24 julho 2016

O que correu mal?


Há um século atrás o império Otomano estava em decadência irreversível e viria a cair menos de uma década depois. Muita tinta se gastou com “O que correu mal?” e muitas razões se apontaram e especularam, desde religião a menos a religião a religião a mais, das mais simples às mais rebuscadas. Se ninguém discute a influência da religião na queda do império romano, é forçoso reconhecer que o princípio de que tudo está escrito e encerrado, nada pode ser acrescentado ou alterado, não constitui certamente um bom fermento para o desenvolvimento do conhecimento.

Claramente as novas rotas comerciais com a Asia, estabelecidas após os descobrimentos portugueses, contribuíram, mas outras sugestões não faltaram. Será que a exclusão do contributo da mulher foi um handicap significativo? Ou a consanguinidade permitida naquelas sociedades levou a uma degradação genética? Certamente não terá existido uma causa única. Há ciclos que se encerram naturalmente e muitas vezes é a própria riqueza do sucesso que conduz à decadência.

Posteriormente, foi constituída a nova república turca, fortemente laica. Era um bom exemplo de ser possível um país de larga maioria muçulmana funcionar com a religião apenas nas mesquitas e fora de ministérios, tribunais e escolas. Mais tarde veio a democracia e um partido islâmico chegou ao poder. A Turquia era um bom exemplo de ser possível um país de maioria muçulmana ser efetivamente democrático e um partido islâmico jogar o jogo.

Gradualmente a Turquia foi ficando menos democrática, menos secular e o contragolpe de Julho 2016 tornou-a um Estado de não direito. É muito provável que daqui a uns anos se comece a gastar tinta com o “O que correu mal na Turquia?”, que, significativamente, até nunca foi colonizada.

Talvez nessa altura futura se escreva sobre um bom exemplo de um país qualquer na bacia mediterrânica, de maioria muçulmana, que vive em democracia plena, onde o partido no governo, confessional ou laico, entende o exercício do poder como um mandato com regras e limitações e não uma apropriação. Ou talvez não…


Foto pickada no Economist

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