24 abril 2009

Liberdade não rima com ser pequeno

Pois é. Lá vem o tal dia com as comemorações rotineiras e com as polémicas paroquiais que sempre se arranjam nesta altura. Desta vez trata-se da inauguração da praça Salazar em S. Comba Dão. Mais paroquial não poderia ser. O 25 de Abril é uma data passada e com um valor associado intemporal. Não casa com os nostálgicos dos tempos revolucionários nem com relativização do que representa. E cada vez é mais difícil fazer com que os que não viveram o “antes” consigam olhar para a data como mais do que um simpático feriado em que os chatos do costume lá vêm de novo proclamar a liberdade e coisas que tais, sabendo que quem nunca viveu a guerra nunca dará o real valor à paz.

No actual fundo de crise a sério, porque crise em geral já não me lembro de não existir, há umas reflexões a fazer. O tal dito de S. Comba foi popularmente votado o maior português de todos os tempos. Esta nostalgia corresponde a simpatia pela pobreza? Preferimos ser pobres e estáveis a “ir à luta” do desenvolvimento? E quando falo em desenvolvimento não falo apenas do económico. O Portugal de Salazar além de pobre é tacanho, pequenino e mesquinho!

Nas crises nascem as ditaduras, porquê? Porque as dificuldades exigem uma liderança forte que inviabiliza os largos consensos? Vejamos os franceses que são um bom exemplo nestas coisas. Quando protestam violentamente contra o fecho das fábricas, aqueles que protestam com tanta determinação assumiriam alguma vez uma postura construtiva, pragmática e alternativa? Não, sinceramente penso que não. E quando o protesto é destrutivo e primário, há uma menorização implícita do protestante. Ao pegar no machado para destruir a embarcação em que viajamos, no fundo, no fundo, ninguém quer naufragar. É o: “agarrem-me, senão eu faço!”. E quando a mão que brame o machado não tem mais ouvido para razoavelmente escutar, só restará tirar-lhe o machado pela força. E a essa força quando começa, não se sabe quando nem como acaba. O regime “forte”/ditadura nasce então a partir do protesto demitido.

Quando a resposta à crise é a nostalgia da pobreza, da utopia falida ou a demissão social, tudo isto são variantes do ser pequenino e o que faz falta é ser grande e enfrentar a tormenta em vez de ficar escondido ou simplesmente barricado atirando pedras de protesto.

19 abril 2009

Os gafanhotos e o “burro do inglês”



É uma velha história e nem sei o porquê dessa nacionalidade para o protagonista. Um inglês esperto, para poupar, decidiu habituar o seu burro a não comer. Foi-lhe diminuindo a alimentação gradualmente e quando tinha comprovado o sucesso da sua teoria e o burro já estava desabituado de comer, por azar, este morreu!

Lembrei-me desta história ao ler um artigo num dos últimos da “Economist”, que imagem acima publicada ilustrava, sobre o declínio dos “gafanhotos económicos”. Tentando explicar o contexto rapidamente. Ainda não há muito tempo, acreditava-se que os Estados podiam falir e era necessário ter fundos de pensões privados para “garantia” das reformas!!! (e não foi assim há tanto tempo!). Esses fundos bem nutridos pelas poupanças dos muitos crédulos, pela fortuna pessoal de outros, com enormes facilidades de alavancagem financeira e pilotados por “gestores todo-o-terreno” foram comparados às pragas de gafanhotos.

Entravam onde queriam e, friamente, em três tempos, com tratamentos de choque, limpavam as gorduras das empresas ex-públicas ou familiares esclerosadas. Faziam um belo brilharete e revendiam-na, geralmente ao gafanhoto seguinte, com enormes mais valias para grande satisfação dos clientes dos fundos: eram uns craques! O mundo não é a preto e branco e é perigoso generalizar. Algumas intervenções terão sido esclarecidas e com algum enquadramento estratégico sustentável. Mas na maior parte não. Com o objectivo de fazer números bonitos a curto prazo, muitas vezes com a gordura ia também a fêvera, desde que bem paga. Se depois, sem fêvera, a empresa definhasse, isso era irrelevante desde que o efeito surgisse para lá do horizonte temporal da intervenção dos devastadores insectos.

É relativamente fácil descobrir que uma empresa tem um valor de vendas/empregado baixo. É bastante menos evidente concluir que a solução seja simplesmente reduzir o pessoal para acertar o rácio (e até evitei falar em arrogância). Pode conduzir à síndroma do “burro do inglês”. Para criar valor de forma sustentada é necessário conhecer o negócio e ter uma visão que, sem os ignorar, ultrapasse a frieza dos rácios dos balanços e das contas de exploração. Aliás na tempestade actual é fácil entender quem se aguenta melhor. Por isso, pelas dificuldades no mercado financeiro e, porque não, pela quantidade de “burros” que por aí há em cuidados intensivos, os gafanhotos perdem brilho e músculo. Passaremos a ter empresas de sapatos lideradas, será espantoso, por quem entende de… sapatos. Outros problemas aparecerão, mas é um pouco repor alguma justiça neste mundo.

15 abril 2009

Gincana asquerosa

Excerto de uma notícia sobre o recurso que o advogado de Domingos Névoa vai apresentar à condenação do seu cliente:

“No recurso, o jurista afirma que a responsabilidade criminal do arguido estará também excluída, "por falta de culpa, devida a erro não censurável sobre a ilicitude, ou seja, por ter agido sem conhecimento da ilicitude, conforme o Código Penal". "A falta de culpa radica no facto de não se ter provado que o arguido tivesse conhecimento da ilicitude (penal) - coisa diferente do conhecimento da proibição - como não se provou que o seu desconhecimento ou erro fosse censurável", afirma.

Sustenta que "o direito português vigente, correctamente aplicado, nomeadamente à luz das exigências constitucionais da proporcionalidade, não permite o recurso a escutas telefónicas, acções encobertas e gravação de conversas cara-a-cara e de imagem, para investigar e perseguir o crime de corrupção activa para acto lícito”


Qual o objectivo: provar que legalmente não é válido, aquilo que para o comum dos mortais não apresenta a mínima dúvida? Que princípios tem quem assim argumenta? Está tudo bem desde que se consiga anular a prova? Sintomático que Isaltino Morais ao ser questionado por uma testemunha ter afirmado que ele recebeu uma casa no Algarve por “contrapartida de um favor a um empresário”, tenha comentado: “Ele disse que eu lhe disse e isso vale zero” – não importa o fundo, o que conta é se a prova legal conta. “Ladrão” é apenas aquele que é apanhado e que não atirou fora o produto do furto antes de ser fotografado? E, já agora, que tem que saber previamente que vai ser fotografado e que autorizou a fotografia?

Acho muito bem que ninguém seja condenado antes que a culpa seja indubitavelmente provada e que essa prova tenha regras bem claras. Mas, se tecnicamente a justiça é a aplicação das leis, é também, e fundamentalmente, um valor daqueles que nos afastam da barbárie e convém não esquecer isso. Depois dos inocentados Fátima Felgueiras, Pinto da Costa, Avelino Torres, e veremos como sairão Isaltino Morais e Valentim Loureiro, não querem ver que Domingos Névoa, por azar condenado, ainda se “safa”? Para lá das distracções e azelhices que deixam estes buracos técnicos onde chafurdam diligentes advogados, será que a lei não protege tanto que acaba por inviabilizar a Justiça?

Uma coisa é certa, quando a “inocência” é conseguida à custa destas gincanas técnicas, a reacção é de asco!

13 abril 2009

Andando às Antas….


No meio do Alentejo, seguir uma indicação para uma anta pode ser uma boa aventura. Principalmente porque na maior parte das vezes a sinalização só manda sair da estrada principal e depois é uma questão de persistência, palpite e sorte. Pode não se ver nenhum monumento, pode-se avistar um lá ao fundo, bem protegido por várias linhas de arame farpado, mas acaba por ser um exercício de descoberta com o seu quê de divertido e a atirar-nos para lugares e cantos que doutra forma não descobriríamos.

Entre Marvão e S. Pedro do Corval, há uma dessas placas que por acaso até nem nos faz perder. A particularidade é que na zona dos monumentos está uma parada de oliveiras antigas impressionantes. A oliveira é sempre uma árvore bonita e sob um sol de manhã de primavera mais ainda. Naquela zona, no entanto, é uma verdadeira exposição de arte! Garanto que já visitei exposições de artes plásticas muito, mas mesmo muito, menos interessantes!

09 abril 2009

Nocera, Todi e Aquila


O centro de Itália não tem o esplendor da Toscana e da sua Florença, nem o charme histórico de Roma, nem o romantismo do norte dos lagos, de Verona e Veneza, mas é a minha zona preferida. Já passei várias vezes pela Umbria em férias e em trabalho e sempre com o mesmo prazer. Sendo Peruggia e Assis os locais mais conhecidos, não faltam outras belíssimas povoações encavalitadas no alto daquelas doces colinas, das quais destaco Gubio e Orvietto.

Mas é uma zona sísmica. A foto acima é de Todi, do verão passado, de que me recordei por semelhança ao ver imagens de Aquila, mais a sul no Abruzzo, agora sinistrada.

Em Setembro de 1997 um terramoto na mesma falha sísmica esvaziou a aldeia de Nocera Umbra, um pouco a leste de Assis. Passei lá em 2005, ou seja 8 anos depois e guardo uma impressão muito forte dessa visita. A povoação continuava em ruínas, vazia, como se os habitantes a tivessem abandonado na véspera, apenas com um pouco mais de pó, com as paredes das casas fendidas e as postas escancaradas para um interior caótico. 8 anos depois é assustador. Os habitantes continuavam em casas pré-fabricadas no fundo do vale, 8 anos depois.
Passados os focos mediáticos e enterrados os mortes, Nocera Umbra ficou ao tempo e ao pó e a sua gente em habitações provisórias. Esperemos que desta vez seja diferente.

07 abril 2009

Sssemana Sssanta!

Quando andava com mais frequência pelas terras de Castela e Levante, ouvia nesta altura do ano ser referida com entoação muito convicta e carregada esta coisa da “ssssemana sssanta”. Na expressão junta-se um misto de sabor a pequenas férias e uma veneração e reverência por aquelas manifestações negras e roxas da “paixão”!

Não costumo ter férias nesta altura e as procissões das cruzes parecem-me mais lúgubres e sinistras do que minimamente simbólicas de outra coisa mais elevada. E, mais uma vez, é pena. É pena que num mundo em tamanha convulsão que forçosamente questiona os seus valores, e os procura, mais uma vez a Igreja católica não consiga utilizar o seu riquíssimo património humanístico. Ficamos pela rotina oca das cruzes envoltas em faixas roxas e pelas tenebrosas procissões espectaculares. Não se vê como isso combina com os ovos e os coelhos da fertilidade associados ao equinócio do Primavera, mas com um bocadinho de esforço poderiam lá chegar. É mais fácil, se bem que bastante menos eficaz, fazer um discurso a condenar o hedonismo em Luanda…

01 abril 2009

“Balboas”? Não, obrigado?


Em passagem recente por Monsaraz ouvi falar de novo na controversa refinaria prevista para Balboa, no outro lado da fronteira. Em primeiro lugar, o investimento parece algo atípico. Uma refinaria “movimenta” quantidades enormes de materiais e a localização economicamente mais lógica é junto a um porto, e dos grandes. Ali, perdida no meio da Estremadura, é estranho. Pensando que se trata de uma zona deprimida, com “incentivos” especiais ao investimento, pode ser apenas mais uma caça ao subsídio. Para estes valores de investimento e respectivo ciclo de vida parece caça grossa demais, mas enfim, eles lá saberão.

A polémica é sobre a componente ambiental. E lá vem um monte de gente afirmar que a poluição por ela emitida irá matar o Alqueva. Talvez possa não ser assim. O impacto de uma unidade deste tipo não pode ser comparado com o histórico do que acontecia há 20 anos. Actualmente existem soluções para tratar qualquer tipo de poluição e legislação para obrigar à sua aplicação. Obviamente que o custo varia conforme a exigência. Assim sendo e estando em causa uma zona tão sensível como a bacia do Alqueva, o Estado Português só tem que colocar a “fasquia” no ponto certo, exigir o seu cumprimento e prever multas bem dissuasoras para o caso de ocorrer um “problema”. Até poderia exigir acesso à monitorização em tempo real das emissões!

Com algumas semelhanças está o projecto da Cimentaurus para uma nova cimenteira em Figueiró dos Vinhos. Em primeiro lugar, com a situação actual na construção em Portugal e em Espanha, surpreende a necessidade de uma nova unidade de produção de cimento, mas eles lá saberão. Do ponto de vista ambiental, diz-se de tudo, até que porá em risco a saúde e a qualidade de vida das populações. De novo, está mal! Uma cimenteira pode ser limpa. Basta investir e isso já é obrigatório até. E, de passagem, recordo-me de quando um projecto de uma nova máquina de papel em Viana/Ponte de Lima ia “destruir” o bucólico rio Lima.

Há apenas um aspecto que pode não ser pacífico e que nem se aplica a Balboa que está 50 km para lá da fronteira. É o impacto visual. Se as emissões e os efluentes são medidos e tratados, uma grande unidade industrial pode estragar o “ambiente” do ponto de vista estético. Um dia alguém há-de pensar e legislar sobre a integração paisagística destas e doutras coisas como antenas, aerogeradores, etc.