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26 agosto 2024

Em V ou em O


Há organizações estruturadas em "V". Com liderança e hierarquia claras, estruturas alinhadas, perseguindo objetivos bem definidos, unidas com relações de confiança transparentes e sãs. Cultivam exigências a 360º, de cima para baixo, de baixo para cima e também para os lados. Movem-se como um todo, com a agilidade e a eficácia de uma águia.

Há outras organizações em "O", onde o fundamental é o círculo estar fechado e as “retaguardas” protegidas, sendo fundamentais as fidelidades tribais acríticas. A dinâmica é secundária, o fundamental é garantir que não haja brechas por onde algo imprevisto possa entrar e ameaçar as ditas retaguardas.  O importante é conseguirem resistir ao cerco que a meritocracia lhes pode colocar. Movem-se de forma pouco definida, a lembrar um caranguejo desconfiado.

Como é lógico, as águias chamarão um figo aos caranguejos. Sempre? Não necessariamente. Quando a cultura dominante e a preferência pelo abrigo em zonas de conforto levam à proliferação das estruturas caranguejo e à rarefação das águias. Aliás, frequentemente, as carências de liderança fazem aparecer vários caranguejos na mesma organização. Será certamente um meio rasteiro onde a vista pouco alcança e que não viaja muito longe, mas… há quem se sinta melhor assim.

30 maio 2024

E/Imigrantes


Por estes dias, o nosso governo aprovou um conjunto de medidas em favor dos jovens, nomeadamente para procurar reter os qualificados cá no país e evitar o nosso empobrecimento em recursos humanos.

Ao mesmo tempo, há quem clame que devemos receber na Europa todos os que quiserem para cá vir, pela necessidade de termos mais gente a trabalhar e a criar riqueza, independentemente do que isso possa implicar de empobrecimento nos seus países de origem. Falta de coerência ou simples egoísmo/oportunismo?

Migrações sempre houve e haverá na história da humanidade e o respetivo enquadramento não se resume a uma palavra, ou duas: integração e asilo. Uma jovem afegã a quem foi vedado o acesso aos estudos não pode ser tratada da mesma forma que um quadro superior magrebino que procura melhores condições económicas. E muito menos do que um originário não importa de onde que queira simplesmente usufruir do guarda-chuva social europeu.

Não podemos fechar a porta a toda a gente, nem abrir de par em par. Devíamos estar de acordo que a prioridade das prioridades é proporcionar condições de vida digna para todos, no local onde nasceram e isso não passa obviamente por esvaziá-los dos seus recursos humanos valiosos. A Europa cometeu certamente erros no seu passado, mas que esteja condenada a uma expiação coletiva de todos dever receber como penitência, não. O erro maior está principalmente nas carências nos governos dos países de onde os emigrantes querem sair, mas pôr isso em causa pode ser classificado de ingerência e “neo-colonialismo”.

E não falei dos choques culturais de (des)integração que não são um problema menor, nem se resolvem com ignorância e ingenuidade.

11 maio 2024

O risco das milícias eficazes


Há cerca de 30 anos atrás conheci de perto a situação em Francelos, Gaia. Ao lado da estrada principal havia um acampamento cigano que funcionava como centro comercial de estupefacientes. A frequentação nas redondezas de clientes e vendedores proporcionava um ambiente de enorme desconforto e insegurança e perante a passividade de “quem de direito”.

É aí que aparecem as milícias populares para “resolverem” a situação. A sua ação ilegal e brutal foi, é e será sempre inaceitável, mas o fato é que depois desses acontecimentos, as forças de segurança reagiram e a zona voltou a viver em clima de segurança. Ou seja, houve uma clara relação de causa-efeito entre a inadmissível investida popular e a solução do problema. Muito preocupante, não será?

Esta evocação vem a propósito dos recentes acontecimentos no Porto, cuja discussão é desde logo contaminada com o direita/esquerda, como se isso fosse o fundamental. Imigrante não é um conceito singular nem homogéneo. Haverá imigrantes inocentes vítimas de xenofobia e imigrantes violentos e marginais. Quem conhece a realidade urbana no norte de África, sabe que lá existem “códigos” e comportamentos que não queremos ver aqui transpostos.

Se não olharmos para isto com rigor, objetividade e tomando as consequentes ações, se ficarmos entretidos em considerações ideológicas, estaremos a ir de olhos fechados contra o muro.

14 fevereiro 2022

#Lítio acima/abaixo


Dizem que a sustentabilidade do planeta passa pela mobilidade elétrica, exclusivamente, que na tecnologia atual necessita de muito lítio para as baterias. Independentemente da origem da energia que carrega as baterias, que é outro tema – #lítio_acima!

Esse lítio necessário vem da extração mineira. De uma forma geral as minas e demais escavações não são vistas como boa vizinhança. No caso particular do lítio, talvez pela maior exposição mediática, a repulsa é larga - #lítio_abaixo!

A fileira do lítio terá certamente algum valor acrescentado e um contributo positivo para a economia do país. #lítio_acima!

A sustentabilidade do planeta passa pela economia circular onde se utilizam recursos renováveis, ao contrário da linear que segue uma sequência extrair-produzir-descartar. Portanto, sem estar clara a gestão do fim de vida das baterias, para já não renováveis - #litio_abaixo!

O melhor é ficar mesmo pelas bicicletas… e não elétricas!

10 fevereiro 2022

O bem sem o mal?


Não é a primeira vez que o senhor acima representado é por aqui citado. Admiro a sua produção literária, o seu humanismo (nem sempre de moda) e o seu discernimento.

Um destes estes dias passou pelas minhas mãos este livro, coleção de discursos e palestras por ele realizadas. Uma boa parte tem lugar nos anos seguintes ao fim da II Guerra Mundial e há um aspeto nessa ressaca da barbaridade que me interrogou.

Camus questiona o mundo em que vive, nomeadamente a sua desumanização. Não vou aqui transcrever o detalhe, mas há um sentimento de perda de referências e de dúvidas sobre o caminho e os valores do novo mundo. À partida, com a chegada da tão ansiada paz, depois de tantas atrocidades militares, do holocausto e do drama da ocupação e da resistência, em que o próprio se tinha envolvido ativamente, deveria ser uma altura mesmo de paz, de reencontro com a serenidade e a normalidade, num mundo em que não se massacram pessoas na mais absoluta banalização.

Na altura da guerra e da ocupação, havia o mal e havia a luta pela paz e pela liberdade, o bem. Este era um objetivo duro, mas claro e simples. Desaparecendo o mal, ficou o bem desorientado?

O bem só se consegue definir e estabilizar face a um mal? A mensagem de um Deus sem o contraponto de um Diabo, tem dificuldade em se afirmar e ser entendida, como a tese que sem a antítese não se aguenta? Não sei… talvez que se Camus pudesse ouvir isto diria, este tipo não entendeu nada, talvez… mas tentei!   

 

29 janeiro 2022

Política, razão ou emoção

A opção que cada eleitor irá tomar este fim de semana deveria ser fundamentalmente racional. Estamos a falar de governar o país, administrar bens comuns, criar riqueza e bem-estar.

Para muitos, porém, é impossível subordinar a emoção à razão. Muitas vezes prima um histórico emotivo associado a uma experiência, um velho sonho ou (des)ilusão, que pela positiva ou pela negativa se impõe às evidencias objetivas. É certo ser impossível e, digamos mesmo, desumano que todas as nossas opções sejam conduzidas sempre e apenas pela mais pura e fria racionalidade. A própria ciência o diz.

Mas, uma coisa é uma opção, um impulso, que apenas impacta o próprio, outra coisa é um voto que determina a forma como a sociedade vai evoluir ou regredir; a responsabilidade é maior e exige um esforço acrescido de racionalismo e maturidade.

01 janeiro 2022

Novo ano


Porque é que marcamos um novo ano, cada ano? Face à linearidade do tempo, necessitamos de marcar ciclos, fazer balanços e projetar objetivos? Talvez.

Um momento de nos miramos num espelho, imperfeito, e avançarmos em direção à luz? Mesmo com passos são frágeis e o terreno não muito claro.

Entre refletir, considerar e valorizar, avançar.

É só mais um ano, mas sendo apenas um, é suficientemente grande. Deixando os balanços, venham os objetivos.

Bom Ano 2022

13 julho 2021

Florentino Ariza


Quis o azar ou a sorte que um destes dias me tenha passado à frente dos olhos uma versão cinematográfica do “Amor nos tempos de cólera” do imortal Garcia Marquez, um dos destaques da minha biblioteca, um daqueles autores que cabe nos dedos de uma mão do topo das minhas preferências.

O filme, entendo que bem feito e agradável de ver, não transmite a intensidade, a exuberância e o génio narrativo de Gabo, mas isso seria provavelmente missão impossível. O enredo está lá e no final reencontramos algo de único e de todos na figura de Florentino Ariza, que espera determinado mais de 50 anos para atingir o seu sonho, neste caso o amor de Fermina.

Acho que um bom livro se pode ler de trás para a frente e também, por vezes, para o lado. E esta determinação em atingir algo, custe o que custar, demore o que tive que demorar é um desígnio que pode não ser exclusivo do amor. Recordo-me, por exemplo, do Quixotesco “sonhar o sonho impossível” de Jacques Brel, não desconsiderando obviamente o original cavaleiro da triste figura.

Será patético e absurdo passar a vida na esperança de um improvável que apenas parece viável ao próprio? Será um desperdício? Talvez sim, talvez não. A ânsia e a busca da beleza, da verdade, da perfeição são uma excelente melodia para o despertador matinal.

Se para a persistência resultar e se atingir o supremo desígnio, é necessário declarar uma situação de cólera e colocar um pequeno mundo em quarentena é outra questão. Há doenças e doenças.

22 abril 2021

Vacinação e opção


Penso que se fossem suspensos todos os fármacos que apresentem riscos de efeitos secundários ao nível dos das vacinas da Astrazeneca e da Janssen, as farmácias ficariam mais de metade vazias e a saúde pública iria ressentir-se fortemente.

Podemos entender que o governo não deva ter a arrogância de impor “Ou aceitas esta, apesar dos riscos, ou vais para o fim da fila”. O que é mais difícil de aceitar é que não se dê a opção a cidadãos adultos, conscientes e não vacinados de decidirem: entre correr esse risco ínfimo ou esperar vários meses pela minha vez, prefiro e aceito correr o risco.

Não faz sentido rejeitar vacinas disponíveis, até baratas (coincidência) e de logística facilitada, quando, eventualmente, há interessados nas mesmas. Não somos todos criancinhas, sob a tutela de um Governo paternalista e autoritário, que nem sequer se dá ao trabalho de ouvir os interessados.

 

16 abril 2021

Mobilidade elétrica

Está feita voz corrente que o futuro dos automóveis passa pela eletricidade, com alguns construtores a anunciarem mesmo o fim dos motores de combustão. Para já, vamos pôr de lado a questão da origem dessa energia elétrica. Em Portugal, atualmente, cerca de 60% é de origem renovável e veremos até que ponto o aumento do consumo será superado pelo crescimento da produção renovável, de forma a a mobilidade elétrica ser efetiva e globalmente zero emissões (e nuclear free).

A questão aqui é do ponto de vista do utilizador “normal”, não aquele que se interessa por monstros “amigos” do ambiente com algumas centenas de cavalos. Vamos imaginar um automóvel elétrico simples com autonomia de 200 a 300 km. Carregar em casa numa tomada standard, poderão ser cerca de 6 km de autonomia por hora de carga; numa noite de 8 horas, ficará pelos 50 km… utilizando uma tomada especifica reforçada (Wall box), depende da potência contratada e do carregador no veículo. Para 7 a 8 KW, serão 20 a 30 km por hora de carga e atingirá os tais 200 km de autonomia no dia seguinte pela manhã.

Se a rotina de utilização for compatível com a carga diária noturna, perfeito. Se pontualmente ultrapassar, mas em contexto conhecido, onde se possa identificar com alguma segurança onde recarregar durante o dia, eventualmente num carregador rápido, também passa. O problema é pensar em aventuras:  “Vou passar um fim de semana ao Alentejo”; “Vou até Madrid”. Aí, será necessário planear muito bem por onde passar, onde dormir e esperar que os carregadores com que se conta estejam operacionais e disponíveis. E não se poderá mudar facilmente de ideias ou de itinerário sem reavaliar a viabilidade.

Pode o futuro mudar com a evolução das baterias. Veja-se o caso dos camiões que para longas distâncias transportariam quase tanto peso de carga útil como de baterias. Pessoalmente tenho dúvidas quanto a assistirmos a um desenvolvimento espetacular na área tecnológica, neste campo. Talvez fosse mais interessante atingir alguma estandardização e, por exemplo, trocar de bateria de vazia para carregada, como se troca uma botija de gás. Talvez mais promissor possa ser o hidrogénio, mas ainda é cedo.

Neste contexto tecnológico e com o balanço do consumo de energia elétrica/produção de renováveis longe de estar garantido, parece-me pouco fundamentada esta vaga radical de decretar a morte dos motores de combustão.


09 abril 2021

Jorge Coelho, uma reflexão

Para mim e certamente para muitos a memória de Jorge Coelho ficará marcada principalmente por dois episódios. A demissão imediata após a tragédia de Entre-os-Rios e o recado do “Quem se mete com o PS, leva!”. Por trás destas duas atitudes, aparentemente díspares de virtude, existiria uma coerência, a frontalidade. Com Jorge Coelho, sabia-se ao que ele vinha, com o positivo e o negativo, mas de forma assumida.

Ouvimos hoje os elogios fúnebres fraternos daqueles para quem um ministro não é responsável por nada (de negativo; para positivo já é mérito), daqueles para quem “no limite …” a coisa pode nem sequer ter acontecido, ou pelo menos numa forma que lhes seja imputável, para quem a hipocrisia é tão natural como a respiração. Esta diferença faz evidenciar a degradação da qualidade humana dos atuais, digamos, responsáveis.


27 janeiro 2021

Direito à saúde, antes e depois?


Se ainda estamos longe de conhecer o desfecho e todos os efeitos da atual pandemia, questiono-me se esta brutalidade terá um efeito duradouro na forma como se encara o direito à saúde real dos cidadãos.

Na vertigem dos números e das solicitações a um SNS que antes já não tinha muita folga, instalou-se a perceção na opinião de pública de que ninguém deve ficar para trás e condenado por falta de meios. Ainda bem.

Curiosamente, no passado, morrer na lista de espera para uma intervenção ou sofrer um sério agravamento de saúde por falta de tratamento a tempo era considerado um “fatalismo”, que se lamentava, mas pouco escandalizava. Acrescente-se ainda que essas situações faziam parte de um quadro de solicitação regular. Não eram devidas a uma excecionalidade imprevista.

Durante muitos anos não chocou sobremaneira o SNS não conseguir atender razoavelmente a rotina. Hoje entende-se que mesmo para uma situação extraordinária e sem precedentes é dramático não poder tratar toda a gente. Como será para o futuro?

31 dezembro 2020

O Sol também nasce


Mesmo em tempos de noites longas, o Sol acaba por nascer. Mesmo no final de um ano que tantos espíritos escureceu, o Sol também nasce.

Mesmo depois de uma passagem de ano com festejos anulados, condicionados ou proibidos, o Ano Novo nascerá.

Em cada dia, em cada Ano, haverá cores vitais a cintilar, aquecendo ânimos e repondo energias.

Para todos aqueles para quem o 2020 foi duro, o Sol também nasce.

2020 era um número bonito. “Objetivos 20-20”; “Agendas 20-20” foram durante muito tempo chavões sonantes de estratégias e de ideias mais ou menos esclarecidas, mais ou menos consequentes, antecipando um ano especial. Ironicamente 20-20 acabou por ser um ano mesmo muito especial que rompeu previsões, desorganizou objetivos e baralhou todas agendas.

Mas o Sol também nasce. Cada qual no seu canto, escondido ou exposto, sobrevivente de uma travessia inesperada, procurará um local onde respirar a luz que virá, inspirara-la a fundo, perscrutar horizontes, arriscar caminhos e… acreditar que o Sol sempre nasce. Força nisso! 

12 dezembro 2020

Para lá do mínimo


Pelo princípio, o salário deveria ser uma retribuição justa pelo valor criado por um trabalhador. Na prática a coisa complica-se, dado não ser evidente individualizar a contribuição de cada um e existindo mercado tanto do lado do trabalho, excesso ou falta de profissionais qualificados, como do lado do produto/serviço criado. Se, exagerando, não se consegue um profissional por menos de 10000 Euros/mês e a atividade gera apenas 5000, não funciona; se, contas feitas, descobre-se não ser possível pagar mais do que 50 Euros/mês, algo está errado na estrutura da empresa ou no seu posicionamento no mercado. Ambos os casos são inviáveis.

Esta introdução tem a ver com a questão do salário mínimo. Confesso que me surpreendo ao ver a quantidade de gente nesse nível. Enorme. Por coincidência, haverá assim tantas atividades e postos para os quais o SM é mesmo o justo e possível valor? Ou será apenas que, por excesso de oferta, os “empresários” pagam o mínimo… apenas porque não podem pagar ainda menos? Em ambos os casos algo está mal.

Obviamente que aumentar o salário mínimo à bruta tem implicações importantes que podem inviabilizar muitas empresas, mas a tendência de aumento do salário mínimo tem algo de positivo. É essencial que as empresas se procurem equipar e estruturar de forma a permitir contributos diferentes e crescentes dos seus colaboradores e também é importante que aqueles que pagam o mínimo pelo mínimo, evoluam…


29 novembro 2020

Sobre a saúde


 

Este texto não de destina ao destina ao Sistema Nacional de Saúde em si, nem aos seus profissionais, independentemente do que funciona bem ou mal por lá.

Este texto endereça-se à visão que alguns políticos, e não só, têm do mesmo e da saúde dos portugueses:  A saúde não deve ser um negócio, sendo inaceitável permitir a entidades privadas lucrar com a saúde.

Bem… mas se for necessário um exame complexo, uma ressonância magnética por exemplo, no hospital público de Braga esperam-se meses, na Clipóvoa privada poderá ser para o próprio dia.

Se existe um equipamento operacional e disponível, não faz sentido montar um protocolo, bem negociado, que o permita utilizar a partir do SNS, para quem necessita? É pecado contratualizar serviços a privados? Mas, uma fatia importante do custo associado, equipamento e infraestrutura, não terá, porventura, a mesma origem, privada, eventualmente comum a ambos. E quanto do orçamento do sistema de saúde público não remunera fornecedores privados?

Limitar o acesso à saúde dos portugueses por um preconceito ideológico mal fundamentado e, ao mesmo tempo, encher a boca com os méritos de um SNS público é incoerente. Não quero aproveitar para especular sobre o eventual interesse tático da situação atual, em que o cidadão lambda, não atendido no SNS, cai na necessidade da rede privada, aliviando a carga e os custos no sistema público.

Mas, podemos estar descansados, porque “tudo” está a ser feito para nada falhar na próxima vacinação Covid. Podemos estar descansados quanto à capacidade de antecipação e de preparação para algo tão novo, como para a resposta ao banal… Considerando o que falha na vacinação contra a simples gripe…


01 maio 2020

Crime e castigo


O local da bonita foto acima, que não é de hoje, hoje o tempo esteve cinzento, é no limite do meu concelho de residência. Num dos meus circuitos de bicicleta habituais atravesso ali o rio Neiva e percorro umas centenas de metros na margem norte, até regressar ao lado sul no Minante.

Hoje, ser-me-ia proibido fazer essa travessia e sair do meu concelho, mas arrisquei. Com espírito de contrabandista, lancei-me no troço clandestino. Nesse percurso existe uma passagem improvisada sobre um curso de água, feita com umas tábuas manhosas, que costumo abordar com bastante prudência, redobrada esta manhã pelo ingrediente adicional de a madeira estar molhada e mais escorregadia. Infelizmente havia ainda outro ingrediente mais, que não detetei a tempo: as tábuas estavam inclinadas. De forma que ao, por segurança, colocar o pé no chão, ele não ficou estável e eu parti para uma cambalhota e um mergulho completo.

Ultrapassada a fase inicial de uma breve discussão inglória com a força da gravidade, verificado após emergir que a bicicleta não fugira para longe e posteriormente que a embalagem semiestanque do telemóvel tinha aguentado, reconheço que a temperatura da água não estava tão desagradável e que para a quantidade de lama acumulada, o mergulho até serviu de pré-lavagem… e certamente castigo contra a transgressão. Merecido ou não, é outra questão.

Pode-se entender que na Páscoa, naquela fase e atendendo à tradição das viagens e dos reencontros familiares alargados, poderia fazer sentido o travão. Neste fim de semana, já me parece absolutamente abusivo e um tique de quem ganhou o gosto. Que não se consolide o tique, esperemos. E da iniciativa da Intersindical para o dia, “nada” a acrescentar.

10 dezembro 2019

E o ambiente, pá ?



O ambiente está a passar de causa para religião e, como naquelas religiões onde muitos bons fiéis fazem trinta por uma linha durante a semana e depois se vão purificar na reza semanal, aqui também começamos a ver coisas parecidas.

Que dizer dos ativistas portugueses que se deslocam a Madrid para participar numa manifestação em defesa do ambiente? Que dizer do ator espanhol Javier Bardem que insulta o presidente da camara de Madrid por insensibilidade ambiental, quando ele próprio utiliza uma carripana (ver imagem) equipada com um motor de 5,4 litros e a gastar 17 litros aos 100? Tudo muito coerente, sem dúvida.

Agora descobriu-se que o transporte marítimo gera muito CO2. Sim e o terrestre e o aéreo também. Sim, há e haverá comércio mundial e deslocação de trabalho e de lazer… e de ativistas do ambiente, nem todos em sofisticados veleiros só ao alcance dos muito ricos. Sim, mas, como eu refletia aqui em 2006, fará sentido enviar maçãs da américa latina para a Europa por avião? Faz sentido que na minha zona de residência, fértil, não se encontre no supermercado local cebolas locais, nem sequer nacionais? Não, não faz, eu não compro e até já apresentei reclamação.

Há coisas que fazem sentido, outras não e estou certo de que não é de certeza com este nomadismo ativista e a participação em comícios excitados que a coisa lá vai. Temos muitos hábitos e comodidades que nos custará a abandonar, é certo, mas tem que ser por aí. Pela prática no dia a dia, de forma esclarecida e coerente, não por uma eventual boa consciência de ter ido a uma manif no domingo, mas pela frugalidade quotidiana.

25 novembro 2019

Deveria ser consensual



O 25 de novembro é uma data importante na história recente do país, como muitas outras. Quem quiser ver de perto o que se passou no verão desse ano de 1975, não tem dificuldade em concluir que o caminho em curso era o da não liberdade, da não democracia, do não respeito pelos direitos humanos. Era o caminho para uma tirania, cujos exemplos e experiências, terminaram sistematicamente em várias formas de miséria.

Pela lógica seria, portanto, uma data pacífica e consensual. Não deveria servir de arma de arremesso, ou, se tal fosse tentado, o projétil nada atingiria, sendo disparado no vazio. Surpreende-me e preocupa-me que em 2019 essa data possa ser ainda polémica e que ainda haja projeteis e feridos. Sinceramente, alguém defender o que supostamente se perdeu com o 25 de novembro é muito preocupante. Pelo mais básico respeito pela liberdade e pela legitimidade democrática, deveria ser consensual.

23 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (II)


Continuação da publicação anterior.

Sobre o aceitar ou não as desigualdades deste sistema, há duas questões a colocar. A primeira é qualitativa – o sistema precisa de ser corrigido na sua essência? e outra é qualitativa – a amplitude e a banda estão corretas?

Quanto à natureza do sistema, e com a necessária abertura de espírito relativamente ao futuro desconhecido, dentro do que se conhece e se imagina hoje, vivemos no pior sistema… com exceção de todos os outros. A falência dos modelos comunitários e igualitários, tentados de várias formas e feitios ao longo de um século, está aí para quem quiser ver. São sistemas que a prazo originam pobreza.

Mas … sim, o Estado deve proporcionar níveis mínimos de decência, dignidade e igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Não vejo discussão sobre a necessidade e justeza do tema…. A ressalvar que não está em causa uma esmola caridosa, mas um contrato com obrigações e direitos de ambos os lados.

Por outro lado, há a questão algo subjetiva da “justiça” na amplitude. É justo que um Diretor Geral ganhe mais do que um operário, mas essa diferença ser 300 vezes superior à média da empresa, já se torna muito questionável. Pode-se argumentar que um excelente CEO (já vale mais, só com esta sigla) é uma pérola rara, sujeita à regulação de uma relação de oferta-procura, que, se assim é paga, é porque merece: “É o preço!”? Não, há situações obescenas e não faltam salteadores de empresas perdidas.

As injustiças na circulação da riqueza não estão apenas nas disparidades dos rendimentos. Algo mais trivial como não pagar impostos e beneficiar dos serviços públicos pagos pela contribuição de outros é injusto, apesar de não existir grande consenso quando à falta de ética desta habilidade. Obviamente que se a utilização dos impostos fosse judiciosa e honesta, seria mais fácil condenar os fugitivos…

Estamos a falar de roubos, no sentido amplo da palavra, quando alguém abusivamente se apropria indevidamente de um valor material, ou priva outro de um direito.

Roubar é crime, certo, e não falta legislação a tipificar roubos. Mas há disparidades e imoralidades para as quais não é tão evidente conseguir um remédio por força de lei. E então? O que não tem remédio, remediado está?

21 outubro 2019

Pobres e ricos, justiça e injustiça (I)


Ao constatar a disparidade entre os extremamente ricos que ostentam, esbanjam e desperdiçam e os extremamente pobres que não têm pão, teto nem cuidados de saúde, não é difícil constatar a existência de um problema de justiça neste mundo. Obviamente que haverá gente mais rica do que a média por mérito próprio, por terem honestamente gerado a riqueza que possuem e alguns pobres que o são por sua responsabilidade, por não fazerem o mínimo esforço para criar e manter meios decentes de subsistência, que estariam ao seu alcance. Se isto é verdade, também é verdade que a questão não começa nem acaba num “Quem quer bolota, trepa!”.

É relativamente fácil defender uma atitude de ataque, tipo Robin dos Boques, de tirar aos ricos para dar aos pobres, numa ótica de que ladrão que rouba a ladrão tem direito a perdão e, mais do que perdão, terá mesmo obrigação. A necessidade de haver alguma (re)distribuição da riqueza é inquestionável, mas é ingénuo acreditar que tudo se resolve apenas montando e ajustando um franco sistema de vazos comunicantes… até porque o que se distribui não vem de uma nascente espontânea, onde apenas faltaria definir a respetiva repartição.

Numa perspetiva de dinâmica sustentável, que é a de um mundo vivo como o nosso, não se pode falar de riqueza e esquecer a sua criação, porque sem criação, a prazo, acabará por não haver nada para distribuir. E a criação da riqueza envolve iniciativa, riscos e rasgo e… prémio. Sem prémio não haverá criação de riqueza e das tentativas empreendidas sairão sucessos e fracassos. Algumas iniciativas terão muito sucesso, outras pouco, por vezes resultado neutro e muitas provocarão perdas em vez de ganhos.

A incerteza num processo de criação, provocará resultados forçosamente assimétricos, pelo menos na origem.

Aceitamos, portanto, que as desigualdades são uma caraterística intrínseca deste sistema e nada há a fazer? Não – tema para um próximo capítulo.