11 junho 2005

Julgar a escravatura

Parece que agora está na moda, passado uns séculos, os ex-escravizadores pedirem formalmente desculpas ao ex-escravizados. Alguns destes, que nem são propriamente um exemplo no respeito pelos direitos humanos, aceitam-nas e até parece que se acham credores de reparação! Estamos face a uma descarada hipocrisia. É um pouco análogo ao elogio fúnebre que tende a ser generoso porque já não há perigo de o elogiado o cobrar. Com toda a desgraça actual em África e com responsabilidades claras dos “ex-escravizadores” e, também, dos “ex-escravizados”, é mais cómodo pedir desculpa por algo remoto do passado do que assumir as responsabilidades actuais e, para as quais, ainda se está muito a tempo de corrigir.

É absolutamente claro que a escravatura foi uma nódoa na história e que o que ela tem subjacente é completamente contrário a valores humanísticos básicos e inquestionáveis. Está evidentemente fora de questão dar algum tipo de justificação ou atenuante.

Mas, por outro lado, é perigoso julgar épocas muito afastadas no tempo com base na realidade cultural presente. Seguramente que muitos factos e situações correntes actuais serão considerados absurdos e bárbaros no futuro. Alguns talvez se adivinhem enquanto outros nem se sonham.

Se o que está em causa é promover o desenvolvimento social e o respeito pelos direitos humanos, não me parece fundamental simplesmente evocar a escravatura. Será muito mais importante tentar entender porque houve e, aqui sim, tentar encontrar analogias actuais: situações em que um dado interesse, considerado prioritário, leve ao menosprezo da dignidade humana.

Muito mais importante do que ficar parado a olhar para trás, é olhar em redor e fazer o possível para que gerações futuras não venham a comemorar o ‘Dia Internacional de qualquer coisa terrível que se fazia no início do século XXI’.

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