04 outubro 2016

O encanto da segunda linha


O que têm em comum Mértola no Guadiana, Silves no Arade, Alcácer do Sal no Sado, Montemor-o-Velho no Mondego e até mesmo Santarém no Tejo? São as cidades de segunda linha nos respetivos rios e todas elas, mais tarde ou mais cedo, foram perdendo importância, ou por alteração dos circuitos comerciais, ou por consolidação e garantia de segurança contra a pirataria nas suas correspondentes, mais expostas na costa.

As cidades de segunda linha têm o encanto do que já foi. De uma certa forma pararam no tempo ou o tempo principal passou a correr desviado delas. Nas suas ruas, hoje menos do que já foram, correm cheiros de outros tempos. As ruas antigas fluem e cruzam-se sem pressas, irremediavelmente ultrapassadas. Os cais já não se vêm, ou se se existir algo mais do que a sua memória não terão barcos ou, se os houver, não estarão atarefados a carregar e a descarregar mercadorias.

Eu gosto de cidades de segunda linha, desamparadas. A sua despromoção ensina-nos. A evolução é complexa e muitas vezes imprevisível; a riqueza é construída e também tributária de circunstâncias não dominadas; o decair pode não significa acabar, mas recomeçar de outra forma.

Curiosamente, para o Douro não existe nenhuma cidade de segunda linha nas suas margens agrestes. Foi o rio que não deixou ou o Porto que não precisou? A primeira urbe interior intrinsecamente ligada ao rio surge apenas no Peso da Régua, mas o seu desenvolvimento é relativamente recente e num contexto muito específico. As cidades da bacia do Douro, Penafiel, Amarante, Lamego e Vila Real, não estão nele mas nos afluentes e não puseram (julgo eu) barcos na água. Um rio diferente.

2 comentários:

jorge neves disse...

Esta está bem imaginada

Carlos Sampaio disse...

Imaginada, mesmo imaginada é a anterior.. mas com imaginar no sentido de fazer/construir uma imagem, estou de acordo e agradeço. Gostei bastante de escrever este texto.