09 dezembro 2020

Desclassificar Camarate

 

Recordo-me daquele dia de dezembro em que o país atónito e apreensivo recebia a notícia do acidente de Camarate. Na jovem democracia, nunca algo de semelhante tinha ocorrido. O facto em si e as potenciais consequências assustavam. Recordo-me dos julgamentos sumários populares: - Foi um acidente! – Foi atentado! – Foram os comunistas! – Foi a CIA!

As conclusões oficiais e imediatas foram pelo acidente. Durante anos, associar a palavra atentado a Camarate foi tabu e motivo de indignação e insulto contra qualquer temerário que as evocasse. Dez (10!) comissões parlamentares de inquérito foram apontando para o atentado e evidenciando a falta de vontade e de eficácia da investigação criminal. Falou-se da questão de um eventual tráfico de armas que condenou o Ministro da Defesa e, por arrasto, o Primeiro-ministro.

Podemos imaginar que, na altura, assumir o atentado teria tido consequências devastadoras na ainda frágil democracia. Podíamos? O que não podemos, de todo, é passados 40 anos continuar sem saber o que realmente se passou antes, no dia e depois. Ainda falta vontade?  A revelação de toda a trama ainda fere alguém com poder para a travar? 40 anos depois, é obrigatório saber.


E ainda: 

Recordo-me da longa transmissão televisa das cerimónias fúnebres, em véspera de eleições. Arriscando fazer futurologia no passado: Tudo isto ajudou ou prejudicou o resultado de Soares Carneiro? Eu acho que prejudicou e acabou por confirmar uma derrota já previsível. Estas situações fortalecem os fortes e enfraquecem os fracos.

Soares Carneiro, sem chama nem carisma, “pau de cabeleira” da AD ficou adicionalmente exposto na sua fraca figura. Quem não queria votar nele, não mudou de ideias; quem estava na dúvida, em maior dúvida terá ficado ao vê-lo desamparado, sem tutela.


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