31 maio 2011

Lugares em branco

Eu sei que a sugestão não passará. Os que a poderiam aprovar são parte interessada, mas vale sempre a pena referir o assunto. Quem se dá ao trabalho de se deslocar a uma mesa de voto, esperar pela sua vez, receber o boletim e respeitosamente dobrá-lo em branco, não deveria ter uma leitura igual a quem vai lá desenhar uma careta ou escrever um palavrão, nem àquele que fica em casa ou na praia por não estar para se chatear.

Quem vota em branco tem o cuidado de dizer: eu quero votar, não prescindo desse direito e obrigação, mas não me reconheço em nenhuma das propostas apresentadas. Assim, os votos em branco deveriam ser contados para a repartição dos deputados e os lugares proporcionais deixados em branco. Quem respeita o sistema dessa forma, deveria também ser respeitado e não ser ignorado com, no final, as bancadas completas (quando não há faltas), supostamente espelhando a vontade expressa de todo o eleitorado.

Os lugares em branco seriam um sinal permanente aos deputados dizendo: não julguem que têm a representatividade garantida. Estamos aqui em nome de alguém que não vos julga merecedores do seu voto. Se querem o voto deles, tentem fazer melhor.

29 maio 2011

Justiça cega para todos ?

Na minha pasta de viagem estava o último número da “The Economist” que tinha um artigo sobre as diligencias abertas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia a mais dois dirigentes africanos: Laurent Ghagbo da Costa do Marfim e M. Khadafi da Líbia. Referia ainda uma possível aproximação do Egipto e da Tunísia ao TPI, o que daria alguns motivos mais de preocupação aos seus ex-líderes. Se juntarmos a condenação formal de Omar El Bashid do Sudão e a de Charles Taylor da Libéria que pode vir a seguir, vê-se que África está fortemente representada nos casos tratados por este TPI.

O artigo analisava o facto de os africanos se sentirem discriminados neste campo. Sem entrar muita na questão do continente estar efectivamente bem servida de déspotas criminosos, o artigo tentava concluir que não havia uma preferência especial por esse continente. No TPI existia muita África porque ele se substituía aos sistemas locais de justiça fracos.

Isto até terá alguma lógica, mas, por acaso, eu tinha na mesma pasta de viagem o livro “A era da mentira” de M. Elbaradei. Entre outras coisas ele descreve e pormenoriza o seguinte: a administração Bush tinha decidido a guerra no Iraque e estava disposta a todo o tipo de manipulação para ter as “provas” que sustentassem a sua legalidade. Não as teve antes, nem as conseguiu obter depois, apesar de muito terem procurado. Ou seja, o que ouvimos a administração americana dizer na altura não tinha por motivação esclarecer a verdade e eliminar um perigo mas sim “To get Saddam!”. No entretanto os milhares que sofreram e morreram são certamente humanidade e uma guerra com esta base parece realmente crime. Os USA não fazem parte do TPI, assim como não faz parte o Sudão, cujo caso foi aberto a pedido do conselho de segurança da ONU, onde por acaso os EUA estão representados permanentemente e com natural poder de veto… mas, a justiça para ser justiça deveria ser cega e não depender da nacionalidade nem da importância do criminoso.

27 maio 2011

Glosa Crua, 6 e um p... - Tempo, 0



Pois é. Eu bem digo que não sou muito dado a efemérides. E tanto assim é que nem me lembrei da data do sexto aniversário do Glosa Crua, no passado dia 13 de Maio... Mas pronto, cá fica o registo, um p... à frente.

PS: E até ganhei um bom exemplo para me desculpar quando um dia me esquecer de efemérides que envolvam terceiros.

22 maio 2011

Continua... sim, mas como?



Marraquexe 21-5-2011, Praça Yamaa el Fna, menos de um mês após o atentado de 28 de Abril, que causou 17 mortes.

O café Argana está parcialmente tapado por uma estrutura coberta por um plástico opaco, como se houvesse umas simples obras em curso. Na frente um simples ramo de flores seguramente trazido por um particular familiar ou amigo de alguma vítima. Ao lado as bugigangas do costume e os negociantes que oferecem tudo o que se quiser. As motoretas ziguezagueiam por entre aquela mistura de locais e turistas. Tiram-se fotografias às serpentes e àquele pitoresco pouco espontâneo e algo forçado.

Certamente seria pior que a praça estivesse morta e vazia, significaria que o objectivo duplo tinha sido alcançado: matar pessoas e a amedrontar de forma permanente… mas ignorar e banalizar aqueles mortes assim também não…

10 maio 2011

Alguém chamou "ajuda"?

Independentemente da bondade e da oportunidade das medidas impostas pela troika, o pior veio agora: a taxa de juro anunciada como “algo entre 5,5 e 6%”. Esta não era seguramente a expectativa e não deixa de ser curioso que tenhamos assinado um protocolo com uns credores, que no fundo é o que são, e depois disso, estes vão para casa pensar e definir qual a taxa aplicar…!?!

Quando Portugal se financiava comercialmente e considerava um “sucesso” a colocação da dívida a estes valores de taxa ouvi dizer duas coisas: uma era que muitos mais “sucessos” assim e estaríamos falidos a prazo; a segunda era que essas taxas elevadas eram consequência dos critérios duvidosos das tais agências de “rating”, que pareciam privilegiar a especulação e até merecer investigação judicial.

Agora temos uma chamada ajuda institucional, supostamente não especulativa, que decreta uma taxa que efectivamente nos leva à insolvência. Neste prazo, nunca criaremos riqueza suficiente para a remunerar!

05 maio 2011

Ditadura ou solução ?


“Cachucho não é coisa que me traga a mim mais novidade do que lagostim”. Assim começava o “FMI” de José Mário Branco escrito em 1979 após a primeira passagem da instituição por cá em 1977. Ouvi-o ao vivo no início dos anos 80 num Coliseu, “despejado” pelo autor de uma forma particularmente intensa e dramática. Para uma certa esquerda ainda na ressaca do Novembro de 1975, o FMI se não era o diabo capitalista em pessoa, estava pouco longe. Recordo também a capa, foto acima, do livro de Rui Mateus, “Contos Proibidos”, em que, muito colegialmente sentados numa escada, ele e Mário Soares recebem umas dicas de Helmudt Schmidt, o único que tem papeis nas mãos, na preparação das negociações com o FMI que se aproximavam. Recordo ainda mais recentemente Manuela Ferreira Leite ter dito que para endireitar o país era necessário suspender a democracia por 6 meses.

E recordo tudo isto ao consultar as 34 páginas do documento elaborado pela troika FMI/BCE/CE. Aproveito para sugerir aos interessados que o consultam na íntegra e no original, em vez de andarem atrás dos títulos que os média vão libertando de uma forma quase avulsa, seguidos dos variados palpites opinatórios amadores ou profissionais da praxe.

O conteúdo do documento pode ser bom para Portugal, mas para quem nos governou é arrasador. Um mínimo de pudor deveria abster a classe política de se congratular com o que quer que seja. Não está em causa o ser “melhor do que as piores previsões”. Está em causa é como é possível que haja tanto por fazer e que não tenha sido feito até hoje? Depois de tantos anos de apregoada boa governação e contenção, vem uma equipa a Lisboa e em apenas duas semanas e meia detecta e decreta tudo isto?

Não vislumbro a marca demoníaca imperialista do FMI que nos quer pôr de rastos como a esquerda tanto gosta de anunciar. Muito mais submissão foi e é pedida pelos nossos parceiros europeus ricos, algo fartos de nos pagarem as festas. Não terão a razão toda, mas alguma.

Este documento se não é um programa de governo completo, é-o pelo menos para uma série de capítulos sensíveis. Como é que nenhum governo nosso e democrático conseguiu avançar com uma boa parte destas medidas antes, apesar de toda a necessidade óbvia e visível? Incompetência, irresponsabilidade, rendição a interesses que não o público ou… porque se o tivessem feito teriam perdido as eleições? De todas as hipóteses, a última é a menos grave, mas façam-me um favor: tenham pudor e não sorriam nem mostrem orgulho com o que temos à nossa frente.

No fundo, Manuela Ferreira Leite não tinha razão porque errou no prazo. Não vamos ter seis meses mas sim três anos sem que a “democracia” bloqueie as reformas necessárias. Foi preciso termos falido para o conseguirmos, mas esperemos que no fim saiamos melhor. Se aprenderemos ou não, isso já é outra questão.