29 maio 2005

Projectos em Auschwitz

Imaginemos um cliente que tem um problema para o qual não existe solução já realizada. Há um fornecedor criativo que “vende a ideia”. Tem que convencer o cliente a comprar o que ainda não existe. Este pede garantias de desempenho. A encomenda é passada. A realização tem percalços. A obra não atinge os resultados pretendidos nem no prazo nem na função. O cliente pressiona o fornecedor. Este argumenta que não lhe deram as condições necessárias. O sistema tem problemas de garantia. O cliente responsabiliza o fornecedor. Este alega má e excessiva utilização do equipamento.

Este cenário não é especialmente particular e com certeza que muitos já viveram situações análogas. O que o torna particular é o facto de a necessidade em questão ser o queimar o maior número de cadáveres, de assassinados, da forma mais eficaz possível. E que cumprir o desempenho contratual seja medido em queimar 1440 ou 1000 unidades por dia em cada forno. E que, na contagem dessas unidades, se tenha que ponderar se uma mulher de 50 kg é equivalente a duas crianças de 15 kg ou não.

Tudo isto está no livro “Os Crematórios de Auschwitz” de Jean-Claude Pressac, 1993 (minha edição: Editorial Noticias ISBN 972-46-0640-6). Este senhor francês começou por ser um “revisionista”. Daqueles que acham que o holocausto foi pouco mais do que uma ficção e que ficam todos contentes se virem reconhecido que em Auschwitz não morreram 4 milhões mas apenas uns meros milhão e meio! Ao longo do seu processo de investigação, este senhor, mudou de ideias e encontrou uma base de dados impressionante: os arquivos da Direcção de Construções das SS. Enquanto os arquivos políticos foram cuidadosamente destruídos, estes não tiveram o mesmo destino.

Uma das surpresas que se encontra é a de que a “máquina” não funcionava tão perfeitamente como se presume. Um dos fornos, o IV, não funcionou bem mais do que 2 semanas e foi abandonado após apenas 2 meses de utilização. Alguns funcionaram sempre com problemas crónicos.

O que é, no entanto, assustador é acompanhar o desenvolvimento destes projectos, como se se tratasse de algo trivial e ver as argumentações do tipo de “se a chaminé rachou, é por queimaram mais gente do que o que estava projectado” e “o número de pessoas não é o dado importante, temos que considerar é a massa total de cadáveres”.

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