26 maio 2006

Apito Dourado e Pés Limpos

Fugindo à famosíssima máxima de “prognósticos, só no fim do jogo”, será curioso tentar imaginar o desenlace de dois casos que, à partida, têm algumas semelhanças. Refiro-me ao “Apito Dourado” em Portugal e ao escândalo com a Juventus em Itália. Há quem chame a este último “Pés Limpos”. Ambos andam à volta de influências em nomeações e actuações de árbitros no sentido de influenciar os resultados desportivos. Claro que até ao fim do julgamento todos são inocentes mas há evidências claras de que “algo de grave se passou”.

Em Itália o Sr Lucciano Moggi demitiu-se e a Juventus celebra o seu 29º título tristemente. Existe um risco real de despromoção. Numa Itália que nem tem tradição de grande rigor no cumprimento das leis, acredita-se que a justiça será consequente.

Que se passa em Portugal? Desde o primeiro dia que se assiste a uma guerra surda de competências. Discute-se a semântica da palavra “fruta”. Entre incidentes de percurso, substituições de magistrados e anulações de provas, está-se mesmo a ver que se caminha paulatinamente para prescrições e “nada se conseguir provar”. De tal forma, que alguns dos presumíveis implicados e envolvidos em escutas que, ao que parece, são objectivamente claras mas tecnicamente improcedentes, já se sentem confortáveis para decidir processar o Estado português.

Ou seja, se se passou mesmo algo, nada se provar e os responsáveis não forem condenados, estes ficarão a rir-se da justiça portuguesa, do Estado português e de “todos nós”. Não é justo.

24 maio 2006

A Idade do Folhetim

“[…] Ao que parece, os “folhetins” eram produzidos aos milhões como elemento especialmente apreciado da matéria da imprensa diária, constituíam o alimento principal dos leitores desejosos de se instruírem, informarem, ou melhor, “conversarem” sobre mil objectos do saber […]

Tinham títulos como “Friedrich Nietzche e a moda feminina de 1870” ou “Os pratos favoritos do compositor Rossini” ou “O papel do cão de regaço na vida das grandes cortesãs” e assim por diante. […]

Quando lemos os títulos de semelhantes verborreias […] surpreende-nos menos a circunstância de haver pessoas que as devoram como leitura diária do que o facto de autores de prestígio, com classe e boa formação, ajudarem a “alimentar” este gigantesco consumo de curiosidades sem valor […]

Havia alturas em que eram particularmente apreciadas as perguntas feitas a personalidades conhecidas sobre assuntos da ordem do dia […] em que se punha por exemplo químicos ou virtuosos do piano a falar sobre política, enquanto autores em voga, ginastas, aviadores e até mesmo poetas eram postos a dar a sua opinião sobre as vantagens ou inconvenientes do celibato, sobre as causas presumidas das crises financeiras, etc. O que importava, apenas, era associar um nome conhecido a um tema realmente actual […]

Mudasse de dono um quadro famoso, fosse leiloado um manuscrito valioso, ardesse um castelo antigo, envolvesse-se num escândalo o possuidor de um nome aristocrático antigo, e os leitores encontrariam em milhares de folhetins não só os factos como também receberiam, no próprio dia ou no seguinte, uma quantidade de material anedótico, histórico, psicológico, erótico e outro sobre o assunto […]

Essas pessoas […] estavam quase indefesas perante a morte, o medo, a dor, a fome, já não encontravam consolo nas igrejas nem conselho no espírito. Eles, que liam tantos artigos e ouviam tantas conferências, não se concediam nem o tempo nem o esforço de se fortalecerem contra o medo, de combaterem neles mesmo o medo da morte, viviam a tremer e não acreditavam em amanhã nenhum.”

Parece familiar e actual?
É um extracto do romance “O Jogo das contas de vidro” de Hermann Hesse publicado em 1943. Apesar de ser ficção, esta "Idade do Folhetim" é colocada nos inícios do século XX.
Tão modernos estes antigos; tão antigos estes modernos.

23 maio 2006

Lisboa que amanhece

Há uns dias tive uma reunião no centro de Lisboa às 11horas. Com a necessária precaução e incerteza quanto ao tempo que demoraria a deslocação, cheguei com bastante antecedência e, depois de identificar e confirmar o local, ainda não eram 10h30.

Instalei-me numa pastelaria próxima, entretido com o meu livro do momento e, de repente, fiquei com dúvidas e tornei a verificar as horas. É que o movimento que eu via não era típico dumas 10h30 mas sim dumas 8h30. Gente que entrava apressada para tomar o pequeno almoço antes de ir trabalhar. Gente que se conhecia, que se cumprimentava, que entrava e saía, num movimento perfeitamente rotineiro.

Fiquei absimado e a rebentar de curiosidade para lhes perguntar qual era o horário do seu turno. É que aquilo parecia mesmo movimento de 8h30!

Será por isso que, ao que me contam, quando se telefona para organismos oficias em Lisboa, é difícil obter interlocutor em linha antes das 10h30?

21 maio 2006

Uma criança não é um animal de estimação

Irritam-me profundamente as posturas “modernas e avançadas” segundo as quais todos os enquadramentos são válidos para criar e educar uma criança.

Adopção por casais homossexuais? Claro! Tudo é melhor do que um lar de órfãos, mesmo que a criança fique a olhar para os pais adoptivos e a tentar descobrir com quem deve ter a conversa de pai e com quem deve ter a conversa de mãe. Apesar de não ser técnico, entendo que pai e mãe têm papeis distintos.

Produção independente só com mãe. Claro! E se o estado não apoiar os casos de infertilidade, como se apresta a fazer, isso é um sinal retrógrado, discriminatório e até potencialmente anticonstitucional. Ok! Depois de extintos os “filhos de pai incógnito” passaremos a ter “filhos de dador incógnito”. E, já agora, invocando a constituição, porque não também os “homens sós”? Porque não poderão ter filhos? Bastaria arranjar quem cedesse um útero por 9 meses. Neste caso, as crianças seriam “filhos de incubadora incógnita”.

Nesta senda de inovação e modernidade, também poderíamos ter adopções em “time sharing”. Um casal ficava com a criança às 2ªs, 4ªs e 6ªs e outra família nos restantes dias. Para as crianças seria melhor do que o orfanato e as famílias de adopção não teriam a chatice de os aturar todos os dias.

Uma criança não é um animal de estimação giro e querido que ser quer “ter”. Eu entendo que uma criança é fruto de um projecto plenamente assumido por um homem e uma mulher, biológica, afectiva e socialmente falando e, em situação normal, a criança deve ter um pai masculino e uma mãe feminina.

Os principais interessados, que são as crianças não se podem manifestar nem opinar. Agora o que eu sei, e sei mesmo, é que não gostaria nada de, no caso de me ter ocorrido alguma infelicidade, imaginar os meus filhos adoptados por um casal homossexual. E não me sinto nada retrógrado por isso. Uma criança é um ser humano com direitos que devem estar acima da criatividade social de quem é maior de idade.

19 maio 2006

Buscas



Raramente se encontra aquilo que se busca.
Frequentemente algo se encontra quando se busca.
Nada se encontra quando nada se busca.

17 maio 2006

A palavra a quem sabe

Foi uma surpresa agradável ver na 2: e no Público a entrevista a Albino Aroso sobre a questão do fecho das maternidades. Agradável porque, por uma vez e sendo excepção, se abordou um tema polémico numa perspectiva técnica, objectiva e esclarecida.

O normal é ouvirmos os comentadores oficiais da praça que tanto opinam sobre as opções do seleccionador nacional, como sobre os trâmites de um processo judicial como sobre o estado da economia mundial. Se não são esses, são os políticos que se esgotam na nauseante gincana pública da oposição versus governação.

Ainda há pouco tempo, Eduardo Prado Coelho confessava no Público o seu gosto pelas polémicas. Que, no limite, o alimentar polémicas “sempre dá tema para uma crónica”. Qual o interesse público desses pingue-pongues mediáticos, tantas vezes estéreis?

Dar a palavra “a quem sabe” deveria ser norma da comunicação social, evitando que a actualidade seja tratada em câmara de ressonância dos eternos especialistas de nada.

Já agora, por dar a palavra entende-se mesmo dar e obrigar à palavra, recusando as atitudes fechadas corporativas do tipo “nós é que sabemos e quem está fora não é credor de justificações”.

E, por falar em corporações, mais uma vez a nossa justiça, que deixa prescrever processos e anular provas fundamentais mesmo nos casos de maior notoriedade como Ferreira Torres, Fátima Felgueiras e Apito Dourado, é extraordinariamente lesta a contrariar o governo e a decretar que devem continuar a serem realizados partos em locais sem condições. A título de quê ?!? Já é mau haver uma percepção de que a justiça é lenta e ineficaz. Se se acrescentar uma percepção de “contra-poder” com motivações pouco claras, será muito, muito, grave. Creio que os juízes estão a brincar com o fogo e sem medirem o impacto destrutivo sobre a sua imagem que algumas das suas recentes posturas corporativas provocam. E isso põe em causa um pilar indispensável e absolutamente fundamental de um estado de direito.

11 maio 2006

Outra vez!

Irra que lá estão todos outra vez!
A propósito da publicação do estudo de mercado da TNS sobre “O Poder de Sedução de Portugal”, que conclui que 85% dos Portugueses não se sentem envolvidos com Portugal, lá vêm de novo todos os arautos da mediocridade nacional hastear alto a sua bandeira miserabilista, arrasar os ânimos e tentar atirar o pessoal todo para o sofá da psicanálise da identidade do país. Não entenderão esses mesmos que o seu zurzir contínuo, dando exclusivamente relevo ao que é negativo, é sem dúvida uma grande contribuição à desvalorização da imagem do país? Que mania de só dizer mal!!!

Além de que eu não acredito nessa leitura dos 85%! Querem convencer-me que se a nossa bandeira fosse arrumada, a história de Portugal retirada dos curricula escolares, o orçamento de estado votado em Berlim, as forças armadas dependessem de um general em Madrid e na próxima medalha olímpica de Vanessa Fernandes se ouvisse a Marselhesa e não a Portuguesa, isto só afectaria 15% dos portugueses?? Não, não me digam isso porque eu não acredito.

09 maio 2006

E porque não pedir um pouquinho de nível ?


Como já começa a cheirar a Mundial de futebol, o Glosa Crua deixa aqui a letra do hino da selecção nacional para poderem começar a treinar e a decorar. Vai ser importante todos os portugueses o saberem na ponta da língua para darem o apoio necessário e imprescindível à equipa de todos nós.

E ele tem um equilibro fantástico: é tão má a forma como o conteúdo!!!
Em particular, a estrofe (!?) do “Heróis de Berlim” é absolutamente sublime...!
Vá lá, não custa nada ! Basta conseguir controlar o vómito!

Porque não pedir o Mundo ?

Cinco, quatro, três, dois, …
Pois, não passámos do dois.
Mas deixemos os relatos infelizes para depois.
Estivemos quase,
mas quase não sei se chega.
Mandámos vir champagne e deu-se a tragédia grega.
Como é que se diz? Foi por um triz
que nós não pusemos os pontos nos is.
Nabice? Preguiça? Alguém faltou à missa?
Qualquer coisa lhes deu, não sei bem o que foi.
Sei é que fizemos um grande campeonato mas na final não jogámos um boi.

Corremos, marcámos, merecemos,
saltámos, sofremos e fizemos sofrer.
Fizemos o possível enquanto houve combustível
e metemos o que havia para meter.
Como é que uma equipa com talento, magia
e um futuro de que tanto se disse,
está disposta a deitar fora a energia
e se conforma em estar na história como “vice”?
Nada disso!
O tuga, que até hoje só provou que consegue ser segundo,
Vai, por isso, deixar de ser chouriço
e assumir o compromisso de ser campeão do mundo.

Corre mais, joga mais,
Menos ais, menos ais, menos ais,
Quero ainda mais

Há quem diga que Portugal não está em forma,
modesto por norma, faz-lhe falta um safanão
que nos faça de uma vez acreditar
que entre os que podem ganhar
está a nossa selecção.
A fasquia está alta? Não faz mal, Portugal salta
com milhões a empurrar.
Até pode parecer louco, mas para nós segundo é pouco
E um louco não se deve contrariar.
Será demais pedir o mundo?
O que pedimos, no fundo, são ainda menos ais.
Porque todos se lembram do campeão
Mas não dos que são derrotados nas finais.
Ficar nos dois primeiros não tem mal nenhum,
É preciso é que fiquemos no número um.
Vamos apagar da história essa final de má memória
e vão ver que ninguém topa.
Porque eu posso estar errado, mas que eu saiba, em qualquer lado,
o melhor do mundo é o melhor da Europa.

Corre mais, joga mais,
Menos ais, menos ais, menos ais,
Quero ainda mais

Repete-se o refrão, a história é que não.

Marca mais, chuta mais
Menos ais, menos ais, menos ais,
Quero ainda mais.

É o retrato de um país aplicado ao futebol.
Tem tudo o que é preciso, só perde por ser mole.
Toca a acordar, pessoal!
Queremos mais garra,
deixar de ficar felizes quando a bola vai à barra.
Vamos com tudo, meter o pé, chutar primeiro,
Que o último a chegar é calaceiro
Ter medo deles? Isso era dantes!
Vamos embora encher de orgulho os emigrantes.
Sem esquecer que nas grandes emoções
quando grita um português, gritam logo 15 milhões.

Heróis de Berlim, nobre povo…
Não tinha graça cantar um hino novo?
Escrito pelo pé de artistas
que vão alargar as vistas à nação verde e vermelha.
Ficar em segundo? Nem morto!
Ganhar ou perder é desporto? ‘Tá bem abelha!
Venha a Alemanha, o Brasil ou a Argentina
com cabelos de menina e cara de lobo mau,
se calham a apanhar-nos pela frente e viram as costas à gente… TAU!

Corre mais, joga mais,
Menos ais, menos ais, menos ais,
Quero ainda mais
Repete-se o refrão, a história é que não.

Marca mais, chuta mais
Menos ais, menos ais, menos ais,
Quero ainda mais

Seja no chão, pelo ar, de cabeça ou calcanhar,
de tabela, nas laterais ou no miolo…
Vai Ronaldo, finta um , finta dois, pode remataaaar… golo!!!

(É esta a vantagem da ambição,
podes não chegar à lua, mas tiraste os pés do chão.)

Marca mais, chuta mais
Menos ais, menos ais, menos ais,
Quero ainda mais

07 maio 2006

Nevoeiro



Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

(Fernando Pessoa)

A ponte é uma passagem e o nevoeiro um desafio.

05 maio 2006

Mais uma pérola

Pelos vistos o PSD Porto decidiu fazer uma avaliação do trabalho dos seus deputados. Descobriu que dois deles nunca teriam vindo ao Porto para qualquer actividade política de contacto directo com o eleitorado. Segundo os serviços da Assembleia da República, um desses dois, Raul dos Santos, teria cobrado ajudas de custo pelas suas deslocações ao Porto (?!).

Inquirido sobre o assunto, este responde que “Não há nenhum deputado eleito pelo PSD por Beja. Faço mais falta no meu distrito do que no Porto, que tem 12 deputados. Não tenho obrigação de ir ao Porto”.

Porque é que então não se candidatou pelo “seu” distrito? Que veio fazer às listas do Porto? É para isto que existem os círculos eleitorais? E com estas e com outras lá se vai dignificando o nosso parlamento e motivando os eleitores a cumprirem o seu direito cívico de escolherem os seus representantes.

Se 12 deputados do PSD pelo Porto, são reconhecidamente excessivos, de tal forma que alguns deles podem mesmo ignorar completamente o círculo por onde foram eleitos, parece-me sintomático de que há deputados a mais. Existe uma solução simples e saudável a vários níveis que é reduzir o seu número.

03 maio 2006

A terra é redonda


Terminei recentemente a leitura de mais uma obra sobre uma das personagens históricas que mais me fascina: Fernão de Magalhães. Descontando algumas dúvidas que se possam ter sobre o rigor histórico de tudo o que é dito, a sua empresa é verdadeiramente monumental.

Para lá das dificuldades “normais” daquelas expedições, Fernão de Magalhães tem algumas acrescidas. Ele vê a sua autoridade constantemente minada pela tradicional desconfiança “ibérica”. Vive pressionado em permanente instabilidade e sendo continuamente questionado, ao mais alto nível, sobre suas capacidades e intenções. Enfrenta um motim em grande escala que parece irreversível mas que ele consegue controlar e impor a sua autoridade.

Sempre firme na liderança e com uma determinação verdadeiramente de aço, conduz a frota para Sul em busca de uma passagem não localizada nem garantida, apenas suspeitada, em condições climatéricas terríveis; atravessou o Estreito assustador que mesmo depois de conhecido continuou a ser de navegação extremamente difícil e, finalmente, cruzou penosamente o Pacifico em 98 dias sem ver terra.

Curiosamente, é quando o pior está passado e já se encontra nos limites do mundo conhecido que Fernão de Magalhães parece perder de vista o objectivo da expedição, acabando por se envolver em querelas tribais que lhe custariam a vida. Um fim inglório depois de ter ultrapassado com sucesso as dificuldades maiores. Parece identificar-se algo de Ícaro que queima as asas por excesso de confiança e de ambição.

O facto de não ter completado ele mesmo a viagem e sendo desvalorizado pelos portugueses por ter estado ao serviço de Espanha e pelos espanhóis por ser português, levou a que nunca tenha recebido o reconhecimento devido e correspondente à dimensão do seu feito. Sintomático que na minha Diciopédia “velhinha”, Fernão de Magalhães fique pelas 2 linhas e meia de texto enquanto Vasco da Gama tem direito a 14 linhas!

E é pena porque constitui um exemplo de tenacidade e de capacidade de liderança realmente admirável e que merecia ser bem conhecido e estudado.