24 maio 2017

Pela Paz


Ao ver anunciadas as iniciativas “Contra a Nato”; perdão, “Pela Paz”, recordei-me da única manifestação em que participei na minha vida. Bem, participei aproximadamente em metade dela e passo a contar.

Nos anos 80, os USA quiseram instalar mísseis nucleares na Europa. Este projecto provocou uma grande reação pública, com motivações variadas. Desde a transmissão direta do canal URSS, até à de muita gente que, genuinamente, gostaria de ver um desanuviamento da ameaça nuclear.

Neste contexto foram organizadas umas “Marchas da Paz”, sob o signo de uma pomba singela com um bonito ramo de oliveira no bico. Eu e um grupo de amigos decidimos participar na marcha do Porto, porque entendíamos valer a pena demonstrar publicamente a nossa vontade de ver o mundo menos ameaçado. Na Praça da Liberdade recebemos um papel com as palavras de ordem oficiais, curiosamente todas elas reivindicando uma paz unilateral. Esvoaçavam bandeiras da Intersindical e comentámos: Então a Inter também é “pela paz...!”. E pensámos: vem cá a RTP, filma estas bandeiras, apresenta-as no telejornal e insinua que isto é uma manifestação só de “comunas”.

Lá arrancámos e, no grupo em que estávamos, improvisámos umas palavras de ordem: “Nem a Leste, nem a Oeste; nem Pershing, nem SS20”. Pershing era um dos modelos dos mísseis americanos em questão e SS20 era um míssil soviético. Rapidamente fomos instados a “utilizar somente palavras de ordens oficiais!” e um grupo diligente apareceu ao nosso lado com o “Milhões e milhões contra a bomba de neutrões”. Conseguimos mobilizar os vizinhos para insistir no “Nem a Leste nem a Oeste”.

Foi assim durante a descida de Mouzinho da Silveira. No largo de S. Domingos juntou-se-nos um automóvel com megafone, abafando as nossas vozes com os milhões e a bomba de neutrões. Demos uns passos rápidos à frente para fugir ao veículo, mas ele conseguiu furar até junto de nós. Depois de uma corrida adicional mais longa, passamos a ver e a sentir, não uns milhões, mas uns bons pares de sólidos cotovelos, tentando-nos separar e gritando contra a bomba de neutrões.

A manifestação para nós acabou ali, em frente à Bolsa, antes de se tornar conflituosa. Aparentemente, não era pacífico dizer “nem a Leste, nem a Oeste”.

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