06 dezembro 2015

Nós é que sabemos

Um amigo pediu-me para ler e criticar um livro que lhe tocava assunto próximo e cuja produção tinha um pouco acompanhado. Debaixo do título enfático e pomposo, não gostei da estética das frases (e gostos talvez não se discutam) nem da forma indefinida da escrita. Não tinha desenvolvimento de personagens suficiente para ser romance (estas eram quase e apenas cabides de citações) e também não tinha foco para ser uma tese. De facto, ficava a ideia de se estar fundamentalmente a percorrer uma lista solta de citações muito literalmente transcritas e insuficientemente tratadas.

No fim, no fim, tentando expurgar o que declaradamente não tinha relação com mais nada e alguns pontos óbvios como apontar deficiências da classe política em geral, as 300 e tal páginas pretendiam dizer que todo o mal do mundo, próximo ou remoto, é devido aos demoníacos mercados, secretas conspirações capitalistas e alguns visíveis truões neoliberais.

E o que me ficou mesmo a impressionar, e de certa forma a justificar o investimento de tempo, foi ver com mais proximidade aquele tipo de postura (esqueçamos quadrantes e bandeiras especificas) para quem o mundo é amarelo. Assim sendo, apontam e destacam tudo o que vêm amarelo e ignoram o que não o seja. Leem e citam os que realçam o amarelo do mundo. Se algum inimigo ou mero tonto tiver o desplante de apontar um ponto verde, é tratado como uma melga intrusa, que higienicamente deve, de uma forma ou de outra, desaparecer. Sai um palavrão e uma etiqueta de “qualquer coisa feia”, como se presumivelmente ser “uma coisa feia”, fosse suficiente para destruir qualquer fio de razão ou anular a mais simples frase pronunciada. Um mundo ideal é um mundo com melgas silenciadas, para não dizer exterminadas.

A riqueza e o conhecimento passam por falar e ouvir, aceitar provocar e ser provocado. As tribos que se autoalimentam exclusivamente das suas razões empobrecem. Aqueles que do alto do seu discurso e postura altiva julgam ser os donos de todo o saber do mundo, mais do que me revoltar, entristecem-me.

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