31 maio 2007

Zé Cabra, artista plástico

Num daqueles didácticos e pitorescos “zapping” pelas rádios de província de Portugal, apareceu-me o em tempos famoso Zé Cabra. O tipo não tem voz, não sabe cantar, não entra no tempo nem no tom, mas foi um sucesso, por um curto período, é certo, mas foi um sucesso.

Será que a sua popularidade foi alcançada pela diferença? Se “toda a gente” entra no tempo e no tom, aquela diferença, realmente, destaca-se! Pode haver obras primas em que o não cumprimento das regras habituais é o que lhes confere a genialidade. José Afonso usava e abusava de dissonâncias com um resultado admirável. Muitas novas estéticas e tendências nascem precisamente de um movimento de ruptura com a norma vigente. Trata-se de um campo bastante delicado, em que a diferença entre o genial e o lixo pode ser ténue e, tantas vezes, polémica.

O caso do Zé Cabra é um extremo ridículo e facilmente etiquetável. Destas reflexões passei para a última exposição de artes plásticas que visitei. Provavelmente saturados de estéticas harmoniosas e, já agora, também trabalhosas, há artistas plásticos que nos brindam com barras de ferro mais ou menos ferrugentas, mais ou menos torcidas. Talvez alguém consiga ver algum valor estético naquilo... Eu, por mim, ponho-as directamente ao lado do Zé Cabra na galeria das excepções nulas e inconsequentes.

29 maio 2007

Dizer não

Sei de experiência própria que saber dizer um “não” a quem espera receber um “sim” é toda uma arte e de resultados mesmo imprevisíveis em contextos culturais pouco dominados. Para a mesma mensagem objectiva, a forma de a dizer pode ser a diferença entre passar relativamente bem e provocar um cataclismo.

Tudo isto se agrava por existir, cada vez mais, a cultura do “nunca aceitar um não”. Se um funcionário público me nega uma informação, é normal eu insistir e recusar essa primeira resposta. Agora, se resolvo pedir um desconto na caixa de um supermercado, já me será mais difícil insistir em recusar o “não”. É necessário ter sensibilidade para saber onde se pode insistir e onde não vale a pena.

É comummente reconhecido que quem recusa os “nãos” e os consegue transformar em “sins” é uma figura de sucesso. Sim... mas. Por isso há cada vez mais quem só diga “sim”, inventando desculpas para quando, posteriormente, a realidade confirmar o inevitável “não”.

Há também quem, tacticamente, inclua logo o desconto no preço. Se eu sei que não será aceite a primeira resposta, apresento-a já com margem de recuo incluída. Sim... mas. Pode ser muito giro numas férias exóticas passar meia hora a negociar um tapete, mas, no dia a dia, ao comprar um quilo de laranjas no regresso a casa, ter também que protestar o preço é desgastante.

Dizer sim em vez de um não, ou apresentar “nãos” dobrados para no fim conseguir manter um deles, é desonesto e engano mútuo. Um sistema em que sistematicamente os “nãos” são transformados em “sins” não é são nem eficaz.

26 maio 2007

Oposição

Tenho esperança de um dia conseguir aplaudir um líder da oposição em Portugal. Será no dia em que ele reconhecer honestamente que parte do que o governo fez, fez bem e explique com consistência aquilo que ele próprio faria diferente e melhor.

Não sei bem se é por pressão das próprias estruturas internas que ficam sempre bastante nervosas quando estão fora do poder, mas o que é certo é que a estratégia do “bota abaixo” generalizado seguramente não rende créditos aos eleitores que votam sem clubite e decidem o resultado das eleições.

Será que um líder da oposição está mais preocupado com a sua própria sobrevivência e acha que é pecado capital concordar com o governo e reconhecer que no seu lugar faria o mesmo? Não sei. O que sei é que eu, e creio que muitos mais, já não temos mais pachorra para discursos demagógicos baratos.

Portugal tem um crescimento acima da média europeia? O governo aplaude e a oposição assobia para o lado! O desemprego aumenta? A oposição aproveita satisfeita ter um argumento para se opor e o governo assobia para o lado.

E, se em vez de estes primarismos populistas, se procurarasse descodificar honestamente estes sinais? Que podem até nem ser contraditórios. Que o aumento do desemprego pode ser uma fase dolorosa, mas necessária, no processo de crescimento. Que os dois indicadores não costumam estar em fase e que, frequentemente, o aumento do emprego vem atrasado em relação ao crescimento económico.

Que o importante é saber se o crescimento é sustentado e, ao mesmo tempo, reconhecer que necessitamos de crescer muito mais depressa do que a média europeia para convergirmos de forma significativa.

23 maio 2007

Um "meme" mais, para acabar...

Não gosto de infalíveis. Só conheço dois tipos de infalíveis:

1. Os que não decidem, não arriscam e, por isso, nunca falham.
2. Os que, quando algo corre mal, nunca foram eles, foi sempre outro o responsável.

Uma organização de “infalíveis” não tem iniciativa nem seriedade.

22 maio 2007

E ainda um "meme" próprio

Não gosto de quem acha que faz as coisas bem feitas.
Aprecio muito mais quem, cada dia, simplesmente tenta fazer melhor do que na véspera.

21 maio 2007

Comple “meme”

Noutro registo...

Quando comecei a trabalhar tinha na parede, atrás do meu local de trabalho, um daqueles pequenos painéis plastificados, bem duro, onde esvoaçava uma gaivota evocando o Fernão Capelo e que dizia:

“Só se falha quando se desiste de tentar”


Para compensar um pouco, em casa, na parede do quarto, estava uma tira amassada e desenrolada com uma imagem de Charlot em fato listrado de prisioneiro e que dizia:

“Gosto dos meus erros, não quero renunciar à liberdade deliciosa de me enganar”.


Muito mais tarde houve um pequeno anúncio que me cativou fortemente

“Grandes pessoas discutem ideias
Pessoas médias discutem factos
Pequenas pessoas discutem pessoas!”

E fica dedicado a todos os que conseguem falar sobre algo que não seja exclusivamente.... pessoas.

20 maio 2007

Meme quê??

Você sabe o que é um “meme”? Eu acho que não sei. A Nucha deixou-me encomenda e lá fui tentar entender o que era, mas não fiquei bem esclarecido. De qualquer forma, há um conjunto de citações que eu “arrasto” comigo e que me servem um pouco de alicerce. Estará bem?


Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância
E que continuamos sonhando, adultos num substracto de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros
Que é prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão


Fernando Pessoa


... uma obra de homem outra coisa não é
senão este longo caminhar
para tornar a achar, pelos desvios da arte,
as duas ou três imagens simples e grandes
para as quais o coração pela primeira vez se abriu.

Albert Camus


"Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta
ao pé de uma parede sem porta "

Fernando Pessoa

"Mas também aqui não pude odiar ninguém "

Fedor Dostoievsky


Tenho mais pena dos que sonham
o provável, o legitimo e o próximo,
do que dos que devaneiam sobre
o longínquo e o estranho.
Os que sonham grandemente, ou são doidos
ou acreditam no que sonham e são felizes.....
Mas o que sonha o possível
tem a possibilidade real da verdadeira desilusão

Fernando Pessoa


Não existe amanhã visto que se morre
Albert Camus

19 maio 2007

São tontos ou quê?

Já é conhecido que as cotações das empresas na Bolsa são muitas vezes influenciadas por coisas que têm uma relação bastante remota e pouco evidente com os ganhos ou perdas potenciais que esses "factos" prenunciam.

Acho, no entanto, que no dia 18/5 tocamos num limite. O Jornal de Negócios publica uma entrevista com o presidente da Mota Engil e este afirma que estão a concorrer à empreitada de construção do metro ligeiro de Miami. No mesmo dia, à tarde, o portal do mesmo jornal anuncia que as acções da empresa subiram mais de 8% com essa notícia.

Quem conhece minimamente estes negócios sabe que as propostas são como os chapéus: há muitas! Também sabe que, mesmo ganhando o concurso, o que só acontece a um de entre vários, a probabilidade de efectivamente ganhar algo/criar valor num negócio complexo num novo local, é tudo menos garantida.

Assim, as acções subiram simplesmente pelo anúncio da proposta é uma tonteria, mas daquelas de grande nível!

17 maio 2007

Questões civilizacionais

José Mourinho faltou ao respeito à polícia e foi detido, apresentou desculpas e saíu unicamente sob caução.
Por cá uma figura bem conhecido do "desporto" que dá pelo nome de "major", quando justamente interpelada pela polícia responde: "Você sabe quem eu sou ??!!?!?". E o polícia lá mete o rabo entre as pernas... nunca se sabe as consequências que poderão advir de incomodar certas pessoas.

15 maio 2007

Uma campanha "pas comme les autres"...



No dia 17 de Maio haverá na Argélia eleições para o Parlamento local que, na prática, não tem grande poder, por o regime ser bastante presidencialista. A campanha eleitoral para as presidenciais francesas foi seguida passo a passo e despertou muito mais interesse. A campanha local passa por estes painéis, aqui e acolá, numerados de 1 a 24 e parcialmente ocupados. Há candidatados que nem sequer fazem cartazes?? Talvez somente não tenham ficado prontos a tempo....

12 maio 2007

O princípio e o fim

O princípio e o fim. Impossível percorrer a cadeia de causas para trás até ao princípio. Impraticável projectá-la para a frente. Da mesma forma como a previsão meteorológica é muito limitada no tempo. Basta uma pequena incerteza e uma divergência num momento para que a sua propagação destrua a validade de qualquer conjectura mais afastada.

Há quem não consiga viver assim, viajando num comboio do qual desconhece os extremos. Então usam a religião para truncar a cadeia. Para decretar o início e o fim. Um princípio colectivo, fomos criados de um acto comum, e o final na perspectiva individual, cada qual morre por si.

Exercício arriscado. Tantas vezes a cadeia cresceu por esforço dos pioneiros, levando a religião a rever os seus limites. Absolutamente contrário à base de algo que nasceu para encher o vazio: para definir o indefinível, para explicar o inexplicável, para justificar o injustificável. Quando um dogma cai, ultrapassado, é toda a religião que foi corrompida. Por isso caíram tantos pioneiros, acusados de apodrecerem o mundo.

Odiava. Odiava tudo o que limitasse a capacidade de perguntar. Mais do que os que limitavam, odiava talvez mais aqueles que achassem bem limitar.

10 maio 2007

Os pioneiros

Fantásticos os pioneiros.
Os da persistência, os da genialidade, os da ousadia. Aqueles que do fundo seu lugar tinham criado uma luz deslumbrante que nos mudava a cor do ar e do mar. Marcaram a diferença entre o antes e o depois deles.
A sua existência e os seus actos eram a prova da mudança sempre a vir.
Eram belos e perfeitos, vistos na distância e debaixo de um foco que tudo abrilhanta e encanta.
Amava-os. Por eles, pela sua arte, pelo seu engenho. Mas talvez, primeiramente, pela ruptura com o quotidiano banal que o seu exemplo assegurava.

09 maio 2007

O saber

A primeira e a última fronteira.
Não o saber acumulado das extensas listas de factos, regras ou propriedades. Nem sequer o conhecimento das causas primeiras. Só e apenas o procurar entender a cadeia das causas. O que está imediatamente antes de cada efeito evidenciável. O desafio de identificar as causas idênticas para os efeitos semelhantes e o mistério dos efeitos diferentes para a mesma causa.

A busca denodada de todas as causas, o depurar de todo os efeitos relacionados. Questionar, expurgar e afinar até à exaustão, até à fórmula matemática que não dá lugar a qualquer dúvida. Amava entender-lhes a sua linguagem, sentar-me nelas e admirar o mecanismo por elas traduzido.
Mais do que assistir ao que estava interpretado, amava principalmente o que sentia que não estava entendido.

07 maio 2007

Simples e completo




Acho que a apreciação de uma obra de arte é fortemente influenciada pelo contexto pessoal em que é visitada. Se eu tivesse lido “O Estrangeiro” pela primeira vez hoje e não aos 16 anos, talvez ele representasse menos para mim. O primeiro livro que li há muitos anos de Steinbeck, “A um deus desconhecido”, não me soou com a mesma intensidade com que, mais tarde, os restantes me fascinaram. Até acho que, às tantas, um dia, quem sabe, ainda hei-de olhar para uma barra de ferro ferrugenta dobrada numa exposição de arte plástica moderna e achá-la ao mesmo nível estético da “Vénus de Milo” (?!).

Tudo isto a propósito do filme “Paris Texas” que revisitei recentemente, a partir de um DVD de saldo, no PC portátil, em cima dos joelhos. Acho que quando o vi pela primeira vez, com as condições todas, tinha gostado. Mas, agora, deslumbrou-me. Um história com tanto de simples como de completo, magistralmente contada e com uma fotografia que é um regalo para os olhos da primeira à última cena.
Uma obra prima!

05 maio 2007

Ficção ?



Duas senhoras de uniforme com uma etiqueta de identificação misteriosa, que parecem saídas de uma série de ficção cientifica interpelam uma jovem na rua. De que se trata?

Simplesmente, nas ruas de Teerão, a polícia oficial de costumes dá uma reprimenda à jovem por esta ter cabelo à vista... Roupa justa ou calças curtas também fazem parte da lista objecto de recriminações e até de detenção temporária. Um casaco que mostre a curva do corpo ou umas calças que mostrem o tornozelo quando sentada não são aceitáveis. O comprimento das meias também conta. O presidente Ahmadinejad acha que aquelas que têm um aspecto indecente são enviadas pelo inimigo.

Os homens também são avaliados. T-shirts ou cortes de cabelo não islâmicos dão direito a prisão. Parece que os barbeiros já receberam instruções para não retocarem sobrancelhas.

O curioso é que mesmo no Irão, há um movimento que acha estas iniciativas excessivas e uma tímida discussão pública sobre o assunto parece esboçar-se.

Será possível manter isto? Oxalá que não. Por vezes, é o ridículo que mata e da forma mais eficaz....
Foto extraída no NYTimes

04 maio 2007

Tensões e contradições



Era feriado, dia de passeio e, como em todo o mundo, famílias e grupos, grandes e pequenos, saíram à rua aperaltados. E, como em todo o mundo, este “procurar ser bonito” conjuga-se sempre com mais intensidade no feminino do que no masculino.

Mas, aqui, havia uma particularidade. É que segundo os cânones religiosos e sociais locais a mulher não se de deve mostrar nem ser bonita em público. Deve esconder o cabelo, o corpo e, no limite, o rosto. Esta postura não é compatível especialmente com as faixas etárias mais jovens que, no exercício de descoberta do corpo e da sexualidade, querem e devem, saudavelmente, mostrarem-se bonitas e atraentes. Como é possível assumir isto num meio em que em cada esquina está um desocupado que se sente com direito de ser polícia de costumes e insultar uma mulher que fume em público?

O rosto tapado é bastante raro e quase inexistente nas jovens. O corpo dissimulado em vestes largas já se encontra, mas em minoria. A grande maioria tapa o cabelo e o pescoço com o famoso véu mas a seguir vem uma túnica apertada e até umas calças justas e com tudo a combinar.

Se este assumir da feminilidade é claro, porquê então, e ainda, o véu? Por hipocrisia? Por pragmatismo para não serem incomodadas pelos “polícias de costumes”? Não entendi. Qual a coerência de esconder do cabelo e, ao mesmo tempo, exibir a curva das ancas? O certo, é que existe aqui um conflito não assumido e não resolvido. E, evidentemente, fonte de tensões.

Com mais ou menos disfarce fui tirando fotografias, muitas de enquadramento e focagem incertas. A truncagem da última imagem não foi premeditada mas acabou por sair representativa e interrogativa.

02 maio 2007

Um marco



Está confirmado. No primeiro trimestre deste ano a Toyota tomou o lugar da General Motors, como líder mundial da indústria automóvel.

Tirando duas situações de contexto excepcional, devidas a greves, e em que por poucas semanas a Ford foi brevemente número um, a GM ocupava esse lugar desde 1931, portanto há mais de 70 anos. Não se prevê que o recupere, bem pelo contrário: a Toyota está com tendência para subir e a ganhar dinheiro e a GM para descer e a perder.

Como engenheiro (perdão: licenciado em engenharia pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com as cadeiras todas, é certo, mas sem a inscrição na respectiva Ordem) só posso aplaudir esta vitória daquilo que considero ser a “razão”. A Toyota teve uma visão de longo prazo, centrada na qualidade dos produtos e na excelência da organização. A Toyota não ganhou porque se baseou em criatividade financeira e em sofisticadas estratégias de marketing ou outras coisas necessárias mas acessórias. A Toyota ganhou porque nunca se esqueceu do essencial: fazer bem carros bons. Claro que esta de fazer “bem” e saber o que é “bom” pode não ser tão óbvio como parece.

Ao invés, a GM foi pilotada por uma gestão de topo fortemente "economicista", com visões de curto prazo, procurando sempre a forma mais expedita de espremer tudo à sua volta e recorrendo a “golpes de génios” que muitas vezes não passavam de “chicos espertos” de discernimento duvidoso. Ganhavam muito dinheiro com carros grandes e tinham dificuldade em competir com os japoneses nos pequenos? “Ok, concentremo-nos nos grandes que são uma “mina” e deixemos os pequenos, banais, os ossos, para eles”. Quando “eles” começaram a fazer carros grandes também e o petróleo disparou... deu o resultado a que assistimos hoje.


Esta vitória da Toyota é uma vitória da humildade e persistência da engenharia sobre a volatilidade arrogante da "financite". Parabéns à Toyota!

Foto extraída do site da Toyota do Prius, o primeiro carro híbrido a sério de grande difusão, símbolo do pioneirismo tecnológico e da racionalidade da marca. Quando trava, recupera a energia para as baterias, em vez de aquecer o ar através dos calços dos travões.