civil, numa guerra em que aparentemente nunca há baixas militares palestinianas.

Israel tem um padrão de reação desproporcional. Deste-me um golpe, levas dois; pensa bem para a próxima. Esta aproximação é apreciada e utilizada vantajosamente por Hamas e companhia, gente para quem quantos mais mortes, mais mártires, melhor!

Apesar de tudo o que se pode e deve criticar a Israel, este país, a sua fundação, crescimento e consolidação é um exemplo de tenacidade, de perseverança, de ultrapassar obstáculos, descobrir soluções, gerar de conhecimento e… podíamos muito aprender com eles…

A tensão na região começa com a diplomacia de guerra da Inglaterra na I Grande Guerra, que promete tudo a todos. Um lar para os judeus a troco da sua influência nos EUA para estes entrarem na guerra, uma Grande Síria aos árabes haxemitas para os motivarem a rebelar-se e combaterem os Otomanos (Lawrence da Arábia é o embaixador da causa) e, ao mesmo tempo, combinam com a França a posterior repartição da região entre os dois países. Terminada a guerra, as expetativas de todos são incompatíveis e a tensão dispara. O então Secretário Colonial, Wiston Churchil inventou dois países para os haxemitas, Iraque e Transjordânia (atual Jordania) e deixou a Palestina indefinida. De repente, em vez de se discutir a repartição do bolo inteiro, todo o Médio Oriente, passou a ser disputada apenas a última fatia, a Palestina.

Ao longo das décadas de existência do estado judeu algumas coisas óbvias podem ser apontadas e recordadas:

- Desde a primeira hora todas as guerras foram despoletadas por árabes e fações árabes, que não aceitam menos do que a sua hegemonia na região. Israel reage, defendendo-se… e contra-atacando, mas nunca deu o primeiro passo.

- Em 1948 havia 851 mil judeus nos países árabes, em 2018 estavam reduzidos a pouco mais de 3 mil. Os que saíram e seus descendentes não estão a viver em campos, financiados por uma agência especifica da ONU. Refugiado é temporário. Quando não regressam ou não se integram é por que não querem ou não os deixam e será uma forma de deixar a ferida viva. Os próprios judeus expulsos não o desejariam, mas alguém está a ver os países árabes a receber e dar cidadania plena a todos os seus descendentes?

- Desde o fim da guerra do Yom Kippur de 1973 que tem havido tentativas de estabelecer a paz entre Israel e seus vizinhos, com avanços notórios. O sucesso das mesmas é, no entanto, posteriormente dinamitado por alguém que relança as hostilidades. Hoje é o Hamas, apoiado pelos seus padrinhos Irão e Qatar.

- Institucionalmente Israel está em paz com cada vez mais vizinhos e com processos de colaboração que chegam ao domínio da defesa, concretizado aquando dos últimos ataques do Irão.

. O apoio financeiro e logístico do Qatar (Irmandade Muçulmana) ao Hamas é talvez o maior cancro atual na região. Todos que quiserem saber, sabem que daquele movimento nada de bom se pode esperar, nem sequer para os próprios palestinianos que eles reclamam defender. Qual o objetivo do Qatar em alimentar e promover estes bárbaros?!

- Mesmo que se possa discordar e criticar o que se passou em 1948, Israel é hoje um país consolidado e a História é mesmo assim. Não há marcha atrás a partir de certa fase, A reivindicação do “From the river to the sea…” é uma cantilena irrealista. Alguns até desconhecem o significado concreto da mesma, mas acham giro. Quem a canta está redondamente enganado e de forma nenhuma do lado da solução.

- A ocupação da Cisjordânia e respetivos colonatos são um entrave importante. No entanto, não são irresolúveis no âmbito de um acordo de paz, tal como foram desmantelados os existentes em Gaza, quando Israel abandonou o território.

- Uma certa opinião pública ocidental adora os lenços palestinianos, como no passado gostava das camisas à Mao, das boinas à Che Guevara e de símbolos de outras causas. O fundo da motivação tem muito em comum. O ser contra o “seu mundo”. Da mesma forma como os contestatários passados nunca iriam viver na China maoista, também os ativistas atuais nunca se instalarão no Irão (LGBTs nem se fala). Convinha ganharem a consciência de que não estão a ajudar os palestinianos, mas apenas a branquear manipuladores que os usam para causas e modelos de sociedade que certamente não querem mesmo ver implantados na sua própria casa.

Por hoje, é tudo e espero não estar a pregar no deserto (se bem que no passado alguns tiveram sucesso nesse enquadramento 😊 )


06 dezembro 2025

Não sabia, mesmo?


O nome de Afonso Camões pode não ser conhecido de todos, mas quem acompanhou a novela socrática lembra-se dele. Joker (pau para toda a colher) e general prussiano que nunca se amotina (caninamente fiel ao chefe), características especialmente relevantes quando se pede “arranjem-me um emprego”. Para quem na altura nada ouviu, os motores de busca rapidamente podem levar-lhe os detalhes dos fatos em questão.

Quando o nome de Gouveia e Melo se perspectivou como um fácil ganhador das presidenciais, não faltaram “moscas” a aproximarem-se, atraídas pelo aliciante perfume do poder. Faz parte da natureza humana.

Seria função do candidato e/ou de quem o assessoria fazer a filtragem entre os apoios que trazem currículo e os que trazem cadastro (mesmo sem condenação e transito em julgado…). Não parece ter sido muito seletivo. Logo na plateia da sua apresentação se via gente com algum cadastro.

O apoio recentemente anunciado por José Sócrates era dos que inequivocamente traziam “cadastro”. Foi repudiado pelo candidato, mas lançou algum interesse sobre as eventuais presenças de “tralha socrática” naquele navio.  E, surpresa! Entre outros nomes vem essa figura de Afonso Camões, mandatário em Castelo Branco.

Instalada a polémica, o fiel socrático recua, publicando um comunicado, prontamente copiado, “a pedido”, na página oficial do almirante. Imagem acima e disponível aqui. Além de elegâncias linguísticas como referir a “dor de corno” de quem o ataca, o pobre Camões alega estar a ser perseguido por causa de uma escuta ilegal (lá está, foi verdade, mas como não serve para condenar, ele permanece inocente) e de uma ligação de juventude ao antigo primeiro-ministro, E sei que podemo-nos sentir “forever young”, mas, nas minhas contas ele teria mais de 50 anos quando foi apanhado nessa escuta e nessas manobras…

Falta de filtragem inicial, foi distração ou pior, terem feito o favor de copiar um comunicado deste teor na página oficial é amadorismo …. ou pior

05 dezembro 2025

O candidato do partido invisível


Em 2014, quando A.J. Seguro estava prestes a ser corrido da liderança do partido por investida de A. Costa e companhia, alertou para a existência de um partido invisível na sociedade portuguesa e de haver uma parte do PS associada aos negócios e interesses. Isto da parte do ainda líder de um partido com a dimensão e importância do PS é mais do que preocupante, é potencialmente muito grave.

A ser mentira seria expetável uma reação do tipo “quem não se sente, não é filho de boa gente”, eventualmente até uma queixa por difamação, mas o assunto foi ignorado e arquivado, como se fosse apenas um episódio de uma disputa acalorada. No entanto, o fundo da questão não se deveria esgotar com o fecho daquelas primárias pela liderança do partido.

É óbvio que o partido invisível não o esqueceu, nem perdoou e agora votarem Seguro não é como os comunistas a porem a cruzinha em Soares na segunda volta das presidenciais de 1986… mas pior!

Vemos assim esgares de muita gente a repudiarem AJ Seguro porque sim ou por argumentos estapafúrdios e assumida ou sub-repticiamente a migrarem para candidaturas menos alérgicas.

O eventual cenário de termos uma segunda volta entre um candidato do partido invisível e A. Ventura é dos piores pesadelos que posso imaginar.

 

04 dezembro 2025

Mas as crianças, senhor…

 

Em poucas palavras, já que quando os fatos são claros e facilmente escrutináveis, não é necessário elaborar muitos considerandos.

Dentro das barbaridades cometidas na Ucrânia, inclui-se o rapto de crianças ucranianas e envio das mesmas para a Rússia, alegadamente algumas mesmo para a Coreia do Norte. Mesmo sem conhecer todo o quadro legal relativo aos crimes de guerra, é fácil de entender que isto não pode acontecer e é de uma crueldade enorme para as famílias e uma violência brutal para os inocentes.

A UN votou uma resolução, a A/ES-11/L.16/Rev.1, exigindo o retorno imediato das crianças. No quadro anexo, está o resultado. Sabemos que as resoluções da ONU valem o que valem, muitas vezes pouco, mas 12 criminosos votos contra e 57 covardes abstenções, incluindo China, Brasil e países do Golfo… é demais para a minha confiança na sanidade da Humanidade!


Atualizado a 7/12 com inclusão da publicação no Público



02 dezembro 2025

A exclusividade está nos resultados


A Fórmula 1 é um desporto de alta emoção (para quem gosta, claro) e as preferências relativamente aos pilotos frequentemente têm uma componente subjetiva e emotiva, que vai para lá dos frios resultados objetivos. Não é por acaso que Gilles Villeneuve com apenas 4 temporadas e meia disputadas e 6 vitórias registadas, continua a ser recordado, 43 anos após a sua morte. Muitos acham (aqui o escriba incluído) que as suas características de pilotagem, combatividade e além disso humanas não foram igualadas. Não me peçam para ser racional a suportar esta consideração.

Dentro dos campeões mais recentes nem Hamilton nem Verstappen me entusiasmam, nem suscitam empatia. Acho mesmo que a imagem cultivada por Hamilton de “amigo do ambiente”, com dieta vegan, redução do uso de plásticos, veículos elétricos, etc, é algo incompatível com a sua profissão, para não dizer que entra claramente no campo da hipocrisia. Como é possível conciliar isso com ser piloto de F1, automóveis que bebem combustível como ogres, gastam pneus a um ritmo alucinante, enormes quantidades de peças de desgaste de vida curta, sem falar em recorrentes acidentes que muito material enviam para a sucata…. acrescentando ainda o périplo geográfico mundial de equipas e demais staff. Podem tentar melhorar algo, mas para contabilizar isto como atividade amiga do ambiente é necessária muita, muita boa vontade.

Com grande impacto mediático foi anunciado no início da época de 2024 que para 2025 ele integraria a Ferrari. Esta antecipação é estranha. Por muito profissionais que sejam as equipas e os pilotos, passar a época inteira a saber que no final tudo muda é algo desconcertante para quem sai e para quem entra.

Para lá da estranheza do “timing”, parecia também pouco garantido o impacto e resultados desportivos que ele aportaria, apesar de toda a experiência e palmarés.  Não parecia possível a repetição do milagre “Schumacher” na equipa italiana dos anos 2000. Não me parecia a mim, fã dos carros vermelhos, nem a gente bastante sabedora e com muitos kms de F1, como Bernie Ecclestone e Eddie Jordan. Eles questionavam se o interesse da Ferrari seria desportivo… ou de marketing (capas de revista...) e que desportivamente a Ferrari muito mais bem servida continuando com Carlos Sainz Jr.

Numa entrevista à Time, foto acima (sim, o modelo catita é um piloto de F1), Hamilton contra-argumentou que não tinha que dar ouvidos a velhos, ainda por cima brancos. Que era o primeiro e único negro campeão de F1, que era diferente, a idade para ela corria de outra forma, etc. Enfim, eu julgava que a não discriminação racial era um caminho com dois sentidos. Acrescentava ainda que receava encontrar na Ferrari um ambiente menos diverso e inclusivo do aquele a que estava habituado na Mercedes. Uma entrevista muito à la moda.

O início da temporada de 2025 foi decepcionante. O carro não esteve brilhante, mas o seu colega de equipa foi sistematicamente superior. Falta de habituação ao carro, diziam. Quando já em agosto, na Hungria, Leclerc faz a pole-position e Hamilton fica pelo 12º lugar da grelha, este classifica-se como um “inútil”. Estão a ver Villeneuve assim resignado, ele que desde que o motor trabalhasse e o carro tivesse no mínimo duas rodas nunca baixava os braços? Ou Senna?

O final da época já cai no domínio da humilhação. No Qatar parte 17º; vá lá que melhorou e terminou em 12º, Sainz, a quem ele tomou o lugar e passou a uma equipa teoricamente inferior, acabou no pódio.

Hamilton não é um Schumacher nem um Lauda. Os grandes pilotos são os que desenvolvem e melhoram as equipas por onde passam, não os que caiem em choradinhos. Como aparecerá trajado física e mentalmente na próxima capa de revista?

01 dezembro 2025

Porto, Porto, Porto


Ir ao Porto, tirar umas fotografias. Certo, não faltarão na Invicta temas para dar o gosto ao dedo, mas…

Tantos turistas, não é? E como fotografar a cidade sem aparecer a ponte D Luís, a torre dos Clérigos ou serra do Pilar? E como colocar esta santíssima trindade iconográfica da cidade em fotos que não sejam iguais aos milhares de milhões já realizadas…?  

Parti com duas ideias alternativas e complementares. Procurar um registo a evidenciar a “overdose” turística e, antes ou depois, entrar pelos becos e quelhos supostamente menos expostos às incursões e longe do tal trio omnipresente.

Só que isto de fotografar é como caçar, ou talvez seja, dado que nunca saí a caçar. Vai-se por aí fora e logo se vê o que salta à nossa frente, a pedir o disparo.

E, pronto, lá saíram as fotos, das quais uma seleção está aqui. Se a santíssima trindade do bom Porto lá aparece, será por mero acaso.

29 novembro 2025

Ainda sobre as vitórias no 25 de novembro

Não resisto em voltar ao tema…

Sabendo que assim como não há maior cego do que aquele que não quer ver, também é difícil desenganar os que aos enganos estão predispostos, mas tento…

Em primeiro lugar quem perdeu foi a esquerda comunista. Aqueles que achavam ser o PREC um bom caminho para um bom destino, perderam e ainda bem. Como se costuma dizer, é possível ser comunista num regime livre, mas é impossível ser livre num regime comunista. E podem agradecer o PCP não ter sido ilegalizado, já que se o desfecho fosse outro, a sorte seria provavelmente diferente para os seus opositores.

Esta data não resolveu tudo, mas fui a última tentativa de intentona e a consolidação da legitimidade democrática, que não é pouca coisa. Na baralhação que se faz agora, até nem se sabe bem quem precipitou os acontecimentos. Umas dúzias de paras descontrolados que deram a desculpa para a direita reagir em força?! Mário Soares seria então na altura de direita? Quero acreditar que se o sucesso tivesse ficado no outro lado, não haveria esta narrativa da orfandade de liderança e saberíamos muito bem quem mandava em quem.

Visitando o que se passava no país nessa altura, era óbvio que alguma coisa teria que acontecer e as relações de poder serem clarificadas. Aqui, no desfecho da clarificação, há a assinalar uma outra importante vitória, que é do bom-senso e razoabilidade que evitaram um banho de sangue. Com toda a tensão existente, armas em circulação e posições extremadas, não faltava nada para se despoletar uma violenta guerra civil. Esta não aconteceu e a sensatez que prevaleceu de todos os lados, foi uma grande vitória da sensatez do povo português, que muitas vidas poupou. Parabéns!

26 novembro 2025

De Miguel para Miguel

Já tinha aqui evocado este Senhor Miguel Unamuno e como o seu nome próprio, comum e associado ao do Cervantes, inspirou o pseudónimo literário do nosso Torga.

Este livro é uma leitura que Unamuno faz ao famoso romance e à personagem imortal e universal de Cervantes, escrevendo como se D. Quixote tivesse sido uma figura real e o outro Miguel o seu biógrafo. Ele lê-nos o livro, interpela o Cavaleiro da Triste Figura e, ao mesmo tempo, interpela-nos a nós e ao seu mundo contemporâneo que, não sendo propriamente idêntico ao de hoje, comporta questões de fundo que nunca perderão uma atualidade gritante. É um livro para ler devagar, por vezes tive mesmo de reler certas passagens para bens as digerir.

O texto que foi acrescentado como introdução, “O Sepulcro de D. Quixote” é das coisas mais fantásticas e bem escritas que já li.

Unamuno escreve muito bem e, para lá disso, mostra-se um fino conhecedor da natureza humana, especialmente naqueles aspetos onde não há séculos que a possam transformar. Um livro verdadeiramente magistral, que jamais se esquece.

A universalidade e a amplitude da leitura de Unamuno são especialmente curiosas pelas pontes que estabelece com várias figuras religiosas, das quais a não menos relevante é o assinalar as semelhanças entre as campanhas de D. Quixote e a vida de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Entre outros paralelos, ambos tudo abandonarem em busca da sua estrela, da sua visão de glória e do seu ideal. De passagem, sobre a universalidade da temática quixotesca, aproveitem para visitar a fantástica interpretação de “La Quete” (A busca) por Jacques Brel, exemplo aqui, e mastiguem bem as palavras.

D. Quixote não é apenas de la Mancha, nem de Espanha, nem do século XVII. É de todos os tempos, de todos os lugares, de todas as gentes que acreditam e não desistem, que são loucas sim, mas pela grandeza das causas e pelo valor da vida.

Deixo duas passagens:

Numa obra de enganos e embustes se condensou, o fruto do nosso heroísmo; numa obra de enganos e embustes se eternizou a passageira grandeza da nossa Espanha; numa obra de enganos e embustes se condensa e compendia a nossa filosofia espanhola, a única verdadeira e autêntica; com uma obra de enganos e embustes chegou a alma do nosso povo, encarnada em homem, até aos mistérios do abismo da vida. E essa obra de enganos e embustes é a história mais triste que jamais se escreveu; a mais triste, sim, mas também a mais consoladora para quantos sabem saborear nas lágrimas do riso a redenção da miserável sensatez a que a escravidão da vida presente nos condena.

 

Mas isso é absurdo, dizeis? E quem é capaz de dizer o que é o absurdo? E ainda que o fosse! Só o que ensaia o absurdo é capaz de conquistar o impossível. Não há outra forma de acertar uma vez no cravo que vibrar cem marteladas na ferradura. E sobretudo, há apenas uma maneira de triunfar verdadeiramente: é arrostar com o ridículo. […]. Sim, o nosso mal está todo na cobardia moral, na falta de coragem para cada um afirmar a sua verdade, a sua fé, e para defendê-la. A mentira envolve e estrangula as almas que habitam nesta casa de borregos amodorrados, estúpidos por obstrução de sensatez.

 

25 novembro 2025

Polémica com o 25 de novembro

Confesso que não estava a planear abordar este tema hoje, até tinha outro texto preparado, mas umas declarações que ontem ouvi a João Ferreira fizeram-me sair do sério. Segundo ele, no 25 de novembro saiam vitoriosas forças não democráticas… e que a data foi um revés para o processo “democrático”. A sério?

Portanto, Conselho da Revolução, pactos MFA-partidos que condicionavam os partidos democraticamente sufragados, cercos à Assembleia Constituinte, mandatos de captura em branco e outros tropelias lideradas por quem nas eleições tinha tido (PCP+MDP+ resto) menos de 20%, isso sim era respeitar a democracia! Ou, para os comunistas, democratas com direitos plenos são apenas aqueles que votam em nós? Os restantes são reacionários. fascistas, lacaios de imperialistas, neoliberais e extrema-direita, todos gente a desqualificar e obstáculos no caminho para a “verdadeira democracia, a nossa”?

Se dúvidas houvesse, nas eleições presidenciais seguintes de 1976 os vencedores (não democratas?) do 25 de novembro (Ramalho Eanes + Pinheiro de Azevedo) tiveram 75% dos votos.

Que os comunistas e a esquerda radical não tenham digerido, nem nunca conseguirão digerir o fim do PREC, entende-se. Que uma parte significativa do PS alinhe nestas histórias deve fazer Mário Soares, e outros socialistas da época, dar umas voltas no túmulo. A origem desta revisão está naturalmente na geringonça Costista, que para alcançar o poder, inventou uma frente de esquerda que de coesão, pelo menos em 1976, tinha muito pouca. Se hoje tem, duvido, pelo menos a nível do eleitorado de base do PS. Que se faça polémica e que tente reescrever a história quem nisso está interessado é um pouco natural. Que não haja uma larga reação a dizer “deixem-se de tretas” e de estórias pseudo-democráticas, isso é que me surpreende.

24 novembro 2025

Debates presidenciais

Se nada me falhou, acima está a lista de debates (duelos?) previstos para as próximas eleições presidenciais, aparentemente 28. Julgo que a partir da dúzia, no máximo, ninguém mais trará nada de novo, para lá, naturalmente, de alimentar os comentários e as sentenças na comunicação social e nas redes sobre quem venceu quem e porquê.

Para lá desta overdose, parece-me que há outro problema. Do que vi e li até agora, fico com dúvidas de que muitos candidatos não saibam ou não queiram saber o que é a função presidencial. A confusão é especialmente proporcionada por André Ventura, que fala como se estivesse a concorrer a primeiro-ministro, pelo menos fala da mesma maneira como falou quando a esse lugar concorria. Não é o único com veleidades legislativas, mas é o mais evidente, até pela sua presença direta nas duas eleições.

O Presidente não governa. Se quisermos uma analogia futebolística, o Presidente é uma espécie de árbitro, que vela para que as regras do jogo sejam cumpridas. Apresentará os amarelos e os vermelhos quando necessário, mas não opina sobre se a tática deve ser 4-3-3 ou 4-1-4-1 ou se o Manuel deve jogar à esquerda ou à direita. O jogo legislativo nasce e é decidido no Parlamento, objeto de outro ato eleitoral.

Estamos a escolher uma pessoa, não um programa. É importante conhecer o que ele pensa, a sua bagagem, a sua resiliência face a situações de tensão, enfim a sua personalidade, integridade e capacidade para cumprir a função a que se candidata. Não o queremos ouvir propor como se poderá resolver os problemas da saúde, da justiça ou da habitação, já que não será sufragado para isso, nem para isso terá poderes. Não me interessa ouvir a repetição fácil dessas cassetes de boas intenções, que pouco acrescentam. Preferiria saber algo sobre pessoa, que livros leu, que filmes prefere e como percepcionou e interpreta acontecimentos históricos relevantes, enfim, a sua cultura, mas o caminho raramente entra por aí e para esse objetivo talvez se dispensassem os 28 duelos.


Atualizado a 29/11 incluindo cópia da publicação no Público.




23 novembro 2025

Rali Lancia e Citroen


Na imagem acima podemos ver um Lancia e um Citroen de rally, respetivamente de meados dos anos 70 e da atualidade. Como é visível entre um DS e um Stratos as diferenças em peso, potencia, conceito, dimensões, etc…são tão abismais que até admira como poderiam partilhar as mesmas provas.  

Uma particularidade a assinalar, o DS estava a terminar a sua carreira e o Stratos a começar. A marca francesa desapareceu deste mapa e a representação do seu grupo ficou entregue à Peugeot com o revolucionário e mítico 205 T16, depois de uma breve passagem, com sucesso, pelas cores da Talbot.

A Lancia, depois de uma cedência temporária do palco à Fiat, viria a brindar-nos posteriormente com outras máquinas de sonho como o 037 e os Deltas, que, quem os viu, não esqueceu. Daí que o anúncio do retorno da marca italiana aos ralis muitos sorrisos gerou.

Passamos à linha de baixo na imagem, há um ponto em comum com a de cima. O Citroen também está de saída e o Lancia está a chegar. A diferença, no entanto, é de que não se trata de dois veículos com muitas diferenças, nem conceptualmente, nem de componentes. O motor até será, grosso modo, o mesmo nestas duas máquinas do grupo Stellantis. O regresso da Lancia é mais o resultado de uma estratégia do grupo que precisa de gerir e promover 14 marcas, do que um projeto nascido algures com plena individualidade. Certamente que o marketing irá “italianizar” a imagem do novo carro e colori-lo de forma a parecer… um Lancia!

Aguardemos para ver qual o sucesso desportivo e até que ponto ele conseguirá capitalizar todo o carisma dos seus antecessores (de nome). Pelo menos, para mim, para já, não deixa de ser Lancia!