18 agosto 2012

Escrita em sicronização lenta

Na sequência da publicação anterior, lembrei-me de um belo texto de uma grande autor: “Ne me quittes pas” de Jacques Brel. Para lá da beleza, delicadeza, emoção e força tremendas, que fazem a obra de Brel uma espécie de património cultural da humanidade, pode-se discutir se faz sentido um homem (ou uma mulher) reduzir-se assim por amor, para não perder um amor, a ser uma sombra da sombra, sombra da mão, sombra do cão. Mas essa leitura na qual há um interlocutor concreto, de quem só falta referir o nome próprio, é a simples e imediata, a da fase do flash.

Se deixarmos o obturador aberto um pouco mais, pode-se ver outra coisa, na minha opinião. Jacques Brel pode não estar a falar a um amor mas sim ao amor. A quem ele pede para não o abandonar não será uma Mathilde, Marieke ou Isabelle concretas. Pode estar a referir-se à capacidade de se emocionar, de se apaixonar, de se recriar e de, amanhã, encontrar uma Mathilde, Marieke ou Isabelle. De umas entrevistas suas que vi, com a visão dele sobre o amor e amantes, não me parece nada improvável que isso estivesse presente quando o escreveu. Como leitor tenho toda a liberdade de o ler desta forma e é também isso que distingue as boas histórias dos relatos. E, sendo assim, aceita-se melhor aquela história de fazer tudo, mesmo tudo, até passar a ser sombra da sombra, não será?

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