17 dezembro 2014

Sidi Bouzid - 17 / 12 / 2010


Nos primeiros dias de Dezembro de 2010 eu estava na Tunísia. Se alguém me tivesse dito nessa altura: - Sonhei que daqui a um mês isto vai estar tudo a ferro e fogo, palácios saqueados, o presidente a fugir e o regime deposto; eu teria respondido a esse suposto interlocutor: - Deves ter comido algo que te fez mal! Neste país, pode até o povo sair para a rua, mas antes de aquecerem as solas na calçada, já alguém lhes estará a aquecer as costas com um bastão. Cerca de duas semanas depois, em 17 de Dezembro, o vendedor de fruta de Sidi Bouzid, acossado e humilhado pela polícia, imolava-se, desencadeando a revolução, na qual, à partida, ninguém acreditava.

Razões para ter ido até o fim:

- a primeira dama e respectiva família, o clã Trabelsi, tendo passado de ilegítima a legítima, tratava o país como um bem pessoal. Que quem governa se governa é condenável, mas até certo ponto tolerável – isto não.

- o wikileaks tinha revelado muitos detalhes e dado uma maior e insuportável visibilidade a esses saques e abusos.

- as autoridades reagiram com bastão nas costas, sem entenderem que essa resposta já não servia.

- a Tunísia não é um país inventado um dia, a milhares de quilómetros de distancia. É herdeira do império cartaginês e a história e identidade contam muito.

- uma ajudinha da cadeia de TV do Qatar, Al Jazira, muito popular na altura, que deu uma enorme cobertura e destaque, mostrando os acontecimentos como uma epopeia empolgante.

Hoje, exactamente 4 anos depois, a Tunísia é o único país das “primaveras” onde a consolidação de um verdadeiro regime democrático parece ainda possível. Porquê? Devido à sua forte identidade… e, apesar de tudo, por ter sido pouco “ajudado”. A democracia não pega de enxerto e muito menos empurrada à força.

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