16 julho 2016

Porque não acaba

Os avanços militares contra o designado Estado Islâmico na Síria e no Iraque parecem sugerir que o apogeu desta organização ficou para trás e ser agora uma questão de relativamente pouco tempo até essa barbaridade passar a ser passado.

Poderá ser verdade, concretamente para este rebento do fundamentalismo islâmico, mas as sementes lá estando, é outra questão de tempo até vermos novo protagonista. Donde vêm essas sementes e quem as rega? Para lá de algumas particularidades na génese do Islão, a sua visão hegemónica e de superioridade face às outras religiões do livro, o registo bélico da fase de Medina e a concentração da liderança religiosa e temporal na mesma figura, particularidades que podiam ter sido resolvidas com o tempo, é necessário ir ver mais perto, a 100 anos atrás.

No final da Grande Guerra de 14-18, o império otomano, herdeiro dos califados históricos, está de rastos e cai. As razões da sua decadência são tema para muitos estudos, questionando-se nomeadamente qual a influência da religião nesse declínio. Kemal Ataturk irá fundar uma Turquia moderna, laica, entendendo que o futuro passa pela separação da religião da política.

No mundo muçulmano em geral este fim de ciclo e o desaparecimento do califa é sentido como uma perda e uma grande desilusão. O que é correu mal? Algumas vozes, principalmente no Egito, vão proclamar que se na “origem” foram poderosos e agora enfraqueceram, isso aconteceu por se terem afastado dos fundamentos religiosos. A solução é o regresso às origens: o salafismo. Tudo que é “influência ocidental” é mau. É necessário islamizar o individuo, a família, a sociedade, o país, o mundo; se for necessário lutar, lute-se; se essa luta tiver que ser violenta, seja; se for preciso morrer nessa luta, isso é uma obrigação e uma honra. Esta cartilha criada nos anos 20 está por trás de quase todo o ativismo político islâmico atual, interpretado de forma mais “hard” ou mais “soft”, conforme o contexto.

Estes salafistas vão estar inicialmente aliados aos independentistas “progressistas” face ao colonizador, inimigo comum. Após as independências o casamento de conveniência desfaz-se, porque as conceções de sociedade dos dois são incompatíveis.

O salafismo ativista vai encontrar terreno fértil nas desilusões do pós-independência, a partir da década de 80. De fato, os regimes no poder falham as expetativas de desenvolvimento e de bem-estar que a expulsão dos colonizadores prometia. As sementes no terreno fértil serão regadas pelas monarquias do golgo pérsico, substancialmente enriquecidas após o choque petrolífero da década de 70. Lideradas nessa fase pela Arábia Saudita, guardiã dos principais locais santos e seguidora de uma versão do islão fechada e intolerante, encontrarão assim uma forma de expandir e aumentar a sua influência no mundo muçulmano. As chamadas “Primaveras Árabes” e, principalmente, os seus desfechos devem ser lidos neste enquadramento.

Não afirmo que os petrodólares pagaram diretamente as kalashnikov que massacram em nome do Islão. É claro, no entanto, pelo menos no norte de África, que a radicalização dos jovens, muitos deles agora a lutar na Síria e amanhã sabe-se lá onde, tem a marca das escolas, mesquitas e associações patrocinadas pelo “golfo”. É muito importante realçar que não estão em causa movimentos pontuais que nascem e morrem isoladamente. Há um processo de base, estruturado e com um longo histórico.

Enquanto houver terreno fértil, sementes e irrigação, os rebentos continuarão a brotar.
 

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