Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi hoje, na maior
parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e
do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das
disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao
diálogo refletido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu
lado, num tumultuoso monólogo,
…
Vivemos no terror, porque a persuasão já não é possível,
porque homem se entregou totalmente à História e já não é capaz de se virar
para a outra parte de si, tão verdadeira como a parte histórica, que pressente
na beleza do mundo e no rosto dos outros; porque vivemos no mundo da abstração,
no mundo dos gabinetes e das máquinas, das ideias absolutas e do messianismo
sem cambiantes. Vivemos asfixiados no meio de pessoas que creem ter absoluta
razão, seja nas máquinas, seja nas ideias que têm. E para todos os que não
podem viver privados de diálogo e de amizade humana, um tal silêncio é o fim do
mundo.
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Sou pela pluralidade das posições. Será que se pode fazer o partido dos que não
têm a certeza de ter razão? Seria o meu. De qualquer modo, não insulto os que
não estão comigo. É a minha única originalidade.
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E não se trata aqui
de defender um sentimentalismo ridículo que englobasse todas as raças na mesma
terna confusão. Os homens são todos diferentes, é verdade, e eu sei das
profundas tradições que me separam de um africano ou de um muçulmano. Mas sei
também o que nos une, sei que há, em cada um deles, algo que não posso
desdenhar sem me destruir mim mesmo. É por isso que é preciso dizer claramente
que tais sintomas, espetaculares o não, de racismo revelam o que há de mais abjeto
e de mais insensato no coração do homem
…
Nos anos vindouros, através dos cinco continentes, irá
prosseguir uma luta interminável entre a violência e a prédica. É evidente que
a primeira tem mil vezes mais possibilidades de vencer do que a segunda. Mas eu
sempre pensei que se o homem que tem esperança na condição humana é um louco, o
que desespera dos factos é um covarde. E. doravante, a única honra está em sustentar
teimosamente esta formidável aposta que irá decidir se as palavras são ou não
são, afinal, mais fortes do que as balas.
…
Se tivesse tempo, diria também que esses homens deveriam
tentar preservar na sua vida pessoal aquela parcela de alegria que não pertence
à história. Querem fazer-nos crer que o mundo de hoje tem necessidade de homens
totalmente identificados com a sua doutrina e almejando fins definitivos, numa
submissão total às próprias convicções. Acho que, no estado em que se encontra
o mundo, esse género de homens fará mais mal do que bem. Mas admitindo, o que
não creio, que eles acabem por conseguir fazer triunfar o bem até ao final dos
tempos, parece-me a mim necessário haver outro género de homens interessados em
preservar alguns leves cambiantes, o estilo de vida, a possível felicidade, o
amor e, enfim, o difícil equilíbrio, de que os filhos desses homens também irão
afinal necessitar, mesmo que a sociedade perfeita seja já uma realidade
…
Sabemos que a nossa sociedade assenta na mentira. Mas a
tragédia da nossa geração foi ter visto, sob as falsas cores da esperança, uma
nova mentira sobrepor-se à antiga. Nada, pelo menos, nos obriga a chamar
salvadores aos tiranos e a justificar, com a salvação do homem, o assassínio da
criança. E assim, recusamo-nos a crer que a justiça porventura exija, mesmo
provisoriamente, a supressão da liberdade. A dar-se-lhes ouvidos, sempre as
tiranias são provisórias. Explicam-nos que há uma grande diferença entre a
tirania reacionária e a tirania progressista. Haveria assim campos de concentração
que vão no sentido da história e um sistema de trabalho forçado que pressupõe a
esperança. Admitindo que tal fosse verdade, podíamos pelo menos interrogar-nos
sobre a duração dessa esperança. Se a tirania, embora progressista, durar mais
de uma geração, isso significará, para milhões de homens, uma vida de
escravidão, e nada mais. Quando o provisório abarca a vida inteira dum homem,
torna-se, para esse homem, definitivo.
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Quando a morte se torna negócio de estatísticas e de
administração é que de facto as coisas do mundo não vão lá muito bem. Mas se a
morte se torna abstrata é porque a vida também o é. E a vida de cada um mais
não será do que uma abstração, a partir do momento em que alguém se lembre de a
submeter a uma ideologia. A desgraça é que nós estamos no tempo das ideologias
e das ideologias totalitárias, isto é, suficientemente seguras de si, de sua
razão imbecil ou da sua tacanha verdade, para só considerarem a salvação do
mundo debaixo do seu próprio domínio. E querer dominar alguém ou alguma coisa é
desejar a esterilidade, o silêncio ou a morte dessa mesma coisa ou pessoa.
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Tenho horror à violência confortável. Tenho horror aqueles
cujas palavras vão mais longe do que os actos. E aí que me afasto de alguns dos
nossos grandes espíritos, cujos apelos ao crime deixarei de desprezar, quando
forem eles a empunhar as armas da execução.
…
O longo diálogo dos homens acaba de se interromper. E não há
dúvida de que um homem que não se pode persuadir é um homem que mete medo. E é
assim que, a par das pessoas que não falavam por considerá-lo inútil, ia
alastrando e alastra ainda uma imensa conspiração de silêncio, aceite pelos que
tremem e que encontram bons motivos para a si próprios ocultarem esse temor, e
criado pelos que nele têm interesse. «Não se deve falar da depuração dos
artistas na Rússia, porque isso aproveita à reação.» «Não se deve falar no
apoio dos Anglo-saxões a Franco, porque isso só aproveita ao comunismo.» Bem
dizia eu que o medo é uma técnica.