18 setembro 2016

Casa comum e falta de vergonha


Uma casa comum necessita de um mínimo de regras comunitárias. Esta Europa, de costas tão largas quando se trata de apontar razões e desculpas para as inépcias e incompetências das governações nacionais, não tem assim tantas regras quanto à forma como os Estados gerem as suas contas. Para os que estão no Euro, apenas lhes dizem: não gastem muito mais do que o que recebem, concretamente 3%. Como se forma a receita e como se distribuem as despesas são opções relativamente livres de cada um.

As receitas dos Estados vêm fundamentalmente de impostos e se não há liberdade total, pouco menos. Por várias razões a harmonização fiscal não será para amanhã. Por exemplo, a taxa base do imposto sobre os rendimentos das empresas é, salvo erro, de 10% na Irlanda, 21% em Portugal e 33,33% em França, já sem considerar as infinitas situações particulares e exceções. Faz sentido? Se a Irlanda se governa com os 10% e se isto é conhecido e transparente, melhor para ela. No entanto, há nas instituições europeias quem questione esta discrepância.

Coisa diferente é um país negociar individual e secretamente com uma empresa condições fiscais especialíssimas. Foi o que fez o Sr Juncker no Luxemburgo, ao que se sabe chegando a acordar taxas da ordem de 1%, para entidades sem atividade real no país. Foi agora notícia o caso da “correção fiscal” à Apple, na Irlanda, onde pagava uma taxa “muito amiga” de 0,005%. De realçar que não está em causa apenas a atividade da Apple na Irlanda. Os lucros supostamente gerados pela Apple em Portugal, por exemplo, também para lá são aspirados. Em contas simplificadas, uma empresa que declare mil euros de resultados em Portugal pagará tanto de imposto quanto a Apple na Irlanda por cada 4,2 milhões de lucro. É ridículo e injusto.

Para lá do enquadramento legal, há aqui um fator moral brutal. A Apple e as outras empresas que tais, supostamente socialmente responsáveis, com toda a lista de princípios politicamente corretos transcritos nas suas paredes reais e virtuais, consideram que não devem contribuir para as infraestruturas, sistema de saúde, justiça e educação dos seus clientes? Tenham vergonha.

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