30 setembro 2006

“Probo Koala”



Falou-se pouco em Portugal deste belo e esplêndido navio que a foto, “googleada” um pouco à sorte, documenta. Parece que começou por andar uns tempos meio errante ao largo de Algeciras e Gibraltar. Dizem as más línguas que a receber lixos de refinarias que ninguém queria. Outros dizem que foi uma refinaria artesanal flutuante, transformando cudre em gasolina pobre e à custa da criação de resíduos perigosos. Outros dizem que o facto de não ser especializado e transportar produtos petroquímicos muito variados produziu uma mistura perigosa na cisterna de recolha das águas de lavagem.

No início de Julho tentou descarregar em Amesterdão umas supostas águas sujas de lavagem de tanques. O cheiro pestilento e insuportável dos produtos abortou a operação. Recomendaram as autoridades portuárias que o navio fosse descarregar a Roterdão, onde existem meios próprios para o tratamento. O afretador achou que era muito caro. Além do custo da viagem adicional e do tratamento, perdia o contrato seguinte. Perferiu tentar outra “solução” dez a quinze vezes mais barata.

Assim, com os holandeses a assobiarem para o lado, o navio zarpou para a escala seguinte na Estónia, onde tranquilamente carregou produtos petrolíferos que foi levar à Nigéria. Na volta, no dia 19 de Agosto, fez uma discreta paragem na Costa do Marfim para descarregar “águas sujas de lavagem”. As 400 toneladas altamente tóxicas foram parar a várias lagoas nos arredores de Abidjan.

O efeito foi fulminante. Morreram 8 pessoas, algumas delas crianças que simplesmente mergulharam nas lagoas contamindas. Logo nos primeiros dias cerca de nove mil pessoas tiveram sintomas de envenamento como problemas respiratórios, hemorragias nasais, erupções cutenâeas, etc. O total, não claramente contabilizado, será de várias dezenas de milhar. Num país onde tanta coisa falta, faltaram as máscaras respiratórias que atingiram preços astronómicos. Quem está com um problema sério são os motoristas dos camiões que fizeram a descarga. Fugiram para parte incerta, ameaçados pela população em fúria.

Agora, a França altruística e humanitariamente propõe-se ajudar na recolha e no tratamento dos resíduos, apesar do mau momento nas relações políticas bilaterais.

Que seria do mundo pobre se não fosse a caridade dos ricos?!

27 setembro 2006

O lixo é relativo?


Há uma dúzia de anos, um belga em visita a Portugal dizia-me vivamente impressionado que Portugal era um país sujo. Eu, embora concordasse que podia haver menos lixo nas bermas das estradas, achava que não era motivo para tamanho escândalo. Também dizia ele que estava tudo muito degradado. Que, na Bélgica, ninguém dormia descansado se tivesse uma telha fora do sítio ou uma mancha no muro por pintar. Embora, globalmente, lhe desse razão achava que o nosso modo de vida tinha algumas vantagens, alguma descontracção que lhes faltava, permanentemente stressados com os sinais aparentes de arrumação. Também era verdade que, para eles, tratar do jardim era prioritário em relação a sair no fim de semana.

Deve ter sido por isso que quando devolvi a casa alugada ao senhorio, tive que pagar indemnização por o jardim não estar suficientemente bem mantido. Devo dizer que a culpa não foi só minha. Houve uma toupeira teimosa que muito contribuiu para essa desgraça.

Quando chegei a Argel achei-a suja e degradada. Excepto em pequenas zonas limitadas é difícil encontrar ruas limpas, lisas e/ou secas. Há construções novas e velhas, acabadas e por acabar e muitas novas que já parecem velhas. Pensando melhor, acho que poucas estarão realmente, realmente acabadas. Ficam sempre uns ferros para cima, ou uns buracos para fechar ou, no mínimo, entulho por limpar.

Não o comentei com os locais como o belga fez comigo. Mas, se tivesse feito, teriam eles um ponto de visto idêntico ao meu? Será o lixo relativo?

Devo acrescentar que não sou um fanático da organização. Apenas sou organizado na medida em que isso me interessa. Na medida em que me permite utilizar melhor o tempo e ser mais eficiente.

23 setembro 2006

Pequenas desventuras tecnológicas caseiras



Resolvi comprar um leitor de DVD para colocar num espaço livre no meu espaço multi-média. Esse espaço já esteve ocupado por um PC que prometia fazer tudo o que eu queria. Infelizmente só o fazia na teoria. Depois de muitos ensaios e tentativas de correcção, o PC voltou à origem.

Os leitores de DVD foram desenhados para serem colocados em cima de leitores de vídeo, que foram desenhados para serem colocados por baixo de uma TV “trambolho”. No entanto, cada vez há menos leitores de vídeo e TV’s “trambolho”. Apesar disso, os fabricantes de leitores de DVD’s ainda não descobriram e continuam a reduzir o tamanho dos leitores só na altura. A área continua a ser a de um “trambolho”...

A escolha ficou então muito reduzida e comprei um Kiss DP 1100. Ao testá-lo detectei uma falhas, nomeadamente na visualização de fotos. Escrevi ao fabricante indicando modelo, número de série e versão de "firmware". Deram-me uma receita daquelas tipo chave secreta para saltar de nível nos jogos da PS2. Não resultou. Escrevi de novo. Aí disseram-me que tinha de descarregar uma nova versão de “firmware” do sítio deles. Achei que um simples leitor de DVD não era aparelho para tais cirurgias. Protestei com o fabricante e protestei no sítio da Vobis. Disseram que teriam todo prazer em me atender numa loja. Bom...

Lá resolvi ir ao site da Kiss com a convicção de que me iria “divertir” nessa aventura. Descarreguei o programa, descompactei-o, gravei CD em modo imagem, arranquei o leitor que, para minha surpresa, me disse alegremente que tinha assimilado a actualização. Nunca pensei que corresse tudo a 100% à primeira... O problema é que a actualização não mudou nada daquilo que não funcionava correctamente!

Recontactei a Kiss e perguntei ironicamente o que me sugeriam fazer: trocar de marca leitor ou esperar por nova versão de "firmware". Responderam candidamente, sugerindo que esperasse por nova versão... talvez resolvesse...

20 setembro 2006

Ainda o "Grand Jacques"...

Pensava eu que já tinha captado tudo do "Grand Jacques", quando da minha caixinha com a obra completa saltou esta que passo aqui em tradução bastante livre:

Por um pouco de ternura eu ofereceria os diamantes que o diabo acaricia nos meus cofres de prata. Porque crês tu, ó bela, que no porto os marinheiros esvaziam as algibeiras para oferecer tesouros a falsas princesas?
Por um pouco de ternura...!

Por um pouco de ternura eu mudaria de rosto, mudaria de embriaguez, mudaria de língua. Porque crês tu, ó bela, que no alto dos seus cantos, imperadores e menestréis abandonam tantas vezes poderes e riquezas?
Por um pouco de ternura...!

Por um pouco de ternura eu oferecer-te-ia o tempo de juventude que resta no verão que se acaba. Porque crês tu, ó bela, que a minha canção cresce até à renda clara que dança na tua fronte, pendendo para o meu desespero?
Por um pouco de ternura...!


Jacques Brel, "La tendresse"

18 setembro 2006

A Máquina do Tempo

Não imaginava o que fosse viajar numa máquina do tempo. Deixar de ter contacto com um comunidade, até aí de vivência quotidiana, e regressar ao fim de uma meia dúzia de anos.

Claro que não se espera encontrar tudo igual. Mas apenas marginalmente diferente. E não é assim. E não é só a densidade e a cor dos capilares. Não é só o perímetro das cinturas. Não é só a profundidade das olheiras ou o aguçar do nariz. Essas são as evoluções da embalagem.

As diferenças mesmo estão nos olhares. Há quem apague, há quem acenda, há quem permaneça apagado e há quem continue brilhando.

O mais estranho é o tempo passar tão desigualmente. Uma dimensão realmente complexa.

16 setembro 2006

Esquerda, direita ou antes pelo contrário

Há 20-30 anos atrás, ser jovem e “ser do contra” era ser de esquerda. E sendo-o duma forma não necessariamente muito fundamentada. O Che Guevara era o herói generoso que tinha tentado mudar o mundo e morrido martirizado às mãos de broncos horrorosos.

Não está em causa o rigor desta perspectiva romântica, nem a avaliação do desfecho cubano desta história. Uma frase não sei de que origem diz: “Se aos 20 anos não és comunista, não tens coração; se aos 30 ainda és comunista, não tens inteligência”. Na altura, era “normal” ter coração.

Sendo “norma” o cabelo ser curto, “ser do contra” era ter o cabelo comprido. Se a geração acima achava que os comunistas não eram recomendáveis, “ser do contra” era ser de esquerda. E, já agora, da extrema mesmo porque os ortodoxos já estavam agarrados a um sistema visivelmente falhado. Essa irreverência, e contestação, tinha um pano de fundo, ingénuo claro, mas generoso e idealista.

E tudo isto vem a propósito de que agora está a ficar moda que ser “do contra” é ter a cabeça rapada, ser racista e xenófobo. Poderá não ser mais do que o espaço ainda possível de provocação? Será que esta é uma das poucas formas ainda disponíveis de chocar a “sociedade”? Não sei. Não sei se é só isso: querer chocar gratuitamente. Só faltaria uma nova frase: “Se aos 20 anos não és nazi, não tens personalidade....”.

Por muitas semelhanças que possam existir na questão de fundo, uma camisola com a imagem do Che Guevara não pode ser posta ao lado de outra com a imagem de Hitler... porra!!! (e para não pôr aqui um palavrão bem grosso...)

E é claro que esta “norma” tem excepções: "ter sido do contra" antes pela direita e sê-lo agora pela esquerda. No entanto, ambas são, politicamente, muito menos correctas...

14 setembro 2006

Meritocracia, sim, claro, mas...

Pelo menos na teoria, é praticamente consensual a importância da meritocracia. Promover quem demonstra ter mais mérito é fundamental para a evolução de uma organização ou comunidade. Por isso, é politicamente correcto apresentar longas profissões de fé neste credo.

No entanto, há um “mas”. É que sem confiança não há mérito. Realmente, eu nunca comprarei um automóvel a um fabricante em que não confie, independentemente do mérito objectivo da sua proposta. Pratica-se assim uma meritocracia dentro do universo da confiança, que pode ser mais ou menos restrito. E, aqui, há um problema potencial. É que a confiança nem sempre assenta necessariamente em critérios racionais. Pelo contrário, pode até ser bastante preconceituosa. Sexo, idade, raça, partido e nacionalidade são para muitos critérios de confiança com tanto de inquestionável, quanto de não susentando.

Em resumo, o potencial de evolução depende da aplicação da meritocracia e esta depende da capacidade de ter/ganhar confiança, preconceitos à parte. Senão, teremos somente uma espécie de nepotismo camuflado.

10 setembro 2006

De malas...

A partir de hoje, o Glosa Crua irá passar a estar baseado noutro continente.
Talvez passe por alguma fase de menor regularidade pelas atribulações da mudança ou por dificuldades tecnológicas. Se tal acontecer, tentaremos que seja por um período o mais breve possível.

08 setembro 2006

E depois ...?

“Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz...”
Rui Veloso/Carlos Tê

“Eu só estou bem onde não estou, só quero ir aonde não vou...”
António Variações

“Avec le temps, va, tout s’en va...”
Léo Ferré

Quando se está mal é óbvio que a opção é mudar, aceitando o risco de piorar. Mas, quando um dia, uma hora, um minuto, um mês ou um ano se estiver bem? Que fazer? Tentar prolongar? “Não há bem que sempre dure...”
Se for bebida demasiado devagar, a cerveja perde a espuma e haverá um momento em que se deixa de saborear. Um pacote de leite consumido em demasiado tempo acaba por azedar.

E há alturas em que se vive um tempo ou um momento único. Ignorando o que vem a seguir, como nos devemos despedir? Com a expectativa do novo que se vai ganhar ou com a nostalgia do antigo que se vai perder? E não é possível despedirmo-nos duas vezes da mesma coisa.

No fundo, tudo é mais simples para os eternos insatisfeitos. Nunca terão dúvidas entre partir e ficar e nunca se perderão na cerveja até a espuma acabar!

05 setembro 2006

O estilo neo-calhau



Há quem opte por cimentar ou revestir com pedra os seus jardins para não ter mais problemas com relvas e ervas. Se bem que o resultado estético seja discutível, é uma opção pessoal num bem particular.

Situação muito diferente é quando são as autarquias que resolvem transformar espaços públicos em pedreiras. É uma praga que dura já há uns tempos e que continua implacável. Cada vez que se mexe numa praça ou num jardim, não parece haver outra alternativa que não seja cobrir tudo com pedra, criando um espaço árido e desconfortável, gelado no inverno e tórrido no verão. Chamo-lhe “estilo neo-calhau”.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo e pelas mesmas autarquias, as rotundas, com ou sem obra de arte central, e acessos rodoviários em geral estão cada vez mais relvados!

A cidade do Porto tem uma boa quota deste “estilo neo-calhau”. Se a mais infeliz é talvez a Praça da Batalha, agora foi mesmo no coração do burgo, na Avenida dos Aliados. Não são necessárias palavras. Basta comparar fotografias do antes e do depois. A conclusão é óbvia e chocante.





Nota: A segunda foto não é minha. Foi "googleda" de guiadoimigrante.com

03 setembro 2006

Ainda as línguas e os “bês”

Parece lógico que as línguas evoluam. E dentro do universo de cada língua não é claro que essa evolução seja completamente síncrona. Por exemplo: se duas comunidades falarem hoje português igualzinho e deixarem de ter contacto entre elas, só por coincidência é que dentro de uma geração falarão ainda exactamente a mesma língua.

Parece lógico que as divergências nessa evolução serão tanto maiores quanto menor seja o nível de comunicação dentro da comunidade da língua. Parece lógico que uma nação fechada tenha a sua língua específica. Uma variante germanófona no Luxemburgo será assumida como marca identificadora. Se ocorresse numa zona do país Alemanha, seria diminuída face à norma oficial.

Parece claro que vivemos numa era em que o “nível de comunicação” é alto. Por isso, as divergência deveriam ser reduzidas. No entanto, nunca como agora, essas “divergências” foram valorizadas… Porquê? Por se entender que estão em risco? Que daqui para a frente não haverá mais espaço para divergências??? Será porque culturalmente estamos a ficar normalizados?

De todas as formas, parece importante distinguir o caso do flamengo germanófilo, radicalmente diferente do francês latino, do valenciano marginalmente diferente do catalão…

E, nesta confusão… onde ficam os nossos “bês pelos vês” ???

01 setembro 2006

Eu tive um sonho

Ao ouvir as catastróficas notícias sobre a possível exclusão das nossas equipas e selecção das competições internacionais, sonhei que teríamos um verdadeiro colapso no nosso futebol profissional.

Que se zangavam todas comadres e que se descobriam todas as verdades. E de tal forma que não se conseguia disfarçar mais e que estourava mesmo.

Que acabava essa “economia” que não gera nada de bom. E não estou a pensar nas vedetas milionárias. Preocupam-me mais os miúdos que têm jeito para dar uns toques na bola. E que, por meia dúzia de toques, por meia dúzia de anos, recebem meia dúzia de tostões fáceis e descuram o investimento pessoal em algo mais sustentável. Sem dinheiro não há vícios e sem dinheiro de origem fácil muito menos.

Sonhei que os recursos e as energias eram dirigidos para desportos, mesmo desportivos, de praticar e não de assistir. Que, por exemplo, a Câmara de V.N. de Gaia tomava a atitude revolucionária de, em vez de financiar centros de estágio para vedetas, promover a prática de desportos “caros” como o atletismo em todas as suas freguesias.

Seria bonito.