22 janeiro 2007

Âncoras de identidade (II)

Podem as roupas expostas nas montras das lojas serem iguais por todo o lado, assim como o prato de comida rápida e os filmes em cartaz. No entanto, cada cultura terá sempre as sua âncoras de identidade específicas, porque se as não tiver apaga-se. E uma boa parte da atitude colectiva depende da natureza dessas âncoras.

Vejamos. É fácil entender que a Bélgica seja complexada. Que âncoras pode ter um país que foi criado ad-hoc por terceiros para servir de terra de ninguém nos conflitos bélicos frequentes da altura e com duas comunidades tão homogéneas como uma mistura de água e azeite?

Curioso é a França ancorar-se tanto no famoso trio da “liberdade, igualdade e fraternidade” e lembrarmo-nos que a prática da revolução, raiz dessa referência, esteve nos antípodas desses mesmos princípios. Ainda, em situações de crise, como a ocupação alemã ou a guerra da Argélia, o seu comportamento no terreno tende a afastar-se muitíssimo da grandeza dos discursos. Decididamente, são mesmo bons é em marketing.

Um jovem país/regime terá tendência a focalizar-se no heroísmo do processo de independência/revolução contra os malefícios do colonizador/opressor. Esquece que ao ficar cristalizado nesse momento está a adiar o futuro porque essa é uma âncora que se desvaloriza e esfuma com o tempo. Não se pode passar toda a vida à sombra de uma batalha ou de uma revolução!

Quanto a Portugal, a primeira âncora que adoptei foram os Descobrimentos. Quem não tem prazer em dizer que um dia o mundo foi cortado em dois, nós ficámos com uma das metades e, ainda por cima, escondendo informação aos espanhóis para nos apropriarmos do Brasil? Numa fase posterior achei que essa referência tinha o prazo de validade ultrapassado e desvalorizei-a.

(continua...)

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