29 abril 2006

Do "Tratado do Lobo das Estepes"

"Imaginemos um jardim, com centenas de árvores das mais variadas, milhares de flores das mais variadas, centenas de frutos e de ervas das mais variadas. Se se dá o caso de o jardineiro desse jardim não conhecer outra diferenciação botânica que não seja a de “comestível” e “erva daninha”, então não saberá lidar com nove décimos do seu jardim, arrancará as flores mais encantadoras, abaterá as arvores mais nobres ou pelo menos há-de odiá-las e olhá-las de través. Assim age o Lobo da Estepes para com os milhares de flores da sua alma. O que não cabe nas rubricas “Homem” ou “Lobo”, isso nem sequer vê. E a quantidade de coisas que atribui ao “Homem”!? Todas as cobardias, macacadas, idiotices e mesquinhices, desde que não sejam propriamente bestiais, tudo isso faz caber no humano, do mesmo modo que refere ao lupino tudo o que é força e nobreza, unicamente porque ainda não foi capaz de se tornar o seu senhor."
De: "O Lobo das Estepes", Hermann Hesse

Afinal, o Pessoa com aquela das duas vidas estava a ser demasiado redutor… Também, ao ter mais heterónimos do que vidas, já estava a deixar uma pista.

28 abril 2006

A culpa é do sistema!

Trata-se de uma expressão muito útil e de vasto campo de aplicação. É famosa aquela clássica de que, quando o clube não ganha o campeonato, a culpa é do “sistema”. Como o “sistema” é complexo, difícil de mudar e muito oportunamente inclui partes que não controlamos, é o argumento ideal. Vem isto a propósito da Assembleia da Republica. Se não há quórum, vai de questionar o “sistema”.

Se isso acontece na véspera de um fim de semana prolongado, não parece ser uma questão de “sistema” mas sim, desculpem-me a expressão, de balda e de falta de responsabilidade. Em resumo, de atitude! Enquanto não houver atitude, não vale a pena discutir “sistemas”. Só serve para levantar poeira e esconder o problema básico.

Da mesma forma que o trabalhar em isenção de horário não me dá direito de “fazer o que entender” mas, antes pelo contrário, ter responsabilidades acrescida, a imunidade parlamentar também não deveria servir para os deputados escaparem alegremente ao pagamento das multas de transito. Deveria servir para se esforçarem ainda mais por cumprirem todas as normas e para evitarem o seu incumprimento.

É claro que das duas umas. Ou o “sistema” muda de atitude e se auto-responsabiliza ou, a prazo, cai. Não necessariamente de revolução mas tomado democraticamente por demagogos populistas.

25 abril 2006

O meu Abril

E lá passou mais um aniversário do 25 de Abril com o seu cortejo de discursos e comentários dos seus donos, herdeiros, adoptados e enteados. As leituras políticas, enquanto as houver, serão naturalmente distintas. No 24 de Abril um líder do PC seria um provável preso político; um do PS seria um provável exilado; um do PSD seria provável deputado de uma tímida oposição e um do CDS seria um provável ministro da situação. Seria bom, sobretudo para quem não o viveu, que o 25 de Abril fosse comemorado pelo seu futuro, pela positiva e não em evocações cansadas, enfáticas e quase saudosistas.

Felizmente ou infelizmente caminhamos para a situação de “25 de Abril” vir a ser principalmente sinónimo de feriado e nome de ponte. Da mesma forma como muitos feitos e personalidades relevantes acabaram por ser mais conhecidos pela toponímia de uma homenagem qualquer do que pelos factos originais. Quando Roland Garros terminou a travessia aérea pioneira do Mediterrâneo, de França para a costa africana, não imaginaria que ficaria para a posterioridade associado ao ... ténis!

Para mim o 25 de Abril foi a garrafa de espumante que se abriu lá em casa e o brinde à “mudança”. Mudança sem mais. Talvez para pior, talvez para melhor, mas uma mudança que, só por si, era para comemorar.

Ficaram-me alguns episódios mais. O embaraço da minha mãe quando antes do 25 lhe perguntei o que queria dizer “política”. Num país em que havia uma só política que não se comentava nem, muito menos, se contestava, era difícil dar essa explicação. Depois do 25, ao ouvir na televisão alguém zurzir no governo, os meus pais olhavam em volta inquietos. O simples facto de estar em frente a uma televisão em que alguém dizia “ O Sr Ministro não tem razão!” era já subversivo e potencialmente perigoso.

Também quase subversiva era a “Pedra Filosofal” de António Gedeão: “Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida”.

O 25 de Abril para mim fica como o momento emocionante e único de uma enorme esperança colectiva e ingénua, de uma grande vontade de mudança e da capacidade de acreditar no “sonhar”. Falhou muita coisa. A esperança por si só não basta.

Hoje, como sempre, a chave da mudança está na atitude. Apesar do resto e das excepções, o meu 25 de Abril é essa atitude. É o recordar que “sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como uma bola colorida, entre as mãos de uma criança”. Não basta sonhar mas é por aí que temos sempre que começar e acreditar.

21 abril 2006

O choque das maçãs

Em plena crise anunciada, fui comprar maçãs. Crise anunciada porque, até agora, tem existido sempre uma clara relação causa-efeito entre o disparar do preço de petróleo e uma recessão económica posterior. Talvez os mecanismos de controlo actuais estejam mais ajustados e, por isso, uma crise aguda seja menos previsível mas é um facto que a factura está a chegar e irá aumentar.

Como dizia, com o petróleo acima de 70 USD, fui comprar as minhas maçãs, royal gala ou starking, a um supermercado de uma conhecida cadeia aqui na terra. Ora bem, não havia dessas maçãs portuguesas. Em desespero de causa comprei 4 argentinas que viajaram meio mundo para cá chegarem e com o petróleo a estes níveis. Ali para os lados de Armamar há muitas com dificuldade para saírem das árvores.

Ao mesmo tempo, leio que os viticultores de Bordéus, desesperados por não saber o que fazer ao seu vinho em stock, querem queimar 320 mil hectolitros de “Bordeaux – AOC”, 15% da sua produção anual, transformando-os em combustível. A França no total prevê destilar em 2006 4 milhões de hectolitros, o que alguns produtores até acham insuficiente. É certo que estavam muito mal habituados a cobrar demasiado pelas suas “Appellations d’Origine Contrôlées”, mas a situação é, no mínimo, curiosa. Penso que esse combustível não serve para aviões porque senão seria engraçado. Destilar vinho de Bordéus para ser utilizado em aviões que iriam à Argentina buscar maçãs. Este nosso mundo está cheio de oportunidades!

Um pouco menos a brincar, seria interessante averiguar se todos os produtos alimentares que encontramos cá à venda, mais baratos do que os nossos, são mesmo estruturalmente mais baratos somando custos de produção e de logística, ou se vêm para cá a qualquer preço, só para não serem “destilados”. Os lacticínios seriam um bom exemplo para começar.

17 abril 2006

Tensão



O mesmo espaço, duas formas, duas cores, dois planos, duas histórias, duas missões.

15 abril 2006

Profissão de Fé



Creio, quero crer e fazer crer, numa certa Humanidade que repousa na beleza de uma incerta subtileza. E em que cada homem preenche a sua dimensão mística num exercício de descoberta, com infinita liberdade.

Creio que face à estranheza e à mais absoluta surpresa, a questão seja apenas: "Que há de novo a aprender?" E creio que a riqueza fundamental está na profundidade da diferença.

E repudio, denuncio e combato, toda a ideia, política, instituição cuja génese, crescimento ou ambição esteja, inclua ou fomente: Limitar o pensar, castrar, meramente ultrapassar, pela exclusão uniformizar (e a lista não é leve nem pequena…).

Acredito numa Humanidade que não me creia ridículo e que continuarei nesta fé a acreditar.

E acredito que há pessoas formidáveis, de destino diverso, santificadas, imoladas ou, pior do que isso, caladas.

Um abraço!

13 abril 2006

Bombeiros sem controlo?

Vi recentemente na imprensa que se desconhece quantos bombeiros voluntários existem em Portugal. Mantendo todas as ressalvas e respeito pelo importância e grandeza da sua função, a sua dedicação e etc., esta notícia só confirma o que me parece ser uma grande opacidade do sector.

Quando são entrevistados em operação, os bombeiros referem insistentemente a “falta de meios”. No entanto quando se olha com algum detalhe para o parque automóvel de muitos quartéis, normalmente, não parece terem assim meios tão espartanos. Existe alguma estatística de utilização desses meios? Provavelmente que não. A sua aquisição obedece a que critérios e a que racionalidade?

Quando se vêm imagens de, por exemplo, combate a incêndios, parece sobrar em voluntarismo o que falta em organização. No entanto, quando se tenta fazê-los subordinar a uma coordenação central, saltam logo reacções violentas à perda de autonomia.

Mais do que tudo, transpira um certo espírito corporativista e uma grande agressividade em resistir a qualquer tentativa de controlo, na defesa dos seus interesses, que não se entende claramente quais são. Ou seja, cheira a negócio.

09 abril 2006

Portugal e Angola

Há algo bastante “particular” na forma como os nosso media se manifestam quanto aos negócios entre Portugal e Angola. Se os chineses, franceses ou espanhóis lá fazem negócios, declaram que os nossos empresários não têm iniciativa e que se deixam ultrapassar. Se fazem negócios ou há uma visita económica importante, como a recente, são uns hipócritas e uns insensíveis que ignoram a falta de democracia, os desequilíbrios sociais brutais a corrupção e por aí fora.

Em maior ou menor escala, uma boa parte de África é assim. No entanto, correcta ou incorrectamente, é difícil ver esta abordagem na imprensa espanhola e absolutamente impossível na francesa. Será que a nossa imprensa é assim especialmente um bastião de defesa dos direitos humanos? Se assim for, por favor sejam coerentes e denunciem veementemente também os chineses e os franceses quando estes fizerem negócios em Angola e, já agora, também o que se passa, só como exemplo, na África francófona. Infelizmente, não parece ser bem isso. Parece mais só vontade de dizer mal. O desporto nacional de criticar por fazer e criticar por não fazer.

Há uma tragédia humana enorme em curso em África. Não são os empresários portugueses que o irão mudar e muito menos nada mudará de um dia para o outro. A sensibilização da opinião pública é crucial mas, por favor, sejam isentos e abrangentes.

PS: Não estou e nunca estive directa ou indirectamente envolvido em nenhum negócio com Angola.

06 abril 2006

Gastar dinheiro com o conhecimento

Provavelmente todos teremos bem presente que quando nos chegaram os fundos comunitários, na década de 80, se entendeu que passar a dispor de fundos “resolvia tudo”. Hoje sabemos claramente que muito desse dinheiro foi mal gasto porque não basta ter e gastar. É preciso saber gastar.

Esta imagem ocorre-me agora quando ouço anunciar o aumento de fundos para a investigação e conhecimento. Parece-me entender que, como até agora se têm dedicado poucos recursos, “basta” passar a gastar mais e como consequência óbvia, darmos um enorme passo em frente na competitividade e na criação de riqueza no país.

E eu acho que é tudo menos automático. Acho, inclusive, que temos pouquíssimos resultados para os, poucos é certo, recursos investidos hoje. Não é problema específico de Portugal mas mais ou menos generalizado na Europa. Desta forma, simplesmente “gastar mais” pode levar ao mesmo resultado verificado com a utilização dos fundos comunitários: desperdício. Gastar mais, sim, mas em quê, com que objectivo? E, de preferência, medindo resultados em riqueza criada e não em meios utilizados como o número de doutorados contratados.

E aqui entra a famosa questão do modelo. Nunca poderemos transpor mais ou menos a papel químico experiências de sucesso sem conhecer a nossa realidade, no que tem que ser mudado e no que pode ser aproveitado. Os finlandeses poderão ter sucesso no “basquetebol”, enquanto nós nos adaptamos melhor ao “hóquei em patins”. Tentarmos ser “campeões de basquetebol” porque com os finlandeses resultou bem, pode ser um desastre para nós enquanto não tivermos uma estatura média idêntica. E, se calhar, nem sequer é possível ser atingida. Qualquer modelo importado que não passe pela identificação e consideração das nossas características actuais e potencial desenvolvimento, serão cópias piores do que o original e desperdiçando as pequenas ou grandes qualidades que temos.