17 julho 2006

Um facto redundante

Quando duas pessoas decidem passar a viver juntas, partilhando bens, constituindo família e etc., existe evidentemente uma razão de natureza afectiva por trás dessa opção (ignoremos por agora as motivações económicas unilaterais… ).

No entanto, existem implicações sociais importantes com direitos e obrigações específicos. E, para isso, está previsto um contrato social que se chama “casamento”. Apesar de já não ter componente confessional obrigatória, nem obrigar a festança nem a vestido branco, decididamente o casamento não está na moda.

Por isso, a opção de muitos é viverem juntos sem casarem, porque o “papel” não acrescenta nada. Evidentemente que do ponto de vista afectivo não acrescentará nada mas, quanto mais não seja, quando acaba a relação por separação ou por óbito, há um monte de coisas a regular. E, como não foi feito o contrato normal, a sociedade vê-se na necessidade de criar legislação para as uniões de facto.

O que me parece é que esta legislação é potencialmente redundante porque o objectivo é exactamente o mesmo do casamento. Ou até pior, tenderá a ser assimétrica! Os “unidos de facto” exigirão todos os direitos dos “casados” e dispensarão, tanto quanto possível, as obrigações. Se, por exemplo, fiscalmente a união de facto for mais interessante, aí já não interessará pedir a “equivalência” aos casados, com base na mui constitucional igualdade de direitos.

Da mesma forma que após, salvo erro, 3 anos de separação, se pode reconhecer um divórcio de facto, eu acho que após “x” anos de união ou, por exemplo, o nascimento de filhos, se deveria “decretar” um casamento de facto! Seria muito mais simples e, a prazo, mais justo.

7 comentários:

Anónimo disse...

Sabes bem o que penso sobre este assunto e não vale a pena alongar-me aqui sobre ele. MAS deixa-me só lembrar, uma vez que o trazes de novo à liça, que o desejo de simplificar é humano e que a união de facto não é uma fuga ao compromisso, mas uma procura do compromisso APENAS com quem ele deve ser assumido: com o outro! E é também – porque não? – uma tomada de posição contra um modelo arquitectónico com alicerces convencionais e hipócritas manutenções de fachada… a que muitos de nós assistimos e em que muitos não quisemos participar, ou prolongar experiências como protagonistas. Todas as uniões, a termo, são difíceis. A quem é que o contrato facilita a vida? Mais justo para quem?! Não acredito que encares seriamente, como justo, um “casamento compulsivo”!
O melhor é o que cada um considere melhor, porque as dificuldades, muitas, superam-se (ou não) a um outro nível!

APC disse...

Ou então acabavam-se os casamentos. Claro que, durante uns tempos, ainda haveria quem fizesse muita questão disso, mas como as leis para os unidos de facto também lhes serviam, não haveria qualquer problema ;-)
Besos*

PS - E pensar que há tantos "unidos de facto" (casados ou não) que não são unidos, de facto! Mas enfim... Isso é outra'...

Carlos Sampaio disse...

MM

O “problema” é que a partir de um certo momento, nomeadamente património comum, vida partilhada e filhos, já não se trata unicamente de um compromisso afectivo entre duas pessoas mas também de um compromisso social que levará necessariamente a obrigações e a responsabilidades. O contrato não existe para facilitar. Existe porque é indispensável. E, é por isso, que foi criada a legislação especifica para uniões de facto que, a meu ver, é redundante com a do casamento.

E, este aspecto do contrato social, não tem nada a ver com hipocrisias. A hipocrisia está no comportamento de cada um e não no modelo em si. Não me parece que se possa dizer genericamente que “casamento=hipocrisia” e que fugir ao casamento seja fugir à hipocrisia e/ou vice-versa.

Como a união de facto acaba por se impor “automática e compulsivamente”, era mais fácil chamar-lhe simplesmente casamento sem distinções. Seria mais justo porque não haveria dois enquadramentos diferentes para, na minha opinião, exactamente o mesmo objectivo.

APC

Chamar-se-ia então para a figura única: casamento de facto ?

APC disse...

Ou "união à vista", por oposição às outras, lololol.
Ah, se não vivêssemos para nos unirmos, como seria?... :-)

PS - Tu aqui a falares de coisas sérias e eu a atrapalhar-te ;-)

APC disse...

“(…) Já a própria hitória das uniões de facto é razoavelmente estranha, periférica mesmo. Se se transformam as uniões de facto em situações equivalente ao casamento, tem de pelo menos se perguntar porque é que a instituição que era suposta funcionar como contrato afinal não funciona, tão obviamente, que é preciso legislar sobre relações parecidas que entretanto não assumiram publicamente que o eram”.

Achei isto numa crónica da Professora Isabel Leal (cujo curriculum em Psicologia é demasiadamente vasto para caber aqui) chamada “Uniões sem Factos”, originalmente publicada na revista Caras e posteriormente parte de uma compilação de crónicas sob o título geral "Em teoria, o amor é sempre bom" da Abril/Controljornal Editora, 2001. E achei que "cabia" aqui bem.

E se ainda couberem uns beijinhos... :-)

PS - "Vrum-vrummmmmmm"....... ;-)))

Agreste disse...

e não é isso que agora a declaração de IRS vem "formalizar"? deste tantas voltas ao assunto...
ah e quais são as motivações economicas unilaterais... ou bilaterais que ficam de fora?
parece que isso tb já tá salvaguardado no IRS...

Carlos Sampaio disse...

Descobri agora que se perdeu o meu comentário resposta.

Mónica

Motivações unilaterais não afectivas são, por exemplo, o golpe do baú.

A questão principal é a redundância. Sendo o objectivo igual, não faz sentido uma legislação paralela sobre IRS, outra sobre pensões e por aí fora acabando por abranger tudo o que já está definido para o casamento.

APC

Não conhecia esse texto mas o que eu escrevi está realmente na mesma linha da da Prof Isabel Leal.