02 abril 2023

É crime, digo eu


Recordo-me de uma época em que havia edições dos Lusíadas censuradas, nomeadamente quanto ao relato do encontro dos bravos navegadores com as Ninfas da Ilha dos Amores. De facto, passagens como a seguinte podem chocar puritanos zeladores de almas inocentes:

De uma os cabelos de ouro o vento leva

Correndo, e de outra as fraldas delicadas;

Acende-se o desejo, que se ceva

Nas alvas carnes súbito mostradas;

Uma de indústria cai, e já releva,

Com mostras mais macias que indignadas,

Que sobre ela, empecendo, também caia

Quem a seguiu pela arenosa praia.

Entendo que hoje não deve passar pela cabeça de ninguém censurar desta forma a genialidade e a beleza do grande poeta. Isso seria um crime. Não faltam, no entanto, zelotas de outras causas e pudores que já não se limitam a cancelar e a procurar limitar e proibir produções culturais e artísticas “incorretas”. Chegaram ao ponto de “corrigir” obras de outros tempos, em profundo desrespeito pelo público e pelos autores. Coloquem lá uma bolinha vermelha, preta, rosa ou outro sinal qualquer, mas deixam a obra como foi criada. Ou então, escrevam claramente na capa “Edição objeto de censura ideológica”. Caso contrário, é crime, digo eu!

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