21 dezembro 2022

Entre Deus e os Homens (I)


No início do século XIII estava firmemente instalada no sudoeste francês, Terras de Oc, principalmente num losango entre Toulouse, Beziers, Carcassone e Albi, uma heresia cristã, que se designou por cátaros. Possuíam uma organização própria, uma interpretação específica do Evangelhos e, sobretudo, refutavam completamente o papel do clero rico e elitista na sua espiritualidade. 

Tinham uma visão da organização social muito menos estratificada do que a sociedade feudal da época, com valorização da necessidade do trabalho manual, chegando mesmo os seus perfeitos a serem genericamente apelidados tecedores. O espaço e a função das mulheres, se bem que não completamente ao mesmo nível dos homens, eram muito mais equilibrados do que na igreja romana. Esta, naturalmente, não aceitava esta dissidência e o Papa Inocêncio III, não a conseguindo anular por decreto, decidiu apelar a uma cruzada contra estes infiéis. Andava a pregar por ali e a tentar resgatar almas um tal Domingos de Gusmão, nascido no reino de Castela.

O Rei de França e os senhores do Norte, primeiro estes, o soberano depois, viram nesse desafio papal uma excelente oportunidade para alargarem o seu poder e domínio e lançaram-se na empreitada. Era também um destino mais próximo e acessível do que a longínqua Palestina para realizar uma “peregrinação”, travar algumas batalhas e atingir a absolvição dos pecados. Contrariamente a outras geografias onde os hereges, não tendo apoio temporal nem as suas ideias encontrando muito eco na sociedade, eram facilmente capturados e aniquilados, o contexto social e político do Languedoc proporcionava um apoio significativo por parte das comunidades e dos senhores locais.

As lutas que duraram 35 anos acabarem por ser em muito uma disputa de poder entre esses senhores locais e os “cruzados” vindos do Norte. Desde a tomada de Beziers em 1209, onde o líder espiritual da cruzada, Arnoldo de Amaury, ao ser inquirido sobre como distinguir os hereges dos bons fiéis terá respondido – “Matem-nos a todos, Deus saberá reconhecer os seus” – (frase talvez não rigorosa na forma, mas correta no conteúdo), até à capitulação e massacre dos últimos resistentes no castelo de Montsegur em 1244, não faltou violência e brutalidade.

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Acima: Montsegur
Abaixo: Dois livros interessantes sobre o tema, um mais interpretativo, outro mais descritivo




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