12 janeiro 2018

Contra um certo tipo de feminismo


Começo por afirmar e recordar que lamento e condeno profundamente a condição da mulher constatável em muitos locais do mundo, fonte de enormes frustrações e incompatível com um mínimo de dignidade humana a que todos têm direito. Sem entrar em particularização sobre situações concretas que conheci, gostava de ver o movimento feminista a denunciar mais ativa e firmemente o que de muito grave se passa nalguns recantos do mundo, que também é o nosso – “Todas as crianças são como a tua”, J. Brel.

Sou contra um certo tipo de feminismo que simplifica abusivamente o problema. Sou contra a perspetiva redutora do elas, todas vítimas, e eles, todos agressores. Aliás, este maniqueísmo acaba por casar mal com a flexibilidade dos géneros, tema de grande destaque na atualidade. Um “trans”, que supostamente atravessa a fronteira, passa automaticamente de vítima a agressor e vice-versa?

O que está em causa, a criticar e a banir são atitudes objetivas e concretas. Nem todas as mulheres são vítimas, nem todos os homens são agressores, nem sequer potencialmente. Ao acusarem, façam o favor de serem específicas/os, sem generalizações. Numa manifestação recente sobre este assunto, vi um “bem-intencionado” exibir um cartaz: “Paremos de as matar” – fala por ti, pá!

No fundo, está em causa um abuso sobre alguém em posição de fraqueza e isso, infelizmente, não é específico de um género. O sistematizar a mulher no lado do “fraco” é estar implicitamente a assumir uma menoridade e uma fragilidade, que não ajuda nada à assimilação da igualdade teórica e prática de direitos e de estatuto.

Sou contra um certo tipo de feminismo rancoroso para quem os homens são genericamente “porcos”. Vejo nisso mais uma grosseira manifestação de misandria do que uma defesa de direitos.

Para terminar, dei-me ao trabalho de traduzir a parte inicial do manifesto das 100 francesas, incluindo Catherine Deneuve, sobre os excessos do #metoo. Leia quem quiser informar-se, já que a forma como foi noticiado em alguns órgãos de comunicação social não ajuda. Quem não quiser, pode reagir com a agressividade “religiosa” que (algumas) feministas manifestaram. O texto, ponderado, merece reflexão. A intolerância redutora não ajuda nada a questão de fundo, demasiado importante para não ser abordada racional e friamente.

Tribuna. A violação é um crime. Mas o tentar seduzir alguém de forma insistente ou desajeitada não é um crime, nem a galanteria é uma agressão machista.
Como resultado do caso Weinstein, houve uma consciência legítima da violência sexual contra as mulheres, particularmente no local de trabalho, onde alguns homens abusam de seu poder. Ela era necessária. Mas essa libertação do discurso torna hoje o seu oposto: somos intimados a falar de uma única forma, a silenciar o que incomoda e quem se recusa a cumprir tais injunções é considerado traidor, cúmplice!
Está aí uma característica do puritanismo, apropriar-se, em nome de um pretenso bem geral, dos argumentos da proteção das mulheres e sua emancipação para melhor as prender a um estatuto de vítimas eternas, pobres pequenas coisas sob a influência de falocratas demoníacos, como nos bons velhos tempos da feitiçaria.
Delações e acusações
De fato, #metoo provocou na imprensa e nas redes sociais uma campanha de denúncias públicas e de acusações de indivíduos que, sem terem oportunidade de responder ou se defenderem, foram colocados exatamente ao mesmo nível dos verdadeiros infratores sexuais. Esta justiça expedita já tem suas vítimas, homens que são sancionados no exercício de sua profissão, obrigados a demitir-se, etc., quando o seu único erro foi terem tocado um joelho, terem tentado roubar um beijo, falado sobre coisas "íntimas" num jantar de trabalho ou enviado mensagens sexualmente explícitas para uma mulher quando não havia atração recíproca.
Esta febre de enviar "porcos" ao matadouro, longe de ajudar as mulheres a autonomizarem-se, serve na realidade os interesses dos inimigos da liberdade sexual, dos extremistas religiosos, dos piores reacionários…

Imagem googleada

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