10 agosto 2017

Laicidade e laicofobia


Voltando à questão dos abusos, que começou aqui e depois divergiu para um “podemos não estar de acordo” aqui, achei por bem, eventualmente sendo de novo abusivo, transcrever um texto, algo provocador, de Amine Zaoui, jornalista argelino e muçulmano, publicado recentemente no jornal argelino “Liberté”. Certamente não faltará quem o insulte de várias formas e feitios. Não vou dizer que estou de acordo e tudo subscrevo, mas é assunto que vale a pena questionar e um ponto de vista que merece ser analisado/discutido.

O muçulmano, todo o muçulmano em qualquer parte do mundo, é alérgico ao conceito de "laicidade". A palavra "laicidade" assusta-os! Magoa. Angustia. Aos seus olhos, "laico" é equivalente a comunista. Semelhante a "ateu". Igual a "irreligioso". Sinónimo de imoral. Ou ainda, um laico é um judeu. Um judeu é um laico. Um laico é um cristão. Um cristão é um laico. Qualquer laico é um não-muçulmano. E todo muçulmano é um não-laico, um laicofóbico. Um muçulmano não pode imaginar outro muçulmano laico. Na ausência da laicidade como um estilo de vida social, como uma forma de pensar, como cultura política, o mundo muçulmano tornou-se um mundo islâmico. Consumido pelo fundamentalismo. Mesma a laicidade na Turquia é ameaçada pelo islamismo fanático apoiado pelo projeto político da Irmandade Muçulmana. A "laicidade" assusta os muçulmanos desde Meca até Nouakchott, assusta o político muçulmano tanto de direita como de esquerda, assusta os "doutores" das universidades e assusta o cidadão normal.

A laicidade é um monstro! Mas porquê essa "laicofobia" no muçulmano? A escola é a fonte fundamental dessa doença chamada laicofobia. A escola, qualquer escola no Magrebe e no mundo árabe-muçulmano, do jardim de infância à faculdade, ensina aos seus alunos que a laicidade é um perigo para a religião islâmica. Que "laicidade" é o inimigo número um do Islão. Ela é uma armadilha armada pelos judeus aos muçulmanos! Ela é o isco do anzol colonial. Depois, porque o cidadão se afoga num grande vazio intelectual, onde a história das ideias filosóficas universais é banida. Os muçulmanos vivem fora, sem História e fora da História. Ou fazem a História à sua maneira, para se vangloriarem! Porque não existe nenhum pensamento crítico. Porque o fanatismo se impõe nas escolas e nas universidades, o muçulmano é apanhado pela laicofobia. Porque o religioso é um destino comunitário imposto. Porque não há nenhum debate intelectual livre e racional, o muçulmano tem medo de laicidade. Porque não existem partidos políticos reais com programas da sociedade, todos eles são de criados ou alimentados por correntes nacionalistas de tempero islâmico ou pelas ideias da Irmandade Muçulmana.

A fobia islâmica face à laicidade criou uma cultura de ódio em toda a sociedade muçulmana. Esta fobia islâmica generalizada em direção à laicidade reforçou a mentalidade de rebanho, impediu o muçulmano de poder cultivar uma liberdade individual. Esta laicofobia criou um sentimento de medo do outro, de recusa de viver com os outros. Esta laicofobia ergueu barreiras face àquele que não é semelhante, na religião ou na forma de pensar. Esta doença que é a laicofoboa é a consequência de tudo o que o povo do Magrebe e do mundo árabe-muçulmano viveram em deceção política, social e cultural, e isto dura desde as independências desses países. Se um muçulmano não se liberta desta doença psico-intelectual que é laicofobia, ele permanecerá condenado a viver no medo, ódio e violência, contra si mesmo e contra o outro.

Nunca se explicou ao crente muçulmano simples, com clareza e coragem intelectual e política, o significado da laicidade. Nunca se ensinou às crianças das escolas muçulmanas que a laicidade é o único caminho que garante o respeito pelas religiões, por todas as religiões. Que só a laicidade garante o respeito do ser humano, com as suas convicções religiosas, filosóficas e políticas. Que o caminho da laicidade é o garante da possibilidade de convivência, entre o muçulmano e outras pessoas pertencentes a outras religiões ou outras não-religiões. Que a laicidade permitirá o florescimento em todo o respeito das diferentes culturas e línguas que vivem no Magreb ou neste mundo árabe-muçulmano. Todas as guerras declaradas no mundo muçulmano, ou noutro lugar, em nome do Islão contra outras religiões, contra outras culturas, outras línguas são resultado desta laicofobia, desta doença que corrói o muçulmano, onde quer que ele se encontre.

Sem respeito pela laicidade como cultura, pensamento e como modo de vida social e político, a própria existência do Islão permanecerá ameaçada no mundo. E a laicofobia gera a islamofobia.

2 comentários:

KUUL PORTUGAL disse...

a laicidade é único caminho.
a laicofobia faz parte de um grande projecto imperialista para os países árabes, Grande Oriente Médio. mas pelo contrário que muitos pensam, não foi inventado pelo Bush.
Tudo começou como um projecto imperialista nos anos 20, no fim do Império Otomano.
Hassan el Banna fundou "Irmãos Muçulmanos" para contrariar as ondas da modernização e laicização vindas da Turquia moderna.

Carlos Sampaio disse...

Exatamente.. os EUA têm culpa de muita coisa, mas não de tudo ! :)
Acho impressionante como haja quem discuta e dê palpites em público sobre este assunto, nunca tendo ouvido falar da Irmandade Muçulmana.
A minha visão aqui:
http://glosa-crua.blogspot.pt/2016/07/porque-nao-acaba.html