28 fevereiro 2025

País de porteiros em família

Já vivi num país, que não primava pela eficácia nem pela meritocracia, uma coisa vai com a outra, e onde, para funções pouco exigentes e qualificadas, o mais recomendado era contratar alguém primo ou familiar de quem já lá estava. Como praticamente qualquer um servia, ficava garantido algum compromisso, quanto mais não fosse pela fidelidade a quem o tinha contratado.

Também se tornava prático. Em vez de procurar abertamente quem poderia melhor servir, bastava dizer “Ó António, não tens por acaso um primo ou sobrinho que queira ser aqui porteiro”. E o António tinha e arranjava.

Conforme a cultura, ou respetiva ausência, o nível do recrutamento endogâmico podia subir e, especialmente para entidades não solicitadas a concorrência, nem por ela ameaçadas, era prático generalizar o critério. Só vantagens. Por um lado, o António beneficiava de uma tribo de protetores devedores, prontos a retribuírem-lhe o favor. Por outro lado, era tudo boa gente, bem previsível e comportada, retirando da equação, naturalmente, competência, desempenho e respetivas consequências.

O trabalho de seleção era também muito simplificado e querer reduzir a carga de trabalho não há quem não queira…. Grande trabalheira seria ter que ir à procura de alguém pela competência. Ainda por cima, como dizia há uns anos atrás um especialista no tema: “Os independentes são muito imprevisíveis…”

Sobretudo nada de surpresas. Imaginem que aparecia alguém mesmo competente que ridicularizasse o desempenho da família instalada na corte… !?

Quando olho para a lista de representantes, nomeados e demais escolhidos para coisa pública ou para-pública e respetivo CV, fico com a muito forte impressão que é tudo muito coisa de primos e irmãos. Basta isso, para todos ficarem felizes e contentes… todos ? Depende do universo e da ambição.

25 fevereiro 2025

O consultório Montenegro


Relativamente à polémica com a empresa familiar de Luis Montenegro, preocupa-me pouco o seu possível conflito de interesses com a famigerada “lei dos solos” ou o facto de ele eventualmente parquear a sua participação junto da sua mulher, um primo ou o motorista.

Tão pouco a primeira questão será conhecer as empresas que recorreram aos seus serviços de consultadoria, mas sim a natureza dos mesmos. Se, por exemplo, a atividade da empresa fosse vender sardinhas, os seus clientes trocavam uns tantos euros por umas tantas sardinhas e era claro o que estava a ser transacionado.

Da mesma forma que não há lojas a venderem simultaneamente sardinhas, raquetes de ténis e impressoras multifunções, um serviço de consultadoria é um trabalho especializado. Alguém tem um conhecimento profundo de um dado contexto e esse conhecimento é o valor que é vendido aos seus clientes. Pelo objeto social da empresa, “planeamento estratégico, organização, controlo, informação e gestão, reorganização de empresas, gestão financeira, gestão de recursos humanos, segurança e higiene no trabalho, objetivos e políticas de marketing, organização de eventos, proteção de dados pessoais”. não se descobre a especialidade que está em causa, nem o que poderão ser exatamente esses serviços que conseguem fazer entrar em casa do primeiro-ministro umas centenas de milhares de euros.

Qual foi a natureza da contrapartida dessas compras? Em função dessa resposta, poderá ser importante conhecer as empresas que a tal recorreram, mas a primeira questão é esclarecer o que se vende por ali…

22 fevereiro 2025

Acabou o recreio


Uma certa Europa vive o fim de uma era da inocência, quando se entretia a discutir o sexo dos anjos e a procurar novos anjos para defender.

Se Trump e Cia podem ter razão nalguns aspetos, o wokismo é uma praga irracional, uma Gronelândia autónoma à mercê da Rússia é um problema, um canal do Panamá chinês é um risco enorme, tudo disso se desvanece face à arrogância e intimidação brutais do senhor e do indescritível Elon Musk, que, quando se vê em excitados pulos, parece mais um adolescente retardado do que um esboço de estadista. A grande questão é como irão as instituições dos EUA aguentar e resistir a esta “cowboiada”.

Para a Europa, é o fim do recreio. O papá rico cortou a mesada. Terá que viver, especialmente no domínio da segurança, com os seus próprios meios. Não vale a pena chorar. Provavelmente os Trumpusks irão embater no muro, as suas famosas tarifas serão um boomerang  que retornará contra a sua própria economia, mas não é por os regentes europeus irem ajoelhar a Washington, implorar qualquer coisa ou simples bom senso que os excitados execráveis se colocarão em questão.

É o momento da Europa decidir e assumir se é “uma” coisa, se tem princípios e coragem para lutar pelos mesmos. Esqueçam os EUA, pelo menos por agora. Acabou o recreio.

13 fevereiro 2025

Seguro e o partido invisível


O PS é um partido histórico da nossa democracia, por onde muita gente passou ao longo de todo este tempo, uns mais recomendáveis de que outros. Apesar de alguns posicionamentos recentes a alinhar com a esquerda “dura”, é um partido com largo espetro eleitoral. É de estranhar que nas últimas duas décadas nunca tenha conseguido apresentar um candidato presidencial forte e respeitável, que conseguisse agregar uma parte significativa do seu eleitorado.

Para as próximas, António José Seguro reúne todas as condições e não é Augusto Santos Silva que nos irá convencer do contrário. Dificilmente se encontrará no seu percurso político algo que possa ser objeto de rejeição, pelo contrário. Apontem-lhe um defeito de caráter? Poderia ser o tal grande candidato que tem faltado ao PS.

O problema e o pecado de Seguro foi ter associado o PS a certos interesses e a um partido invisível existente na sociedade portuguesa. A ser falso, hoje ninguém daria importância ao que um derrotado tinha estranhamente argumentado uma vez. A ter um fundo de verdade é incómodo para os eleitores de base, que certamente não apreciarão agendas escondidas. Será também desconfortável para as elites relacionadas, que preferirão perfis mais amenos.

Por isso, para alguns, Seguro não “tem perfil”… eu acho que tem

02 fevereiro 2025

A Pen secreta


Estar uma pendrive cuidadosamente guardada num cofre, por alguma razão será.

Alguém colocar ou encontrar uma pendrive nestas condições deverá saber ou descobrirá o conteúdo e a razão.

Conhecer um conteúdo, tão sensível, e mantê-lo sem reportar às autoridades competentes, não é normal para gente responsável e de bem.

Porque raio alguém colecionou e guardou aqueles dados está, para já, no domínio da especulação, mas que é potencialmente muito perturbador e assustador, é!