28 julho 2010

Enquanto o navio afunda


Conta-se que a orquestra do Titanic continuou a tocar enquanto o navio afundava. Se calhar até poderia fazer algum sentido para não agravar o pânico. Não sei. O que sei é que essa imagem ficou associada ao “The show must go on” e à insensatez e insensibilidade do primado do prazer, independentemente das condições, dos contratempos e até mesmo da proximidade de uma tragédia.

Vem isto a propósito do recente acidente no “Love Parade” em Duisburg na Alemanha, em que apesar da tragédia e do terror que se terá vivido, não houve coragem, nem respeito pelos mortos e feridos, nem sensibilidade para dizer: “Meninos e meninas, não deve e não vai haver show!” Justificações são a coisa mais fácil de arranjar. Podemos sempre justificar um sim e ao mesmo tempo o correspondente não. A dificuldade está em ponderar as razões e decidir qual a que vale mais em função da respectiva escala, sempre algo subjectiva.

Alguém acredita que cancelar o espectáculo poderia provocar ainda mais tumultos ? O que me cheira é que da mesma forma como a autorização para o espectáculo foi tardia porque havia muitas dúvidas... quanto à segurança.. mas foi dada porque tinha que ser, se entendeu que tinha que continuar e que há coisas que não podem ser postas em causa, nomeadamente a expectativa de festa criada.

Como se sentirá um participante que tenha andado lá entretido a “bombar” (é assim que se diz?) ao saber que alguém como ele morreu ali estupidamente e que o sangue está ainda fresco no chão a uns metros de distancia? É possível alguém saber e dizer alegremente “Que se lixe!” ? É ético esconder o facto da multidão, somente para não estragar a festa?

Apesar dos tempos notórios e inquestionáveis de crise, há algo que parece ter uma precedência indiscutível na escala de valores: a festa. Creio mesmo haver quem aceite subalimentar-se ou privar-se de cuidados de saúde, apenas para não deixar de poder ir às festas.

Quando a festa é um valor primário sobrepondo-se a tudo, inclusive ao respeito pela vida humana, não hesitando em ser feita saltando sobre a memória dos mortos frescos, temos realmente uma grande crise e muito pior do que a crise económica.
Nota: Fota extraída do Jornal Público

18 julho 2010

Amor com amor se paga

Presidenciais 2006

O candidato oficial do PS, Mário Soares, não faz o pleno do eleitorado do partido, nem do chamado flutuante (a que eu prefiro chamar eleitorado crítico). É ultrapassado e humilhado por um independente, Manuel Alegre. Há uma franja do eleitorado que não se revê nem em Alegre nem em Soares e dá a vitória na primeira volta a Cavaco Silva, tornando-se este o primeiro Presidente da República eleito depois do 25 de Abril apoiado oficialmente apenas pela direita.

Presidenciais 2011
O Presidente em exercício, que parece ainda não ter entendido bem a sua função e o que se espera dele, esbraceja quase desesperado para não ter a humilhação de ser também o primeiro a não ser reeleito para o segundo mandato. Bastaria ao PS ter apresentado alguém como Jorge Sampaio, António Guterres ou Jaime Gama para Cavaco já ter as malas feitas. Mas não. O anterior independente, Manuel Alegre, é agora o oficial do PS mas, por motivos diversos, também não fará o pleno. Mário Soares ainda não digeriu a humilhação e não o apoia. Parece mesmo é desejar um “Manuel Alegre” para o Manuel Alegre actual.

Se Fernando Nobre não fazia sombra suficiente, surge agora Defensor Moura que anuncia só querer encher a actual terra de ninguém à direita de Alegre e assim impedir nova vitória de Cavaco Silva à primeira volta. A história não se repete porque da segunda vez é a farsa.

Resumindo e concluindo: vamos ter umas presidências bastante pobrezinhas...

17 julho 2010

A Guiné dos ricos

Nem de propósito! A seguir ao meu anterior post sobre os números negros em África, em que apesar da liderança no rendimento per capita, a Guiné Equatorial não sai muito bem na qualidade de vida dos seus cidadãos, estamos com a polémica sobre o seu pedido de adesão à CPLP.

Se a pátria da CPLP é a língua portuguesa, então será difícil ela entrar, a menos que se considere o espanhol uma variante do português ou que ela adopte o português como língua oficial em pró-forma.

Agora, não venham com o argumento de que não deve entrar por ser uma ditadura. Para não ferir susceptibilidades, não falemos dos restantes membros da CPLP. Vamos por um caminho menos sensível e mais abrangente. Se a ONU fosse a recusar o estatuto de membro a todos os países que não respeitam os direitos humanos, quem ganharia com isso? Isolados, sem enquadramento e sem pressão internacional institucional, os párias ficariam ainda mais párias e a ONU mais fraca. É obviamente um equilíbrio delicado entre o pragmatismo e o limite da hipocrisia, mas globalmente é melhor estarem dentro do que fora.

Que a Guiné Equatorial queira ser “meia portuguesa” não pode ser muito mau. Acredito até que provocará alguma inveja noutras comunidades. Provavelmente que se fosse o pobre Burundi a pedir a adesão, levantar-se-ia a nobre solidariedade, independentemente do fraco nível democrático do país. Como se trata da rica Guiné Equatorial, há uma maior exigência, que por acaso até interessa às comunidades preteridas.

Ingénuos...

15 julho 2010

04 julho 2010

Números negros

Na mesma altura em que leio um título “No futuro o ser humano poderá viver mil anos, defende cientista britânico”, que parece ser mais uma frase destinada a servir de título que nem sei nem quero avaliar, consulto o último relatório do Banco Mundial sobre os indicadores de desenvolvimento em África. Aliás nem sei se gostaria de viver 1000 anos, mesmo que fisiologicamente viável. O referido relatório do BM são cerca de 200 páginas de análise e de muitos quadros. Um resumo na página 37 já diz bastante. Há indicadores que se entendem mais ou menos bem, para os quais se tem maior ou menor sensibilidade e há outros que são claros: esperança de vida à nascença e taxa de mortalidade abaixo dos cinco anos. Alguns exemplos

Esperança de vida em Moçambique: 42,1 anos – Faz pensar, não faz? É um país pobre. Se olharmos para Angola em que o rendimento per capita é quase o dobro, teremos como esperança de vida em Angola : 47,3 anos.

Olhando para os extremos:
País com maior rendimento per capita – Guine Equatorial = 8692 USD
País com menor rendimento per capita – Burundi = 111 USD,
Média no continente = 879 USD
Se compararmos , respectivamente, esperança de vida e mortalidade infantil teremos:
Guiné Equatorial -- 50,5 -- 20,6 %
Burundi -------------- 50,6 -- 18,0 %
Média África -------- 54,8 --- 13,4%

Apesar de ter um rendimento quase 80 (oitenta) vezes superior, a Guiné Equatorial praticamente empata com o Burundi nesses dois indicadiroes e até está pior na mortalidade infantil. Pode-se argumentar que é uma riqueza recente (do ouro negro, é claro) e que ainda não teve tempo para surtir os seus efeitos na global da população. Esperemos...

Os bons exemplos e o bom exemplo dentro dos bons

Seychelles --------73,2 ----1,3% ---- 8 267
Maurícias ---------72,4---- 1,5 % ---- 4 929
Cabo Verde ------ 71,2 --- 3,2 % ---- 1 632
(Esperança de vida - Mortalidade infantil - PIB/capita)

02 julho 2010

Eu sabia...

Quando escrevia há poucos dias atrás acerca do folhetim político da introdução de portagens nas scuts e previa que antes de as novas portagens entrarem em vigor ainda iriam chegar mais novas “ideias”, acertei.

Agora o identificador deixou de ser obrigatório. A identificação pode ser feita fotografando a matrícula. Até já lhe chamaram uma solução de bom-senso. Calcularam os custos totais de processar a transacção dessa forma? Os senhores sabem que esse processo não é 100% fiável? E lá vem um efeito colateral: quem tiver via verde pagará de certeza, quem não tiver fica à mercê da fiabilidade do outro sistema que pode falhar até 10% das leituras, dependendo de factores como intensidade da circulação, condições atmosféricas e da quantidade de “lixo”, involuntário ou não, que estiver na matrícula. Não me parece justo e acho que alguém ainda vai exigir que o identificador da Via Verde passe a ter um botão de desligar para poder desactiva-la ao passar nas ex-scuts e poder ficar em igualdade de circunstâncias com os demais. Ou então, para compensar, e como é feito nalgumas aplicações deste sistema, o custo de passagem com leitura óptica deveria ser mais elevado... ! É só mais uma “ideia”...

E, em termos de protecção de privacidade, qual a diferença entre uma leitura electrónica de um identificador e uma leitura óptica automática de uma matrícula? E, já agora, com uma percentagem grande de veículos sem identificador a probabilidade de eu ser fotografado colateralmente é elevada. Isso será constitucional ?

Porquê esta nova trapalhada? Porque, para encravar o processo, em vez de se ir ao fundo da questão achou-se melhor lançar uma gincana jurídica em torno da obrigatoriedade do identificador. É um exemplo típico dos habituais malabarismos legais em que por hábil manipulação do acessório, se desperdiçam recursos e se impede o bom funcionamento da justiça e das instituições em geral.

Pior do que pagar é a cobrança ser feita por uma máquina ineficaz, pouco fiável e não equitativa. Esperemos pelas próximas ideias e gincanas...