12 novembro 2020

Triste podium


O livro de António Barreto, “Salazar, Cunhal e Soares” é um interessante retrato dos três políticos que mais marcaram o século XX português. Não havendo muitas dúvidas sobre a pertinência da escolha, uma análise do perfil e da obra dos mesmos acaba por ser bastante deprimente sobre as grandezas e pequenezas (mais estas…) da nossa história recente e a herança que nos deixaram.

Para começar, a longevidade do Sr de Santa Comba. Vamos apostar que, sem o desgaste da guerra colonial, o regime não tinha caído, pelo menos naquela altura, pelo menos daquela forma tão rotunda? A esperteza oportunista em que tudo é pequenino e as lideranças se querem autoritárias, avaras e patriarcais não se institui em credo nominativo. Não há neossalazaristas que se vejam, mas o povo revê-se e aceita com alguma facilidade um líder austero e ditador, que faz e desfaz as regras como entende, controlando a distribuição de uns (poucos) rebuçaditos aos meninos. Um severo ministro das finanças é uma instituição recorrente e a respeitar.

Cunhal, paradoxal. Um partido dos que mais se proclamavam ao serviço do povo e do país, tentou anular a democracia e colocou os interesses de uma potencia estrangeira acima dos interesses nacionais como nenhum outro. A famosa coerência que tantos louvaram tem outro nome: teimosia cega e incapacidade/ desonestidade, típicas do maior cego. Certamente que se o “processo” não tivesse abortado em 1975, Cunhal teria ficado para a história numa galeria bastante diferente. Muito interessante o relato de Jorge Miranda sobre os tempos conturbados “Da Revolução à Constituição - Memórias da Assembleia Constituinte”.

Soares: a empatia e o mérito de ter lutado por um regime muito mais próximo do desejado e acarinhado pela larga maioria do povo, que se queria ver num modelo progressista, mas em meridiano mais ocidental. Este enorme espaço da esquerda moderada foi liderado por Soares, aproveitando também o trabalho de Salazar, que conseguiu colocar indeléveis dúvidas no povo sobre a natureza dos pequenos-almoços comunistas e a real harmonia dos respetivos amanhãs. Para lá deste Soares lutador pela democracia, há brigas a mais na sua vida e realizações a menos, distinguindo-se mais na disputa pelo leme e muito menos na qualidade da navegação, uma vez ao comando. Quanto ao seu lado lunar, não se fica a olhar para Soares da mesma forma após ler “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido” de Rui Mateus.

E vão três.


Sem comentários: