11 novembro 2009

Mais um folhetim “oculto”?

A “Face oculta” se calhar até nem é muito excepcional e os seus ingredientes principais encontrar-se-ão em muitas outras operações mal ou bem investigadas, por investigar e mais mal do que bem julgadas. Tem, no entanto, algumas características que a tornam um pouco emblemática. Em primeiro lugar o percurso de Armando Vara – o balcão da agência bancária, o ministério, a fundação para a prevenção rodoviária e a administração da Caixa e BCP. E depois a natureza dos materiais - sucata. Não se trata de um negócio fino de telecomunicações ou armamento. É mesmo ferro velho e afins e coisas que não sendo ferro velho foram transaccionadas como o sendo.

Como é que figuras do nível em questão se “envolvem”, da forma que a justiça há-de apurar, oxalá, mas de alguma forma se terão envolvido, neste mundo do tráfico do ferro-velho? E como é que um negociante de sucata, acusado de roubar carris de uma linha de caminho de ferro, pode presumir que tem poder e influencia suficientes para pedir a substituição do presidente da Refer!? Não o conseguiu, é certo, não se sabe quão alto o pedido chegou, mas que ele o solicitou isso parece claro!

O fenómeno da corrupção e do desvio de bens públicos não é especifico de Portugal. Não pretendamos ter essa especificidade única. Infelizmente é intrínseco de uma boa parte da natureza humana e conjuga-se em todas as línguas. A diferença está em como as sociedades e as instituições lidam com e penalizam esses crimes.

Espero sinceramente que por uma vez este caso vá até ao fim com rigor e eficácia. Infelizmente, a “feira mediática” não ajuda. De que é que se fala principalmente? Do que fazer às escutas do Primeiro-Ministro. Ou são relevantes no contexto com as devidas consequências, ou não são, mas que se esclareça rápido. Esta emotiva discussão em torno do envolvimento do PM ajudará a vender jornais, é certo, mas é grave demais para sendo relevante ser ignorado e não o sendo se manter a suspeição. Não defendo uma “imunidade institucional” à francesa, mas um país não pode viver com este clima especulativo em torno da figura do Primeiro-Ministro. E o Presidente do Supremo e a PGR podem ter as suas divergências mas não fica nada bem nem digno exporem-nas assim na praça pública. O processo é demasiado importante para ficar enredado e resumido a um superficial folhetim.

E, no meio disto tudo, os trocos supostamente recebidos pelo CDS/PP são uma gotinha de nada. A solução para esta parte fica para quando se acabar com o actual esquema de financiamento dos partidos. Até lá são todos culpados e todos inocentes.

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