23 novembro 2009

Jogos de fronteiras

Pois é. O Glosa Crua entupiu de novo. A minha última semana foi dominada por um assunto com alguma sensibilidade e dificuldade em ser tratado sem ferir susceptibilidades. Tentemos...

Peter Gabriel dizia, citando de cor, “Se o olhar matasse, seguramente o faria nos Jogos sem Fronteiras, guerra sem lágrimas...” Vem isto a propósito do apuramento para o próximo Mundial de Futebol e se alguém acha que as cuspidelas recebidas pela nossa selecção na Bósnia foram más.....

Para países com algum deficit de afirmação, em que o sentido geral é de estarem na mó de baixo, o apuramento para o Mundial é como poder ir nadar para a piscina dos grandes. Funciona como compensação para os outros pontos que não estão no melhor. Exemplos não faltam e em todos os continentes.....

Eu vivi com alguma proximidade o processo de apuramento entre o Egipto e a Argélia. Vi-o mais do lado Argelino e, é claro, a interpretação é a minha. Em circunstâncias normais o Egipto seria o favorito do grupo, mas a boa campanha da Argélia levou a que antes do último jogo no Cairo, esta estivesse nitidamente em vantagem. Até uma derrota por uma diferença por um golo seria suficiente para o Egipto ficar de fora...

De ambos os lados já não estava em jogo um simples jogo. Estava em causa o lugar do país na primeira plateia das nações. A Argélia chegava ao Cairo acreditando que faltava muito pouco, o Egipto com dúvidas provocava por todas as formas. O autocarro dos primeiros é apedrejado e correm mundo as imagem de jogadores sangrando.

No jogo de 14/11 a Argélia entra no minuto 90 a perder por 1-0, portanto apurada. Nos descontos o segundo golo do Egipto força ao jogo do desempate para o dia 18/11 no Sudão.

É no dia 15/11 que chego a Argel. Frente ao hotel há um burburinho enorme de gente na rua, policia e ambulâncias. Estavam a espancar 3 egípcios expatriados de uma empresa de telecomunicações. Corria o boato de que vários argelinos teriam sido mortos no Cairo e era a vingança, somente por serem egípcios. O boato não foi confirmado, mas já não se estava no domínio do racional. Não se pensava noutra coisa que não fosse no jogo de desempate do dia 18 e na vingança desportiva e “física”. Cortejos inflamados atravessam a cidade barricando o transito. Os escritórios da EgyptAir e de outras empresas egípcias são incendiadas pela multidão em fúria. O governo oferece as entradas no estádio, os “mecenas” financiam as viagens. Apoiar a equipa é politicamente correcto e comercialmente interessante. O governo acaba por oferecer as viagens também.

A multidão rejubila “vamos a eles”. E naqueles olhares de quem sentado numa janela aberta de um automóvel gritava e acenava com o passaporte recém-emitido eu li o olhar de quem estava pronto para ir para a guerra. E não é bonito de ver.

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