Em abril de 1995, regressava eu a Bruxelas, após passar a
Páscoa em Portugal, e boa parte da viagem fi-la em conversa com um senhor
sentado ao meu lado, que viajava em circunstâncias idênticas. Trabalhava numa
instituição europeia, estudando e acompanhando questões de segurança. Comentava
ser um tema muito interessante e que a larga maioria das pessoas não imaginava
o que se passava e podia passar nesse campo. Acrescentava que, por exemplo, no
verão não ia querer estar em Paris.
Em julho desse ano rebentaram as bombas no RER em Paris e
fiquei abismado com a antevisão. Se soubesse o que sei hoje, sobre as disputas
em curso na altura entre a França e a Argélia a propósito da extradição de
refugiados do FIS, a minha surpresa teria sido menor.
O senhor chamava-se Martinho da Cruz e informaram-me depois estar
destacado em Bruxelas, por proteção, já que tinha sido um dos principais
magistrados do processo das FP-25 – “O homem que prendeu Otelo”.
Nunca tinha ouvido falar dele antes. Revi o seu nome no
livro acima representado, que me surpreendeu (o prefácio podem dispensar). A minha
memória da dimensão das ações (e crimes) das FP 25 era bastante inferior à
realidade. As bombas, os assaltos e os assassinatos teriam sido umas coisas
avulsas, cada uma apenas mais uma e não prenúncio de outras seguintes. Não me
recordo de as ver noticiadas como um verdadeiro, sério e estruturado ataque ao
estado de Direito. Eram coisas lamentáveis, que lamentavelmente não deveriam
acontecer e que, enfim, acabariam em breve, mais dia menos dia.
O envolvimento de Otelo começou a ser ouvido com descrédito
e seguiu-se a estupefação. A população em geral via alguma incompatibilidade
entre o homem que tinha arquitetado a nossa liberdade e a liderança de um
movimento criminoso, desrespeitador das liberdades fundamentais em pleno regime
democrático consolidado. Será por isso que o poder político muito polemicamente
os amnistiou quando havia evidencias que até um cego podia ver?
Este livro tem a virtude de documentar esta história de vários
milhões roubados, de uma dúzia de inocentes assassinados e de um processo que foi
politicamente encerrado, num país de brandos costumes. Um processo em que quem
mais perdeu, para lá das vítimas diretas, foi quem investigou e quem confessou,
colaborando com a investigação.
Na última página fica um amargo na boca. Pela forma como o
assassinato do Diretor Geral das Prisões foi desconsiderado pelas altas instâncias
da altura; pela facilidade, antes como hoje, com que se criam imbróglios
processuais, quando fatos e provas não faltam; pelo branqueamento político covarde
quando a justiça devia ser cega e o poder político corajoso e pelo olvido com
que a história foi embrulhada.
Quanto às motivações para na década de 80 se desatar a matar
“fascistas”, é tema para outra estória.
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