No dia 4 de Novembro de 2004, pouco dias depois da assinatura da Constituição Europeia em Roma, o Jornal Público publicou uma carta minha, truncada, sobre o assunto. Transcrevo o original agora. Os franceses não estragaram a festa. Já não havia festa nenhuma...
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Poderia ter sido dia de festa mas, para mim, não foi. Assim como não terá sido, para uma esmagadora maioria de Europeus, a assinatura da primeira constituição Europeia. E não foi porque não vi escrito claro e a letra grossa, num texto simples, aquilo que efectivamente é, ou se quer que venha a ser, uma Europa, reconhecida como sua desde Andaluzes a Lapões e de Gregos a Irlandeses. Se essa definição existisse, deveria ter sido impressa e distribuída junto com os jornais do dia para que cada Europeu a conhecesse e reconhecesse. Essa declaração de princípios não poderia obviamente ter saído do mandato de um Príncipe D’Estaing que, logo de entrada, fez questão fulcral em afirmar que o reconhecimento da alta importância da sua missão teria que ter correspondência com a sua remuneração e demais mordomias.
Ao comum dos Europeus interessa relativamente pouco saber como se vai resolver o problema da transumância do Parlamento Europeu entre Bruxelas e Estrasburgo e demais tricas palacianas. Interessará muito mais compreender e identificar os valores básicos sobre os quais a Europa será construída e consolidada. O resto é acessório e decorrerá naturalmente.
Se esses valores existissem e claros, assuntos como a adesão da Turquia e o caso Buttiglione não levantariam tantas dúvidas e controvérsias. Seria simplesmente: está de acordo com os princípios ou não?
Na polémica sobre o candidato a comissário italiano, acho que se misturou a liberdade de opiniões e convicções com o enquadramento numa função politica executiva. Trata-se de uma questão de coerência e do que se exige a um político executivo. Se o que se lhe pede é unicamente ser um gestor de conjuntura amorfo, ele não necessita de acreditar em nada. Se, em vez disso, se exige visão, iniciativa e convicção, não me parece que se possa pedir a um pacifista e objector de consciência que defina os planos para uma intervenção militar.
Não deixa de ser curioso que surjam reacções contrárias à ratificação da constituição tanto dos tradicionais resistentes ingleses como de alguns sectores franceses. Estes provavelmente por não reconhecerem no texto “uma certa ideia da Europa à imagem da sua França”. Felizmente ou infelizmente esta Europa é complexa e não tem a simplicidade dos USA que facilmente se mobilizam em torno de um líder básico, misto de cruzado e cowboy. Esta nossa diversidade dá trabalho mas é também seguramente uma fonte de riqueza.
É pena que o debate sobre a ratificação que se perspectiva venha a ser, uma vez mais, feito pela rama e não pela raiz e em que os líderes do rebanho irão demagogicamente procurar arregimentar as suas rezes para o seu não ou para o seu sim.
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