22 junho 2005

Coisa comum

O que há de comum entre um executivo de uma empresa multinacional que, entre manipulação de contas e off-shores, faz desaparecer uns largos milhões e um autarca/empreiteiro/dirigente desportivo que com tráfico de influências e corrupção se apropria de dinheiros públicos?
E que haverá de comum entre estes dois e um trabalhador que não quer trabalhar e que de baixa em baixa consegue uma reforma fraudulenta? E entre estes e um funcionário público que, para ir de férias, “arranja” um atestado médico?

O que há de comum entre todos, contexto e dimensão à parte, é partilharem e aplicarem o princípio de que “o mundo é dos espertos”. Que é “normal” aproveitarmo-nos dos vazios legais, ou da sua deficiente fiscalização, para obter tudo o que for possível, devido e indevido. Curioso é serem vistos, muitas vezes, mais com inveja pela sua “habilidade” do que com reprovação clara. Deveremos resignarmo-nos a que se trata de comportamentos intrínsecos da natureza humana e, como tal, colectivamente inevitáveis e mesmo um pouco toleráveis?

Se analisarmos a história da humanidade, concluímos que os padrões de ética evoluíram ao longo do tempo. A escravatura já foi em tempos, considerada aceitável. A lavagem da honra por crime já foi desculpada. A guerra já foi considerada uma forma normal de resolver problemas diplomáticos (esta evolução ainda não está generalizada a nível mundial...).

A dissuasão, detecção e a repressão destes delitos terão sérias dificuldades de eficácia se existir um senso comum de que, afinal, só não se aproveita quem não pode. É crucial que, individualmente, se assimile a noção de que este mundo é de todos e não prioritariamente dos “espertos”. Que uma boa parte dessas fraudes lesam aqueles que as acham “normais”. Que são roubados e “condescendem” com aqueles que os roubam. Que esses “espertos” afinal são “ladrões”.

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