13 maio 2005

Todas as crianças

Ashemehe. Seguramente que o nome não está correcto. Não tomei nota na altura. Apareceu num programa na TV sobre a Etiópia. As raparigas eram prometidas e “casadas” aos 8 anos, após a puberdade consumavam o casamento, abandonavam a escola, seguia-se a gravidez precoce, por vezes com partos fatais e muitas vezes com sequelas. Saídas alternativas muito poucas. Contado assim parece ser só mais uma das vertentes da muita miséria que existe nesse outro mundo, subdesenvolvido e primitivo, que para alguns não se quer desenvolver e que nos parece distante (felizmente ?).

Ashemehe, e insisto em dar-lhe um nome mesmo que deturpado, era uma rapariga de 12/13 anos. Como muitas outras já “casada” e que via com angústia aproximar-se o momento em que abandonaria os pais e a escola para viver com o “marido” de quem não gostava.

Ashemehe, delicada e inteligente, tinha um par de olhos que brilhava como dois faróis. Falava com segurança e determinação dos seus sonhos e das suas expectativas. Da sua ânsia de aprender e de seguir a escola. Da sua vontade de se desenvolver.

Ashemehe filmada na escola, dividia o olhar entre o quadro em frente, que fitava com empenho e avidez enquanto, de soslaio, interrogava a câmara, janela e passagem para o seu “país das maravilhas” das curiosidades mil.

Na última cena, a mãe insiste para ela ir visitar a casa do “marido”. “Visita” que podia não ter retorno. Lutadora, Ashemehe, luta contra um choro nervoso e resiste. Sai a correr, não se sabe para onde.

Naquele meio rude e primitivo Ashemehe brilhante lembrava-nos que como cantava J. Brel “Todas as crianças são como as nossas”!

Por cá, as notícias importantes andam à volta do desenvolvimento dos relvados dos estádios. Por vezes ouvimos falar de um golpe de estado em África, muitas vezes à sombra de barris de petróleo e com patrocínios muito respeitáveis, como parte das complicações desse continente complexo que tem dificuldade em se desenvolver. Por vezes a notícia é sobre um batel que naufraga no estreito de Gibraltar em que pares de olhos mais ou menos brilhantes em busca de desenvolvimento, se fecham.

Mas ...
Filhos de César, filhos de nada
Todas as crianças são como a tua
O mesmo sorriso, as mesmas lágrimas
Os mesmos sustos, os mesmos suspiros
Filho de burguês, filho de nada
Todas as crianças são como a tua

Somente depois, muito depois ....
(J. Brel)

2 comentários:

Anónimo disse...

Reli o texto. Sei porque gosto dele. Nestas palavras ainda brilha o olhar de Ashemehe, a sua esperança... A denúncia faz-se bonita sem perder força. Vale a pena.
Nem é preciso dizer: continua!

Anónimo disse...

Um ano depois...
Ontem, dia da criança, li o texto a grupos de miúdos. E alguns ouviram. Alguns sentiram. Alguns ficaram a saber... É por aí que se começa, não é?