03 setembro 2015

Foto desfocada

Meio mundo ficou chocado com a imagem da criança síria que deu à costa numa praia da Turquia. Certamente Ayral merece a nossa compaixão e, ao mesmo tempo, ele evoca todas as outras crianças mortas afogadas no Mediterrâneo. No entanto, não devia o mundo ter ficado assim tão chocado. Há mais de um ano que na Síria milhares de Ayral são mortos pelos bombardeamentos, vêm os seus pais serem barbaramente assassinados, as suas mães violadas e as suas irmãs vendidas para escravas sexuais. Isto, nesta dimensão e duração, choca (deveria) muito mais do que um simples corpo, com todo o respeito pelo mesmo e pela sua família, que somos todos nós.

O que se passa na Síria não é consequência de um terramoto, marmoto ou outro fenómeno de origem natural. É uma guerra provocada por disputas territoriais entre as potências regionais. O abjeto “Estado Islâmico” não existe apenas por simples loucura de um bando de fanáticos. A zona que eles dominam é completamente insuficiente em quase tudo, inclusive em produção de equipamento militar. Como conseguem eles manter um exército operacional durante tanto tempo? Quem são os cúmplices desta abjeção? Pela lógica diria serem algumas dessas potências regionais…

Mesmo com toda a carga emotiva associada, o pequeno Ayral é uma questão menor. Não deveria monopolizar as primeiras páginas. Mais depressa elas deveriam ser ocupadas pelos milhares de Ayral que sofrem na Síria, lado a lado com as caras sorridentes dos negócios por aqueles lados fechados. Escrevo isto para reforçar que não me sinto culpado.

4 comentários:

A. Rocha disse...

Enquanto o EI continua com as suas manobras de diversão, degolando pessoas e destruindo património,o verdadeiro problema vai-se agravando; uma onda imparável de refugiados invade a Europa. Estará o problema da segurança acautelado? Não creio.
Como o Sr. Carlos Sampaio diz, e muito bem, a questão de receber refugiados tem que ser à escala tolerada pelas populações. E se os cerca de 5 milhões, de refugiados distribuídos pelos países vizinhos da Síria são empurrados também para a Europa?
Será que aquele senhor baixinho (que por acaso é português e vai-se embora no fim do mandato)volta a pressionar a Europa para mais uma onda de solidariedade?. A ONU é só a Europa? Pessoalmente acho muito estranho esta onda de refugiados (?)repentina.A guerra na Síria já tem alguns anos e refugiados, assim como emigração clandestina, sempre existiu, mas em escala menor.
Reconheço que a questão é sensível e difícil de resolver. Mas será legitimo agravar os nossos problemas com os problemas dos outros?
Tal como o Sr. Carlos Sampaio, não me sinto culpado com os desvarios dos outros.

Carlos Sampaio disse...

Caro A. Rocha

Obrigado pelo comentário. Acrescento alguns pontos.
Há refugiados a fugir da guerra e há simples migrantes económicos. Se abríssemos as portas, metade do norte de África e da África central vinha para a Europa. Mesmo para os casos de guerra a solução não pode ser transferir partes significativas das populações para cá.
Os naufrágios do Mediterrâneo aumentaram porque a Líbia desestruturada já não controla os embarques. Aliás, alguns que lá agora mandam até ficam contentes com o desestabilizar da Europa.
Nesta gente toda há certamente casos de gente humilde e capaz e que quer trabalhar, mas há muito mais… e partes muito más. Sem querer dramatizar em excesso veremos o que acontece em termos de insegurança e até mesmo terrorismo…
Alguns afirmam ser necessária uma recolonização de alguns países africanos. Não o subscrevo mas é tema a discutir, quanto mais não seja para tentar ir ao fundo da questão

A. Rocha disse...

Os meus agradecimentos ao Sr. Carlos Sampaio.
Realmente só nos resta esperar. Como sempre joga-se primeiro com a emoção e só mais tarde chega a razão. No entanto é bom reflectir e deixar estas questões no ar:
- Como se explica esta súbita e enorme onda de emigrantes?
- Como se explica, que pessoas com pobreza extrema consigam pagar 10.000 euros aos traficantes?
- Ninguém questiona de onde vem este dinheiro?
Trata-se de um fluxo durável e sem obstáculos, que naturalmente não pode ser impedido pela UE ou ONU.
Felicidades para o seu blog, que conheci através do jornal "A Aurora do Lima", e que admiro pelo seu estilo livre, longe de influências ideológicas, que poluem o nosso dia-a-dia!
Cumprimentos
A. Rocha

Carlos Sampaio disse...

Caro A. Rocha

Mais uma vez, obrigado.

É um pouco difícil falar genericamente sobre tantos milhares de pessoas. Muitos deles venderam tudo o que tinham, casa incluída, para pagar aos traficantes. Não são dos que não tinham onde cair mortos, mas agora passaram a ser. Não creio que haja um financiamento importante por terceiros, nossos inimigos. Acredito, no entanto, de que muita gente fica feliz por ver a Europa ser invadida e desestabilizada.

A pressão de emigração para a Europa sempre existiu e teve que ser contida. A Líbia tinha uma função de controlo muito importante no tempo de Khadafi, que se perdeu. Antes os refugiados chamavam-se emigrantes, agora mesmo os simples emigrantes são refugiados. Com esta reviravolta nas opiniões públicas e este facilitar pouco seletivo, muitíssimos mais serão tentados a partir e era importante ser entendido (antes de ser tarde de mais) que não podemos receber na Europa todos os que para cá queiram vir… !