18 agosto 2016

Submissão e 2084


O lançamento do romance “Submissão” do francês Michel Houellebecq coincidiu com o dia do ataque em Paris ao Charlie Hebdo em Janeiro de 2015 e, na altura, foi considerado “inoportuno”. É um livro provocador e gerador daquelas polémicas de que muitos gostam de falar e comentar, mesmo (sobretudo?) os que não conhecem nem pretendem conhecer em detalhe o fundo da questão. Por cá, também tivemos uma vez uma coisa assim com um tal “Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Um pouco mais tarde foi lançado o romance “2084” do argelino Boualem Sansal, também candidato a reações irracionais de amor ódio.

Eu li estes dois livros malditos. O do francês não é muito especial como escrita. Por vezes até se perde um pouco no ritmo narrativo. Como tema, temos uma segunda volta das presidenciais francesas de 2022 disputada entre um candidato da extrema-direita e outro da irmandade muçulmana. A esquerda apoia este último que se torna presidente, fazendo avançar uma islamização do país. A banalização da insegurança, o crescimento dos extremismos e o desgaste dos valores versus identidade perdida, são pontos a pedirem reflexão e o cenário descrito é uma oportunidade de se fazerem perguntas. O contexto detalhado dessa França islamizada já me parece excessivamente caricatural.

O livro do argelino é bastante mais denso, confesso ser dos poucos autores de língua francesa que me custa um pouco ler no original, e literariamente muito mais sério. A narrativa passa-se num mundo fantasiado, o título faz a ligação com o 1984 de Orwell, onde a população é estupidificada, enganada e controlada por uma instituição/sistema religioso sufocante, que no fundo se manifesta ser de uma brutal hipocrisia. Não fala em islão, embora se possam encontrar pontos de contacto com um certo tipo de prática do mesmo. Os muçulmanos sérios e interessados, em vez de receitarem a fogueira, poderiam lê-lo e pensar: olha, onde podemos ir parar se não tivermos cuidado com os nossos líderes políticos e religiosos! De uma coisa estou certo, ninguém, mas mesmo ninguém, gostará de viver naquela sociedade do 2084. Sinceramente, vale a pena lê-lo e penso que os livros nunca são inoportunos.

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