Recordo-me de uma época em que havia edições dos Lusíadas censuradas, nomeadamente quanto ao relato do encontro dos bravos navegadores com as Ninfas da Ilha dos Amores. De facto, passagens como a seguinte podem chocar puritanos zeladores de almas inocentes:
De uma os cabelos de ouro o vento leva
Correndo, e de outra as fraldas delicadas;
Acende-se o desejo, que se ceva
Nas alvas carnes súbito mostradas;
Uma de indústria cai, e já releva,
Com mostras mais macias que indignadas,
Que sobre ela, empecendo, também caia
Quem a seguiu pela arenosa praia.
Entendo que hoje não deve passar pela cabeça de ninguém censurar
desta forma a genialidade e a beleza do grande poeta. Isso seria um crime. Não
faltam, no entanto, zelotas de outras causas e pudores que já não se limitam a
cancelar e a procurar limitar e proibir produções culturais e artísticas
“incorretas”. Chegaram ao ponto de “corrigir” obras de outros tempos, em
profundo desrespeito pelo público e pelos autores. Coloquem lá uma bolinha
vermelha, preta, rosa ou outro sinal qualquer, mas deixam a obra como foi
criada. Ou então, escrevam claramente na capa “Edição objeto de censura
ideológica”. Caso contrário, é crime, digo eu!
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